Sempre que vejo um cobrador de pênalti bater no estilo cavadinha, penso: isso é realmente necessário?
Quem acompanha o esporte sabe o que significa a cavadinha no pênalti. Explico para quem não acompanha. É o ato em que o jogador, com um toque sob a bola, a faz realizar uma parábola, subindo e depois caindo, geralmente no centro do gol. É um chute sutil, sem força.
Como o goleiro costuma escolher um canto e saltar para tentar fazer a defesa, ele acaba sendo enganado por essa estratégia. Quando funciona, mais do que ser ludibriado, o guarda-redes é humilhado.
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Pois a intenção do chutador ao ousar é, sim, humilhar o adversário, já não bastasse a posição inglória que lhe é atribuída nas partidas: evitar o gol é obrigação; quando falha, é tachado de frangueiro, torna-se malquisto, só não é chamado de Barbosa porque a maioria hoje não sabe quem é Barbosa –o goleiro do Brasil na Copa de 1950.
Agora, quando não funciona, o batedor do pênalti fica em maus lençóis, principalmente se desperdiçar a cobrança diante da própria torcida.
Foi o que aconteceu com o atacante Yuri Alberto, do Corinthians, na partida contra o Flamengo no domingo (28), pelo Campeonato Brasileiro.
Com o placar em 0 a 0 em Itaquera, Yuri quis fazer a graça diante do goleiro argentino Rossi. Pegou muito mal na bola, e a cavadinha caiu nas mãos do camisa 1 rubro-negro, que tinha saltado para a direita.
A cavadinha foi tão fraca que Rossi agarrou a bola mesmo estando sentado. Ao levantar-se, ainda deu um grito na direção do 9 corintiano, que estava próximo a ele, suponho do tipo: “Comigo não!”.
Yuri ainda se redimiu ao, no segundo tempo, fazer um belo gol e ir festejar nos braços da torcida. Amainou a raiva dos fãs, mas o Flamengo virou a partida e ganhou por 2 a 1. No fim, o erro de Yuri na cavadinha mostrou-se determinante para o revés alvinegro.
Não foi a primeira vez que um corintiano desperdiçou pênalti ao tentar a cavadinha.
Também no Brasileiro deste ano, o holandês Memphis Depay errou contra o Mirassol. O goleiro Walter ficou no meio do gol e defendeu. Na Copa de Brasil de 2013, em disputa de pênaltis diante do Grêmio nas quartas de final, Alexandre Pato chutou como Yuri agora, e Dida (aquele mesmo, titular do Brasil na Copa do Mundo de 2006) pegou. Corinthians eliminado.
A diferença é que Memphis e Pato tentaram a cavadinha fracassada em jogos fora de casa, não diante da Fiel. Que ficou louca, no mau sentido, com Yuri.
Houve cavadinhas em pênaltis que deram certo e ficaram famosas, como a do uruguaio “Loco” Abreu na disputa de pênaltis contra Gana nas quartas de final da Copa do Mundo de 2010 e a de Zinédine Zidane na final da Copa de 2006 diante da Itália –o craque francês contou com a ajuda do travessão nessa.
Travessão que foi inimigo de Messi na Copa América do ano passado, nos EUA, em Argentina x Equador. Na disputa de pênaltis nas quartas de final, a cavadinha deu errado. Felizmente para o supercraque, a Argentina avançou.
Quase não há estudos comparativos de cobranças de pênalti. Um dos raros, realizado por Mikael Jamil, Perry Littman e Marco Beato, da Universidade de Suffolk (Inglaterra), analisou 1.716 cobranças de pênaltis em quatro ligas europeias (Premier League, La Liga, Bundesliga e Série A) de 2015 a 2019.
O resultado mostra que a taxa de acertos da cavadinha, conforme análise de outro pesquisador (Ignacio Palacios-Huerta, da Escola de Economia e Ciência Política de Londres), fica até 5 pontos percentuais abaixo da das penalidades batidas com chutes fortes ou colocados.
Assim, não parece ser bom negócio optar pelo pênalti com cavadinha. Ela é surpreendente? Sim. É prescindível? Totalmente.
Sou conservador nesse ponto: pênalti é coisa séria, e o batedor tem que minimizar ao máximo o risco de desperdício. Como? Escolhendo um canto e batendo com foco, força e firmeza. Dificilmente errará.
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Folha de S.Paulo