Dailon Livramento estava caído no chão. Pico Lopes procurava seu pai na multidão. Stopira estava abraçando todos. Steven Moreira não sabia o que fazer consigo mesmo.
“No momento, acho que não sei como me sinto”, disse Moreira, defensor do Columbus Crew, com um enorme sorriso no rosto que sugeria que logo descobriria.
Mas é difícil saber como se sentir quando você acabou de ajudar seu país a se classificar para a Copa do Mundo pela primeira vez. Particularmente quando você é a segunda menor nação, depois da Islândia, a chegar ao maior evento esportivo do planeta.
Cabo Verde, um conjunto de dez ilhas na costa oeste da África com uma população de cerca de 525 mil habitantes, fez algo improvável.
Precisava de uma vitória em seu último jogo de qualificação contra Eswatini para concluir o trabalho e liderar um grupo que incluía Camarões, uma equipe que esteve em 8 das últimas 11 Copas do Mundo.
Oficialmente, havia cerca de 15 mil pessoas dentro do estádio. Mas, considerando como os corredores e as passagens estavam lotados, o número real provavelmente era maior. Os ingressos eram difíceis de conseguir, vendidos principalmente em postos de gasolina e pastelarias em Praia, a capital. Alguns estavam disponíveis online, especificamente para aqueles na diáspora, mas muitos desses acabaram nas mãos de parentes em Cabo Verde. Independentemente de onde compraram seus ingressos, eles estavam tensos durante um primeiro tempo sem gols: será que a grande chance estava escapando?
Toda essa tensão se dissipou três minutos após o intervalo, quando Livramento forçou a entrada de uma bola solta, momento em que todos no estádio perderam a cabeça. Eles mal estavam recuperando os sentidos seis minutos depois, quando Willy Semedo marcou o segundo gol.
Nos acréscimos, as festividades foram coroadas perfeitamente quando Stopira, 37 —que se aposentou há alguns anos, mas retornou para essa campanha— forçou um terceiro gol. Os membros da equipe comemoraram com ele como se tivessem marcado o gol eles mesmos. “Precisávamos dele, então ele voltou, nos deu boas vibrações, boa energia”, disse Moreira.
Zito de Pina viajou para Praia vindo de Boston para ver a grande partida. Massachusetts abriga uma grande população cabo-verdiana, e De Pina administra um site dedicado às façanhas esportivas do país, o Criolo Sports. Ele calcula que havia 50 pessoas em seu voo que também estavam fazendo a peregrinação. “Eu tinha que estar aqui para isso”, disse.
Outro torcedor chamado Ulysses colocou a qualificação para a Copa do Mundo em perspectiva: “Seria a maior coisa que já aconteceu em Cabo Verde”. No esporte? “Em tudo!”
O sucesso de Cabo Verde não aconteceu por acidente.
Há alguns anos, a federação de futebol do país fez um esforço concentrado para aproveitar ao máximo sua diáspora. Houve uma migração generalizada das ilhas nas décadas de 1960 e 1970, antes de obter independência de Portugal, o que significa que existem pequenos cantos de Cabo Verde em todo o mundo.
É desses cantos que surgiu uma equipe de futebol. O elenco para o jogo contra Eswatini contava com jogadores nascidos em Portugal, França, Irlanda e Holanda, além de Cabo Verde. Os 25 jogadores exercem a profissão em clubes de 15 países diferentes.
“Mudamos muito”, disse Rui Costa, diretor técnico de Cabo Verde.
“Os sub-17 estão indo bem; a equipe feminina pode se classificar para a CNA”, disse ele, referindo-se à Copa das Nações Africanas. “Temos uma filosofia de jogo agora. O próximo passo é trazer jovens jogadores. Todo o mundo quer jogar por Cabo Verde agora.”
A equipe masculina se classificou para a Copa das Nações Africanas quatro vezes, chegando às quartas de final da última edição na Costa do Marfim, embora não tenha se classificado para a edição deste ano no Marrocos. Mas o progresso é claro: no início do século, Cabo Verde estava classificado em 182º lugar no mundo; agora é o 70º e já chegou a ser o 27º.
O dinheiro da Fifa ajudou, permitindo a modernização das instalações, e o investimento da China auxiliou a construção do estádio nacional, local do triunfo sobre Eswatini.
Cabo Verde esteve perto de garantir a classificação uma semana antes, em uma partida contra a Líbia em Trípoli que terminou em um empate de 3 a 3. Mas fazê-lo em qualquer lugar que não fosse em casa teria parecido errado.
Na sede da Federação Cabo-verdiana de Futebol, ao lado de fotos de equipes de anos passados, há uma vitrine mostrando os principais artefatos da história da seleção nacional. Um dos itens mais proeminentes é um flâmula de um amistoso que disputou contra a Geórgia no início deste ano. Provavelmente haverá algumas lembranças um pouco mais glamorosas nesse armário em breve.
“É para o povo”, disse Moreira. “Eles têm acompanhado a equipe por muito tempo. Estou muito orgulhoso de fazer história para eles.”
Folha de S.Paulo