Quem está pensando que caminhar, escalaminhar e correr não têm nada a ver com o universo dos carnavalescos, é porque nunca teve que percorrer os aparentemente intermináveis percursos dos blocos e escolas de samba mais tradicionais, se empoleirar em um carro alegórico sem estragar a fantasia, nem acelerar o passo para evitar que a escola perca pontos. E, sim, esta semana vamos falar de bateção de pernas muito especial: a dos carnavais em todo o país.
Começando pelas mais óbvias passarelas do samba, também os trajetos mais curtos (mas não menos exigentes) da folia, temos em São Paulo a Passarela Adoniran Barbosa, mais conhecida como o sambódromo do Anhembi. Tem apenas 530 metros de comprimento, tudo bem —mas o amigo já pensou em percorrer essa distância com uma sandália salto 15, saracoteando (não me peçam para dizer sambando, pelamor) sem perder o ritmo e de olho no cronômetro que ameaça punir a escola se a pessoa se distrair e atrasar a evolução que conta um máximo de 65 minutos para cruzar inteirinha a linha de chegada? Melhor não.
O mesmo vale para a mundialmente conhecida Passarela Darcy Ribeiro, vulgo sambódromo do Rio de Janeiro, maravilha projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer que recebe em seus 700 metros de comprimento um mínimo de 2.500 componentes por agremiação e que, pela grandiosidade de suas escolas, dá uns minutinhos a mais, 80 no máximo, para mostrar seu enredo da linha inicial até a de chegada. É sufoco que chama? Com certeza.
Mas, como nem só de sambódromos se faz o carnaval, e é cada vez maior a adesão dos foliões (gente, eu jurei que não ia escrever essa palavra, mas fazer o quê…) aos bloquinhos de rua, que de bloquinhos, por sinal, há tempo não têm mais nada, tendo se transformado em gigantescas filas de gente tomando as ruas das cidades.
Nessa categoria, é essencial começar citando o bloco que figura no Livro Guinness dos Recordes, o pernambucano Galo da Madrugada, que carrega ao longo de 6,5 quilômetros, do Forte das Cinco Pontas até a rua do Sol, em Recife, mais de 2,5 milhões de pessoas. Se todos conseguem dançar é um mistério, a coisa está mais para happening no comecinho da manhã de sábado de carnaval, mas quem seguir o percurso inteiro vai pagar a cota de caminhada do dia, vai. Sigamos.
Em Salvador, é a vez de percorrer o chamado Circuito Dodô, cerca de 4,5 quilômetros que vão da praia da Barra até a de Ondina. Lá, a briga é boa para saber quem carrega mais gente, mas consta, em tese, que o maior bloco seria o Camaleão, que junta de 3.500 a 5.000 pessoas a cada dia —só que sai três dias em cada Carnaval. E isso é só a contabilidade de quem comprou o famoso abadá, a camiseta que permite ao cidadão quicar dentro do perímetro de uma corda carregada ao longo de todo o percurso, que no caso desse bloco, o mais caro da capital baiana, custa de R$ 1.490 a R$ 1.990 o dia. Nesse valor, a organização anuncia que oferece estrutura de segurança completa nos limites da corda, banheiros masculinos e femininos no carro de apoio, bar, lanchonete e atendimento médico para quem passar da conta na birita. Quem não estiver a fim de pagar pode seguir o trio elétrico do lado de fora da corda, na chamada pipoca, e ser feliz do mesmo jeito, vá lá, sem mordomias.
Dali partimos de volta ao Rio de Janeiro, onde o bloco Cordão da Bola Preta, mais antiga agremiação da cidade, fundada em 1918, garante que já superou o Galo pernambucano, tendo reunido mais de 2,5 milhões de (de novo…) foliões, mas ficou devendo comprovação ao Guinness, paciência. A multidão percorre 1.800 metros da avenida Rio Branco, no centro da cidade, sem cobrança de abadá e evocando os tempos de seu nascimento, no bairro da Lapa, quando aquilo ainda não era a muvuca hypada de hoje, mas zona de boêmia à moda antiga e malandra.
E voltamos a São Paulo, cidade onde por lei a cobrança de abadás e delimitação de áreas vip é proibida, e na qual o campeão de multidões é o Acadêmicos do Baixo Augusta, que desce a rua da Consolação, de apenas 2,4 quilômetros, saindo da esquina da avenida Paulista e chegando até a esquina da Xavier de Toledo. Este ano, eles dizem que vão ter pelo menos 1 milhão de seguidores concentrados nesse trajeto —e, vale lembrar, ninguém paga nada para seguir o trio. Se alguém conseguir evoluir a mais de 1 quilômetro por hora nessa conta que, tá, melhor não fazer, ganha um sanduíche de pernil no bar do Estadão, logo ali na esquina da dispersão.
E então, qual vai ser sua rota neste Carnaval? Não precisa nem arrumar a mochila. Bora lá!
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Folha de S.Paulo