Pareceres do Ministério do Esporte e da Justiça Federal indicam que a possível reeleição de Paulo Wanderley à presidência do COB (Comitê Olímpico do Brasil) pode causar um bloqueio do financiamento público da entidade, o que a partir de 2025 inclui a arrecadação com bets.
Para 2024, foram separados R$ 461,4 milhões de verbas da Loteria para o COB, que também repassa esse dinheiro às confederações.
Ainda não há estimativa para o montante para 2025, mas ele certamente será muito maior, uma vez que a lei prevê o início dos repasses das apostas online.
O comitê também fechou, em fevereiro deste ano, um patrocínio com a Caixa de R$ 160 milhões.
O corte deste financiamento depende da interpretação da legislação.
Desde 2014, é vedado o repasse de recursos públicos para entidades cujo presidente tenha sido reconduzido ao cargo mais de uma vez consecutiva. A Lei Geral do Esporte, aprovada em 2023, contém essa previsão.
Opositores afirmam que um novo mandato de Wanderley seria o seu terceiro, mas ele alega que seria o segundo —e os dois lados já preveem judicialização.
Não há parecer sobre este caso específico, mas situações análogas já foram alvo de manifestações do Ministério do Esporte e da Justiça.
Procurado pela Folha, ele diz que “desconhece a existência de qualquer parecer contrário à sua candidatura” e que não trabalha com a hipótese de sua eleição levar ao veto.
Questionado, o Ministério do Esporte não respondeu.
Carlos Arthur Nuzman foi eleito presidente do COB em 2016 com Wanderley de vice, mas renunciou após denúncias de corrupção.
Assim, em 2017, seu subordinado assumiu o cargo. Ele concorreu e foi eleito para se manter no posto em 2020 e, agora, quer ser reeleito.
Wanderley diz que esta seria sua primeira reeleição porque entre 2017 e 2020 ocupou o posto provisoriamente.
“A legislação esportiva brasileira não veda a reeleição quando o primeiro período é um chamado ‘mandato-tampão’”, afirmou, por meio de nota.
A Folha teve acesso a uma série de análises jurídicas do Ministério do Esporte dos últimos anos acerca do repasse de verba pública. Foram editados ao menos seis pareceres sobre isso desde 2020.
Nenhum trata especificamente da hipotética eleição de Wanderley neste ano, mas sempre que versam sobre a contabilidade de reconduções ao cargo, corroboram a visão de que casos de tampão devem ser considerados como mandatos regulares e podem levar ao corte de verba.
A mais recente manifestação, uma resposta a um pedido de Lei de Acesso à Informação, é do início de setembro deste ano. Ela diz que o “entendimento do Ministério do Esporte quanto ao tema permanece o mesmo”.
Em fevereiro deste ano, a Justiça Federal do Distrito Federal analisou o caso da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei). A decisão, à qual a Folha teve acesso, diz o mesmo: o mandato-tampão deve ser, sim, contabilizado como mandato comum e pode causar bloqueio de financiamento.
Os repasses federais para todo o esporte olímpico brasileiro são concentrados no COB, que descentraliza os recursos para as demais confederações esportivas. Para o ano de 2024, a previsão era de que R$ 225 milhões sejam repassados a essas entidades.
O veto ou não depende do Ministério do Esporte.
A pasta emite, todo ano, um certificado de conformidade com a lei, para fins de repasse dos recursos públicos. Ela se debruçaria sobre o tema, portanto, em 2025, mas essa análise pode ser antecipada caso haja denúncia ou manifestação do Ministério Público.
“Até mesmo o Supremo Tribunal Federal, analisando casos eleitorais [de confederações], já consolidou jurisprudência sobre o assunto, atestando que o ‘exercício da titularidade do cargo dá-se mediante eleição ou por sucessão’”, diz a ONG Atletas pelo Brasil.
“O atual mandatário do COB coloca todo o sistema, que deveria proteger e desenvolver, em risco de colapso, pois é fato que se trata de um terceiro mandato”, completa a entidade.
A Folha também questionou Ana Paula Terra, gerente jurídica do COB entre 2001 e 2020 e membro da comissão que elaborou a minuta da Lei Geral do Esporte, mas sem citar especificamente o caso de Paulo Wanderley, apenas mencionando a necessidade de contabilizar, ou não, os mandatos-tampão.
“Sim, qualquer exercício de função por membros eleitos deve ser considerado. Mesmo quem exerce um mandato na espécie tampão goza das prerrogativas e limitações que estão vinculadas ao cargo. O impacto possível seria a suspensão dos repasses financeiros”, afirma.