Enquanto rendia homenagens a um de seus torcedores mais ilustres —o papa Francisco, fanático pelo time e que morreu há duas semanas—, o San Lorenzo de Almagro tem enfrentado dias de calvário.
O clube argentino de futebol foi sacudido nas últimas semanas, quando veio a público um par de vídeos em que o presidente (agora afastado), Marcelo Moretti, é visto recebendo US$ 25 mil (R$ 141 mil), supostamente uma propina para aceitar um jogador na equipe juvenil.
Na primeira gravação, em que é filmado recebendo um bolo de US$ 20 mil (R$ 113 mil), Moretti pergunta a uma mulher “como está o garoto” e ela lhe responde que ele está “desesperado para jogar”. No segundo registro, de uma outra reunião, o presidente teria recebido os US$ 5.000 (R$ 28 mil) restantes.
O material foi divulgado pelo jornalista Tomás Méndez, no programa Telenueve Denuncia (do canal 9), no último dia 21 de abril. A reportagem afirma que as reuniões ocorreram em maio de 2024.
Moretti nega que tenha recebido propina. Nas redes sociais e à TV argentina, ele afirmou que o dinheiro que aparece aceitando no vídeo é uma doação para o clube. Ele também diz ter sido alvo de extorsão e perseguição por opositores à sua gestão, que dura pouco mais de um ano. No mundo do esporte, passou-se a especular que ele renunciaria —o que até agora não ocorreu.
“Nunca vou renunciar, com tudo pelo que trabalhei, com tudo o que fiz no clube e todo o dinheiro que eu e o vice-presidente [Néstor Navarro] e as pessoas que nos acompanharam colocamos. É impossível, além de o San Lorenzo estar bem”, disse ele.
“Eles estão me extorquindo com esses vídeos há um ano, vou levar tudo à Justiça. Nunca recebi suborno, tem gente na política que quer me prejudicar”, afirmou o presidente do San Lorenzo.
Além das imagens, o programa de TV divulgou um áudio em que aparece a voz da empresária da cidade de La Plata (a 55 km de Buenos Aires) María José Scottini, que também foi pré-candidata à prefeita. Ela é mãe de um ex-jogador da divisão inferior.
“O que aconteceu foi o que Moretti disse, foi uma doação. Houve mais uma doação e haverá uma terceira nos próximos dias”, defendeu-se Scottini em entrevista ao canal de TV TyC Sports.
Segundo a empresária, quando seu filho foi jogar no San Lorenzo, ela e alguns conhecidos se juntaram para fazer as doações, pelas más condições em que se encontravam o campo e os vestiários. Ela afirmou que o filho treinou no ano passado e em 2025 deixou o clube, para estudar medicina.
“Comparecerei perante o tribunal ordinário e o tribunal de Ética e Disciplina do clube para provar minha absoluta inocência. Peço esta licença para que a Justiça possa investigar com absoluta tranquilidade e transparência. O San Lorenzo está acima de tudo e de todos”, disse Moretti em nota.
O Tribunal de Ética da AFA (a federação argentina de futebol) também iniciou investigações sobre o caso, e a organização exige que o conselho encontre um nome para comandá-lo.
A crise chegou ao vice-presidente, Navarro, um poderoso empresário do setor de carnes que vive no Uruguai e que declarou no fim de semana não ter intenção de assumir o comando —sua presença na chapa seria pelo apoio econômico que deu à campanha de Moretti.
O conselho do San Lorenzo é chefiado por Julio Lopardo, que foi vice-presidente de 1995 a 1998, que é um dos favoritos para assumir o comando da equipe.
A falta de condução tem afetado a atividade administrativa, com fornecedores reclamando de falta de pagamento e a impossibilidade de fazer movimentações bancárias sem a assinatura de Moretti.
Para evitar que o escândalo afete também o desempenho em campo, o diretor esportivo, Carlos Sánchez, reuniu jogadores e comissão técnica, e pediu foco no torneio Apertura 2025, que dá o chute inicial no calendário da primeira divisão do Campeonato Argentino. No próximo sábado (10), o San Lorenzo enfrenta o Tigre.
O escândalo ocorreu em meio ao luto dos torcedores pela morte do papa Francisco, que tinha uma profunda ligação com o time do Baixo Flores. Os jogadores prestaram uma homenagem ao pontífice no último dia 26, no primeiro jogo após a sua morte, quando enfrentaram o Rosario Central usando uma camisa com a imagem de Bergoglio e uma faixa com a frase “juntos pela eternidade”.
O religioso cresceu perto de onde fica o estádio do San Lorenzo e não escondia a paixão pelo clube, do qual era o sócio nº 88.235.
Folha de S.Paulo