No Brasil, muitos torcem o nariz ao ver um time escalado com três zagueiros. “Vai jogar na retranca”, disparam uns, em relação à escolha do esquema do treinador com um beque a mais.
Essa conclusão, entretanto, pode estar bastante errada. É preciso observar o restante da escalação, especialmente as características dos dois laterais, para determinar como o time jogará.
Se os laterais são defensivos, pode-se afirmar que a equipe irá priorizar a defesa, pois formará uma linha não de quatro atrás (a tradicional, com dois laterais e dois zagueiros), mas de cinco (dois laterais e três zagueiros).
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Caso os laterais sejam ofensivos, gostem de apoiar e o façam com eficácia (bons cruzamentos e/ou finalizações), o time passa a ter somente três defensores (os zagueiros), e os laterais se tornam alas, o que reforça a ideia de o time se lançar com mais força ao ataque.
Na seleção brasileira, a última vez que um treinador recorreu ao esquema com três zagueiros, de forma constante e explícita, foi na Copa do Mundo de 2002 (Coreia/Japão).
Naquela equipe, o técnico Luiz Felipe Scolari (Felipão), tendo os excelentes laterais apoiadores Cafu, pela direita, e Roberto Carlos, pela esquerda, deu-lhes muito mais liberdade ofensiva ao escalar o trio Lúcio, Edmílson e Roque Júnior na zaga.
Quando necessário, Lúcio fazia a cobertura de Cafu, e Roque Júnior, a de Roberto Carlos, com a ajuda do volante Gilberto Silva. Edmílson ficava na sobra, caso essa marcação inicial falhasse.
Edmílson, que jogava centralizado, avançava quando a equipe tinha a posse de bola, para ajudar na distribuição do jogo.
Assim, o Brasil foi campeão. Depois, sempre com dois zagueiros, a seleção brasileira fracassou nas cinco edições seguintes de Copa.
Não que atuar com três zagueiros seja determinante para ganhar. Nada disso. O Brasil perdeu Copa assim (Itália-1990, quando o trio era Ricardo Rocha, Mauro Galvão e Ricardo Gomes). E os campeões em Copas desde o Brasil-2002 sempre jogaram com dois zagueiros.
Porém considero uma alternativa interessante e válida para a atual seleção, já que há laterais (Wesley, principalmente, ou Vanderson, na direita, e Guilherme Arana, na esquerda) que atacam com frequência e eficiência em seus clubes.
Em um esquema com quatro defensores, os laterais têm como missão primordial a marcação, e dessa forma o Brasil deixa de ter como arma avanços mais constantes deles –desperdiçando boa chance de desmontar, atacando pelos flancos, defesas rivais muito fechadas.
Além disso, os zagueiros costumam ser altos e bons cabeceadores. Com um a mais, ampliam-se as chances de gol de cabeça em jogadas de falta ou escanteio. A bola parada é recurso importante, muitas vezes vital, contra retrancas, quando as tentativas de sucesso do ataque tocando a bola não funcionam.
Só que será muito difícil isso acontecer, pois o técnico Dorival Júnior sempre foi adepto do esquema com uma linha de quatro atrás (4-4-2 ou 4-3-3), sendo altamente improvável uma mudança para o 3-5-2 ou uma outra variação que use três zagueiros.
A minha sugestão, observando o atual elenco de Dorival, é um 3-4-1-2, com Léo Ortiz, Marquinhos e Gabriel Magalhães atrás; Wesley na ala direita, Arana na ala esquerda; Gerson e Bruno Guimarães como volantes/meias; Raphinha centralizado (meia ofensivo); Rodrygo e Vinicius Junior na frente, um de cada lado, como jogam no Real Madrid.
Dorival, entretanto, deverá continuar optando por um atacante a mais (João Pedro, Matheus Cunha, Savinho, Estêvão ou Endrick) e os tradicionais dois zagueiros.
Pode funcionar, mesmo não tendo funcionado bem até agora, mas eu gostaria de ver, um par de vezes, por meio tempo que seja, essa mudança. Vai que o Brasil joga melhor.
É quase certo que vou ficar na vontade, pois provavelmente a seleção nem treinou para jogar diferente.
Certas coisas na vida são bem difíceis mudar. Há de ter coragem. Felipão teve em 2002. Deu certo, e o Brasil foi pentacampeão.
Folha de S.Paulo