Após baque, Calderano vê Paris como experiência positiva – 18/09/2024 – Esporte


Hugo Calderano, 28, teve um resultado expressivo nos Jogos Olímpicos de Paris, com um inédito quarto lugar para um atleta da América Latina no tênis de mesa, esporte dominado por asiáticos, especialmente chineses. Mas terminou sua boa participação no megaevento com duas duras derrotas, que o deixaram sem medalha.

O carioca sentiu o baque na França, porém pôde celebrar que novamente subiu degraus, sempre em progressão desde sua primeira participação no megaevento, no Rio de Janeiro, em 2016. Ele prefere olhar para a frente, com calma, “senão a gasolina acaba antes de Los Angeles”, como afirmou, referindo-se aos Jogos de 2028.

Sempre sorridente Calderano ofereceu respostas longas, quase dobrou o tempo de entrevista previsto na conversa com a Folha e compartilhou um pouco mais do que pensa da vida, do esporte e dos planos de uma carreira longa, competindo sempre entre os melhores.

“Acho que não posso me deixar ficar feliz só quando a vitória vem. É claro que no momento da derrota eu sofri bastante, mas ao mesmo tempo curti muito todos os momentos dos Jogos. Eu acho que isso é muito importante para a minha vida em geral, até para conseguir ter uma carreira mais longa. Se eu conseguir só saborear os momentos de vitória, eu acho que eu acabarei abandonando o esporte mais cedo”, disse.

O mesatenista tirou um mês de férias com a família antes de voltar às atividades regulares da vida de atleta. Ele já tem uma agenda de jogos para a sequência do ano, a fim de manter o terceiro lugar do ranking mundial —também a melhor posição de um brasileiro na história.

Como foi que você se interessou especificamente pelo tênis de mesa, já que teve muitas opções? Eu comecei a praticar tênis de mesa com oito anos. Meu objetivo era mais fazer um esporte, tentar me divertir. Eu praticava vôlei também, ao mesmo tempo. Mas no tênis de mesa, desde cedo, participava de competições, primeiro estaduais, depois fui participar de competições nacionais, campeonatos brasileiros, fui tendo bons resultados.

Com três anos de treino, fui disputar o meu primeiro campeonato latino-americano na categoria mirim. Então, tudo foi acontecendo bem rapidamente. Eu gostava bastante do tênis de mesa. É um jogo bem dinâmico, bem difícil. Você tem que usar bastante a cabeça e o corpo também. Acho que isso me chamou bastante a atenção. O fato de ser um esporte individual também me puxou mais para esse esporte.

Você falou da cabeça e do corpo e faz questão de estabelecer uma relação interessante entre esses elementos. Como organiza isso? Eu não estudo, assim, não faço faculdade, nem nada. Eu uso o meu cérebro de outras formas. Aprendendo idiomas, ou jogando xadrez, fazendo o negócio do cubo mágico, uma coisa nova aqui, uma coisa nova ali. Mas eu acho que no próprio esporte uso bastante o cérebro. O tênis de mesa, entre todas essas coisas, talvez seja uma das mais bonitas. Cada ponto é um enigma, e cabe a mim tentar resolver as dificuldades dele repetidamente, além de solucionar os problemas que todo atleta tem no dia a dia.

Às vezes, as coisas não estão dando certo. O calendário está muito complicado. Tem que tomar várias decisões. Saber o que é melhor para mim em determinado momento participar ou não de tal competição, ao mesmo tempo tenho que pensar também em como continuar evoluindo, como eu vou treinar na semana, como me preparar da melhor forma para a próxima competição e também pensar no longo prazo, em como me preparar para os campeonatos mundiais e Jogos Olímpicos.

Sua relação com o esporte tem muito a ver com seus pais, não é? O esporte sempre esteve presente na minha vida desde muito pequeno. Gostava de praticar qualquer esporte que tivesse uma bola e de participar de corridas. Fiz algumas corridas de rua. Meus pais sempre me estimularam muito a praticar vários esportes. Então, acho que desde cedo eu desenvolvi uma boa coordenação motora, acho que isso me ajudou bastante.

Você fala sete idiomas. Isso lhe dá alguma vantagem, para entender o que estão dizendo seus adversários? Muitas vezes eu consigo entender o que os meus adversários estão falando, o que o técnico está falando para eles. Tênis de mesa é um esporte em que se fala muito pouco, é um esporte individual, você está ali concentrado, o técnico interfere muito pouco, até porque até alguns anos atrás era proibido o técnico falar com o atleta durante o set, então ele tinha que ficar só encorajando mesmo, dando uma força.

