CBF pagou ‘mesada’ de R$ 100 mil para Coronel Nunes – 30/04/2025 – Esporte


A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) pagou uma mesada de aproximadamente R$ 100 mil mensais a Antonio Carlos Nunes de Lima, mais conhecido como Coronel Nunes, 86. Nunes ocupou o cargo de presidente interino da confederação em duas ocasições, mas recebeu os recursos quando não ocupava mais funções.

A Folha obteve comprovantes emitidos pela entidade que mostram pagamentos em valores brutos de R$ 1,2 milhão, em 2022 e 2023, e R$ 1,15 milhão, em 2024, para Nunes. Prints do sistema interno da CBF mostram, por sua vez, transferências mensais de R$ 72 mil para o ex-dirigente (com impostos já retidos na fonte), identificadas como “honorários” —ele não faz mais parte dos quadros da CBF desde agosto de 2021.

A CBF afirma, em nota da assessoria de comunicação, que todo pagamento da instituição é feito de acordo com o estatuto e é apresentado a auditorias e repudia qualquer alegação de pagamento com qualquer finalidade que não seja lícita.

O posicionamento não explica o motivo para os pagamentos mensais a Nunes, mesmo sem que ele tenha cargo na confederação, tampouco se eles continuam sendo feitos.

A reportagem procurou Nunes, também por meio de familiares, mas não houve resposta.

Em fevereiro deste ano, Nunes foi um dos signatários de acordo que ajudou a manter o atual mandato do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, com duração até 2026. Ele já foi reeleito, com previsão de permanecer no cargo até 2030.

Além de Nunes, o acordo foi assinado pelos dirigentes Fernando Sarney, Rogério Caboclo (ex-presidente), Castellar Neto e Gustavo Feijó e também pela Federação Mineira de Futebol. O acordo reconheceu a legalidade das duas assembleias que alteraram o estatuto e garantiram a eleição de Ednaldo, ambas realizadas em março de 2022.

No documento, eles se comprometeram a encerrar todos os litígios que questionavam as assembleias e que, portanto, ameaçavam a continuidade do mandato.

Reportagem da revista piauí revelou que um dos signatários, Gustavo Feijó, recebeu R$ 2,5 milhões da CBF em maio de 2024, no mesmo dia em que anunciou que desistiria de contestar na Justiça a eleição de Ednaldo. Segundo as partes informaram à revista, o valor se refere a acordo no âmbito de ações movidas por Feijó contra a CBF na Justiça de Alagoas. A reportagem afirmou não ter recebido comprovante de realização do acerto judicial.

O acordo que ajudou a manter Ednaldo foi assinado pelas partes em janeiro deste ano e homologado no mês seguinte pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes. A participação do magistrado na disputa judicial que atravessava a CBF é considerada controversa por envolvidos, uma vez que, desde agosto de 2023, o IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), do qual é sócio e fundador, tem uma parceria com a entidade esportiva para gerir os cursos da CBF Academy.

Coronel Nunes assumiu interinamente o comando da CBF em duas ocasiões: entre dezembro de 2017 e abril de 2019, e entre junho e agosto de 2021, por ser o mais velho entre os vice-presidentes.

No último período, passou a dirigir a instituição após suspensão de Rogério Caboclo, que havia sido acusado de assédio moral e sexual. Ao lado dos demais vice-presidentes, ele aceitou abrir mão do direito de presidir interinamente a CBF em favor de Ednaldo em agosto de 2021.

A postura do dirigente foi destacada pelo entorno de Ednaldo à época, já que pelo critério etário Nunes poderia argumentar que tinha prioridade –o estatuto da CBF não especificava a forma de substituição do presidente em caso de afastamento temporário, como era o caso de Caboclo, mas o vice mais velho é quem assume em cenários como licença ou banimento.

Opositores de Ednaldo enxergam a participação de Nunes como um novo flanco para questionar a legitimidade da assinatura do acordo em fevereiro deste ano que garantiu a continuidade do atual presidente.

Reportagem publicada pelo portal Leo Dias na segunda-feira (28) mostrou um laudo médico de junho de 2023 em que o neurocirurgião Jorge Roberto Pagura, presidente da comissão médica da CBF, descreve o quadro clínico de Nunes com tonturas, ataxia (falta de coordenação motora) e déficit cognitivo. O médico escreve que houve “melhora do quadro neurológico” após cirurgia.

Esse laudo foi anexado em 2024 a processo em que Nunes pede isenção de Imposto de Renda sobre sua aposentadoria como Policial Militar do Pará devido ao acometimento de doença extremamente grave (tumor maligno no cérebro diagnosticado em 2018 e cardiopatia severa).

O coronel diz no processo que é idoso e doente e não tem saúde para procurar assistência do Ministério Público ou da Defensoria para fazer um acordo, como sugerido pelo instituto de previdência estadual.

O deputado federal Sargento Gonçalves (PL-RN) apresentou requerimento ainda na segunda-feira para que seja realizada uma audiência pública na Câmara dos Deputados com a presença de Ednaldo, Nunes, Pagura e as testemunhas do acordo assinado em fevereiro. Segundo ele, é importante apurar se o ex-dirigente assinou o documento de livre e espontânea vontade e se tinha “capacidade civil plena” para fazê-lo.

Perguntada sobre a situação de saúde de Nunes no momento de assinatura do acordo, a CBF não respondeu, assim como os familiares do ex-presidente interino.

Em nota, a entidade máxima do futebol brasileiro afirma que “não se paga um centavo em desacordo com o estatuto” na gestão Ednaldo e que tudo é submetido ao controle do conselho fiscal e da assembleia geral.

Diz também que “nunca houve tanto controle e transparência na gestão” e que repudia “categoricamente e veementemente qualquer tipo de alegação falaciosa, leviana e arranjada de pagamentos feitos em desacordo com o estatuto ou com qualquer finalidade que não seja lícita e estatutária.”

Por fim, afirma que lamenta que “vozes de mau agouro pretendam, em vão, de forma tola e até pueril, desestabilizar uma gestão que, eleita de forma histórica, já tem alcançado os melhores números na gestão da entidade”.



Folha de S.Paulo