Nascida e criada na comunidade da Nova Holanda, no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, Rebeca Lima se sagrou campeã mundial de boxe no mês passado, em Liverpool, na Inglaterra.
No caminho até o título da categoria até 60 kg, deixou para trás as duas únicas adversárias que a haviam derrotado na atual temporada. Nas semifinais, venceu a cazaque Viktoriya Grafeyeva, que a superara na final da etapa da Copa do Mundo de boxe em Astana, no Cazaquistão, em julho. Na decisão, passou pela polonesa Aneta Rygielska, que a derrubara na primeira rodada da etapa da Copa do Mundo de Foz do Iguaçu, em abril.
Segundo a atleta de 25 anos, pequenos acertos durante sua preparação para o Mundial foram fundamentais.
“Eu sabia que era questão de fazer alguns ajustes, porque nenhuma das lutas tinha sido um baile em cima de mim. Em algum momento me desconcentrei, e elas souberam aproveitar a oportunidade, desempenharam de maneira melhor do que eu naquele momento. Sabia que, se ajustasse o que precisava ajustar, conseguiria [vencê-las]”, afirmou a boxeadora à Folha.
Esses ajustes, segundo ela, foram em aspectos técnicos no ringue e também ligados à preparação mental. A ideia era manter a concentração durante toda a disputa.
“São muitos gatilhos que acontecem durante o combate. Foram não só questões técnicas e táticas ali do momento mas muito também psicológicas para guiar esse técnico e tático. Em algum momento, alguma coisa me desconcentrou [nas lutas anteriores]. A gente tentou repetir a mesma situação durante o treino para ver se esse gatilho se apresentava de novo, para tentar lidar de outro jeito”, explicou a boxeadora.
Ela afirmou que até a respiração durante a luta pode ser um fator decisivo para definir quem terá a mão levantada pelo juiz ao fim do combate.
“Quando você está respirando bem, oxigenando todos os tecidos do seu corpo, seu cérebro está recebendo a quantidade mínima necessária para você ter um pensamento claro durante o combate. Então, durante o treino, o ajuste é esse: ‘Calma, respira, inicia o jogo e pensa para fazer de maneira melhor, para enxergar o momento certo de aproveitar a oportunidade’.”
Primeira brasileira a subir ao pódio no Mundial juvenil da modalidade, em 2018, quando conquistou o bronze, na Hungria, Rebeca afirmou que a conquista do Mundial adulto, sete anos depois, não a surpreendeu.
“Trabalhei para isso e já saí do Brasil com essa verdade de que eu chegaria lá”, disse. “A gente trabalhou muito. Nenhuma conquista foi do nada, nenhuma conquista foi uma surpresa para ninguém.”
Ela acrescentou que, assim que o duelo final em Liverpool terminou, teve uma conversa mental consigo mesma. “Sabe quando você faz um aviso para alguém, e acontece o que você falou? Aí você fala: ‘Eu não te falei?’. Foi isso, eu falei para mim mesma: ‘Ainda bem que você acreditou, porque eu falei que daria certo’.”
O plano agora é permanecer no boxe amador nos próximos anos e estrear nos Jogos Olímpicos, em 2028, em Los Angeles. “Tudo o que a gente faz hoje é pensando lá, em Los Angeles”, disse a boxeadora.
Lutando na mesma categoria da medalhista olímpica e campeã mundial Beatriz Ferreira (peso-pena, até 60 kg), Rebeca afirmou sentir-se lisonjeada pelas comparações entre as duas, mas ressaltou que as trajetórias de ambas até os títulos são bastante diferentes.
“Acho incrível compararem as nossas características, mas acho errado compararem as nossas histórias”, afirmou a pugilista, que começou no esporte aos sete anos de idade por meio do projeto social Luta pela Paz, na Maré.
Ela disse ainda que mantém uma relação de parceria com Beatriz Ferreira, com treinos e conversas constantes para aprimorar aspectos da luta.
Rebeca participou do programa “Vivência Olímpica”, do COB (Comitê Olímpico do Brasil), viajando a Paris no ano passado para treinar e conviver com os atletas que disputaram os Jogos na capital francesa.
“Uma história engrandece a outra, mas nenhuma é igual à outra. A gente tem características parecidas, mas somos bem diferentes. Temos quase a mesma altura, mas a Bia tem uma envergadura que é o dobro da minha. Então, são maneiras e estilos de boxe diferentes”, afirmou a carioca.
Folha de S.Paulo