Já teve algumas vezes em que eu ouvi por exemplo um técnico chinês falando alguma coisa para o atleta dele que eu entendi, mas geralmente eles estão incentivando mesmo: “Ah não, tá bom, tá bom, continua, segue assim”. Já aconteceu também jogando contra alemães ou contra franceses que eu entendi. Acho que dá uma pequena vantagem. Claro que não é isso o que vai me fazer ganhar a partida, mas é sempre bom saber o que está passando na mente dos adversários.

Você viveu três Olimpíadas bem distintas: no Rio, em 2016, em casa, em Tóquio, em 2021, sem torcida, e e agora em Paris, novamente com torcida e muito barulho de redes sociais. Como foi vivenciar esses momentos e alcançar um resultado melhor a cada edição? É sempre uma experiência incrível jogar nas Olimpíadas. As três foram muito diferentes por esses fatores e também por outras coisas. A Rio foi a minha primeira, jogando em casa. Então, independentemente do resultado, seria uma experiência incrível que eu guardaria para o resto da minha vida, e consegui jogar o meu melhor. Ganhei de dois adversários acima de mim no ranking mundial. Tive várias emoções jogando com toda a torcida e disputando a minha primeira edição olímpica. Foi fantástico chegar às oitavas de final também logo de cara, sendo que na época eu não era nem do top 50.

Depois, em Tóquio, já cheguei como um candidato à medalha, né? Poderia estar ali brigando, estava no top 10. E também joguei o meu melhor nível, realmente nas quartas de final, que foi já a melhor campanha da história do nosso continente, foi um grande resultado e ali nas quartas perdi para um adversário que foi realmente melhor, estava um nível acima de mim. Tive boas chances de passar para a semifinal. Pesou um pouco essa questão de jogar sem torcida, não no resultado em si, mas na experiência.

Foi muito legal também voltar depois para as Olimpíadas de Paris depois da pandemia, com o ginásio lotado em todas as sessões, muita gente torcendo, muita gente acompanhando de casa, acompanhando toda a minha campanha. Chego com essa mentalidade de me divertir. É claro que é muito difícil você conseguir uma medalha olímpica, então, como falei, acho que eu não posso me deixar ficar feliz só quando a vitória vem. Adorei a experiência e também fiquei muito feliz de ver tanta gente acompanhando o tênis de mesa no ginásio e de casa no Brasil.

Parecia que você estava no caminho da medalha, o que acabou não acontecendo. O que houve na semifinal e na disputa do bronze? Eu nunca me vi acima dos meus adversários, né? Eu sempre soube o nível e o potencial deles. O sueco [Truls] Moregard já foi vice-campeão mundial, foi terceiro do ranking mundial. Eu acho que realmente só quem está no circuito todos os dias competindo com esses caras sabe realmente a dificuldade de conseguir ganhar sempre contra esse tipo de jogador. Não foi à toa que ele eliminou o primeiro do ranking mundial. É claro que eu tinha boas chances também de ganhar essa partida e tive chances durante o jogo também, mas, simplesmente, acho que ele fez um jogo muito bom.

Acho que ele cresceu bastante depois do primeiro set. Foi uma situação em que as coisas não foram para o meu lado. Um ponto ali poderia ter feito uma diferença, e eu sairia ganhando por 1 a 0 [Calderano abriu 10 a 4 na primeira parcial, mas acabou levando 12 a 10 e perdendo o jogo por 4 sets a 2]. Claro que não dá para saber qual seria o resultado depois do jogo. Mas muitas vezes esse tipo de jogo é decidido em um detalhe assim. E as coisas foram para o lado dele. Acho que fiz o meu melhor ali naquela partida. Mas acho que principalmente méritos para ele por ter conseguido jogar dessa forma nesse jogo agressivo na recepção e com poucos erros.

Na decisão do bronze, o Félix [Lebrun, francês] é um jogador de altíssimo nível, e chegou como cabeça de chave número três, eu era o cabeça de chave número quatro. A gente tinha jogado algumas vezes antes, e realmente, se você olhar os últimos dois anos dele, raramente ele perdeu um jogo sem ser contra atletas chineses. Ele mostrou que estava em um nível muito alto [e dominou a partida, em vitória por 4 sets a 0]. Eu acho que para mim foi bem difícil me recuperar da derrota na semifinal.

Até consegui voltar mentalmente, estava pronto, mas o meu corpo não acompanhou a energia que eu precisava ter naquele momento. Estava bem focado, com bastante vontade, mas, depois da semifinal, a energia baixou bastante, e o meu corpo não estava respondendo à minha cabeça. E desde o início não consegui achar o ritmo no jogo. Claro que eu gostaria bastante que tivesse sido diferente, mas ao mesmo tempo também não adianta muito agora ficar pensando no que poderia ter feito naqueles momentos, é só aprender para o futuro e tentar fazer melhor.

