Com uma vitória por 3 a 0 sobre o Independiente Rivadavia na noite de domingo (17), em Mendoza, o Boca Juniors encerrou o maior jejum de vitórias de sua história de 120 anos. O resultado deu algum fôlego ao presidente do clube, o velho ídolo Juan Román Riquelme, mas ele continua sob pressão.
Até o triunfo do fim de semana, o Boca vinha em uma seca de quase quatro meses. O triunfo anterior havia ocorrido no dia 19 de abril —quando Francisco ainda era o Papa—, contra o Estudiantes, em La Bombonera, em Buenos Aires.
Na sequência, foram 12 jogos sem vencer, com cinco derrotas e sete empates. A série superou o recorde negativo anterior de dez jogos sem vitórias, registrado duas vezes, em 1957 e 2021.
O momento difícil vivido pela equipe dentro de campo, com desclassificações precoces nos principais torneios disputados, alimentou uma grave crise.
Jogadores se tornaram alvo de críticas da torcida e entraram em rota de colisão com a comissão técnica, enquanto dirigentes próximos a Riquelme deixaram o clube, em resposta às cobranças dos torcedores.
O calvário começou com uma derrota para o maior rival, no dia 27 de abril, quando o River Plate fez 2 a 1 no Superclássico, no Monumental de Núñez.
A derrota resultou na queda do treinador Fernando Gago, que já vinha ameaçado desde a desclassificação para o Alianza Lima, na fase preliminar da Copa Libertadores.
No Torneio Apertura, o Campeonato Argentino do primeiro semestre, a equipe foi eliminada nas quartas de final, contra o Independiente, em plena Bombonera.
“Que se vão todos, que não fique nenhum”, gritavam os torcedores. Entre os principais alvos estavam o atacante uruguaio Edinson Cavani e o meia espanhol Ander Herrera, contratações caras que desfalcaram a equipe por lesão durante o torneio e não tiveram grande atuação quando entraram em campo.
Para a sequência da temporada, a poucos dias do início da Copa do Mundo de Clubes, foi anunciado o retorno de Miguel Ángel Russo, técnico na campanha da última conquista da Libertadores, em 2007.
O time chegou a dar sinais animadores à torcida na estreia, ao abrir 2 a 0 contra o Benfica, mas viu os argentinos Di María e Otamendi empatarem. Veio na sequência uma derrota para o Bayern de Munique.
Precisando vencer para manter as chances de classificação, o Boca não conseguiu sair do empate contra o time semiamador do Auckland City.
O gol da equipe da Oceania foi marcado por Christian Gray, zagueiro que concilia a carreira futebolística com o trabalho de professor de educação física na Nova Zelândia.
A melancólica eliminação provocou nova onda de críticas de torcedores e imprensa na volta à Argentina. “Vergonhoso, não aprendem a lição”, estampou o jornal argentino Olé.
Na tentativa de acalmar os ânimos, o clube anunciou mais um nome experiente para reforçar o plantel, com o retorno do volante Leandro Paredes, 31, revelado nas categorias de base do Boca e campeão do mundo no Qatar com a seleção argentina.
Tendo faturado cerca de US$ 17,2 milhões (R$ 93,1 milhões) pela participação no Mundial nos Estados Unidos, e com um orçamento que prevê US$ 131 milhões (R$ 712 milhões) em receitas, o Boca gastou aproximadamente US$ 9,4 milhões (R$ 51 milhões) em reforços na última janela de transferência, encerrada no fim de julho.
O zagueiro Marco Pellegrino, que pertencia ao Milan, mas estava emprestado ao Huracán, e Paredes, que estava na Roma, foram as contratações mais caras, custando US$ 4,1 milhões (R$ 22,2 milhões) e US$ 3,5 milhões (R$ 19 milhões), respectivamente.
A situação, contudo, continuou deteriorando-se.
Na Copa da Argentina, a equipe amargou nova eliminação nas oitavas de final, contra o modesto Atlético Tucumán. Emendou em seguida mais uma derrota, para o Huracán, pelo Clausura, o Argentino do segundo semestre.
Aos resultados ruins dentro de campo, somaram-se problemas nos vestiários.
Ex-capitão do time, o zagueiro Marcos Rojo se desentendeu com a comissão técnica por ser pouco aproveitado e rescindiu seu contrato.
Fora dos planos, o zagueiro Cristian Lema e o lateral esquerdo Marcelo Saracchi foram afastados e passaram a treinar separadamente do restante do elenco.
“Chegou a hora de mudar algumas coisas. Teremos que encontrar uma maneira de contornar isso, trabalhar duro e tentar melhorar”, afirmou o treinador.
Na partida contra o Racing, que estendeu a série negativa a 12 jogos sem vitória, nova polêmica.
Sem gols na primeira etapa, o treinador decidiu, para a volta do intervalo, pela troca do atacante Miguel Merentiel por Milton Giménez. Mesmo assim, Merentiel entrou no gramado para a etapa complementar —segundo uma versão, desavisado; segundo outra, em gesto deliberado para deixar o treinador contra a torcida.
Notificado de que não continuaria no jogo, o jogador saiu inconformado rumo ao vestiário, onde estendeu seu ataque de fúria contra as vidraças de uma porta.
No segundo tempo, foi o Racing quem abriu o placar. O gol de empate saiu apenas aos 43, com Milton Giménez. Riquelme foi visto nos camarotes da Bombonera celebrando efusivamente o gol de empate.
“Raramente Riquelme viu uma versão tão apaixonada de si mesmo. Muitos torcedores do Boca recorreram às redes sociais para destacar a curiosa situação. Em alguns casos, com duras críticas”, apontou o jornal La Nacion.
Pressionado no cargo de presidente, o ex-camisa 10 acabou no início do mês com o “conselho de futebol” do clube. O grupo havia sido criado no fim de 2019 e era formado por ex-jogadores próximos a ele, fazendo a ponte entre o elenco e a diretoria.
Com a vitória contra o Independiente Rivadavia, o Boca saiu da lanterna de seu grupo no Clausura e assumiu a décima colocação, dando a Riquelme alguma tranquilidade, ainda que momentânea.
“Este grupo mereceu, e era importante dar um motivo para a torcida comemorar”, disse o capitão Leandro Paredes.
Apenas com o Clausura ainda em disputa durante o segundo semestre, o Boca terá seu próximo compromisso no domingo (24), contra o Banfield, na Bombonera.
Se o time voltar a tropeçar, Riquelme será novamente cobrado para promover mudanças na comissão técnica.
Nomes com passagem recente pelo futebol brasileiro, como Luis Zubeldía e Gustavo Quinteros, são apontados como possíveis substitutos no caso de demissão de Russo.
Folha de S.Paulo