Você saiu chorando da disputa do bronze, abatido. O choro já foi visto no esporte como sinal de fraqueza, hoje as emoções já são mais bem compreendidas, o choro é visto por vezes até como sinal de força. Como você sentiu aquele instante? É, acho que naquele momento foram simplesmente as minhas emoções. É muito difícil controlar. Eu acho que consegui controlar até sair do ginásio, mas sinceramente não parei para pensar nisso, e também não importa se é fraqueza, se é uma força, porque ali foi o que eu fiz e o que eu precisava fazer de qualquer jeito. Então, se algumas pessoas acham que não é bom ou que é bom, para mim não faz tanta diferença. Eu sou desse jeito, vou continuar sendo. Foram as minhas emoções, era importante deixar elas saírem para depois ficar mais tranquilo, assimilar tudo o que aconteceu. Não vejo isso como um grande acontecimento.

Como está a sua vida neste momento? Você teve um tempo para dar uma descansada, tocar violão, para jogar um xadrez? Eu consegui tirar quase um mês de férias, acho que foi muito importante para mim, porque não só depois das Olimpíadas, mas depois de vários anos, muito tempo focado nesse objetivo, o calendário muito cheio, correndo atrás de pontos no ranking mundial, atrás de competição… Então, foi bem importante para mim poder ter esse tempo mais tranquilo com a minha família. Agora ainda vou ter compromissos no final deste ano.

Vou levar tudo isso de uma forma bem tranquila nesta volta depois das Olimpíadas até para deixar a minha cabeça e o meu corpo respirarem um pouco mais. É importante também para não acabar não me matando sozinho. O ciclo é muito longo, a carreira é muito longa, então eu preciso também viver as coisas de uma forma um pouco mais tranquila neste primeiro momento, para depois voltar com a mesma intensidade de antes.

Você se tornou uma figura mais conhecida, com mais seguidores, mais exposição. Como viu essa mudança? Foi muito legal ver tanta gente torcendo por mim, pelo tênis de mesa brasileiro e para os atletas brasileiros em geral. Muita gente acompanhou as Olimpíadas de Paris, e isso ficou bem claro também nas redes sociais. É muito bom ver todo esse apoio dos brasileiros aos nossos atletas e com certeza toda essa cobertura é muito importante para isso.

Eu sempre falo que este é um dos meus grandes objetivos: popularizar o tênis de mesa no Brasil. Hoje eu vejo que tem muita criança querendo começar a praticar o tênis de mesa ou brincando de tênis de mesa na mesa de jantar, criando novas formas de jogar, de estar em contato com o nosso esporte, ou querendo acompanhar as próximas competições, querendo torcer pela gente.

As redes também alçaram você e a Bruna Takahashi, também da seleção brasileira de tênis de mesa, a “casal olímpico”, mas vocês são superdiscretos. Como foi lidar com isso? Nós focamos mais a nossa vida no esporte, o que podemos melhorar, mas claro que é legal ter uma companhia em todas as competições. E, sendo nós dois pessoas que expõem pouco a vida pessoal, foi engraçado ter tanta gente querendo saber um pouco mais de nós dois.

Ainda sobre as redes, durante os Jogos, muita gente repetiu a opinião de que um praticamente ocasional de tênis de mesa poderia encarar um profissional como vocês. E os jogos, claro, mostraram que isso seria impossível. Isso chegou até você? Eu vi uma pesquisa na Inglaterra, se não me engano, que demonstrava que muita gente achava que, se pudesse treinar um ano, chegaria às Olimpíadas em determinados esportes. Inclusive, tênis de mesa era um dos primeiros da lista.

Eu acho que as pessoas muitas vezes não têm tanta noção do tanto de esforço que você tem que fazer para chegar ao nível mais alto, em qualquer esporte. São tantas horas de dedicação, tanto tempo de treino, tempo pensando na sua profissão. É bem engraçado. Claro que há pessoas que, por outro lado, sabem que com certeza não teriam nenhuma chance nem de devolver um saque de um jogador mediano, muito menos jogar contra um dos melhores do mundo. Mas essas coisas são bem engraçadas. Acho que faz parte do esporte também.


Raio-X

Hugo Calderano, 28
Nascido no Rio de Janeiro, praticou múltiplos esportes na infância e na adolescência e escolheu o tênis de mesa. Ele vem ganhando espaço no circuito, ano a ano, e chegou ao posto de terceiro melhor do mundo. Na última edição dos Jogos Olímpicos, ficou em quarto lugar na disputa individual.



Folha de S.Paulo