Ancelotti chega à seleção brasileira sem nada a perder – 13/05/2025 – Esporte


O tortuoso caminho que levou Carlo Ancelotti à seleção brasileira lhe dá pouco tempo para arrumar a casa até a Copa do Mundo de 2026. Também estabelece um cenário singular, no qual o italiano de 65 anos tem muito mais a ganhar do que a perder.

Tivesse chegado logo após o Mundial do Qatar, no fim de 2022, ele teria se visto diante da responsabilidade de construir um time tijolo a tijolo, com prazo apropriado. Mas a CBF passou dois anos e meio mais preocupada com questões políticas e judiciais do que com projetos esportivos, e agora Ancelotti desembarca como candidato a salvador de uma pátria que nem é a sua.

Se a seleção fracassar, não terá sido culpa de Carletto –como ele é chamado por Falcão, seu companheiro nos tempos de jogador da Roma. Parece mesmo hercúlea a tarefa de levar ao título mundial uma equipe que teve três erráticos treinadores nos últimos 29 meses, entre interinos e quase isso, com apenas 50% de aproveitamento nas Eliminatórias.

Por outro lado, se a seleção triunfar, terá sido muito por causa de Ancelotti, que ampliará a sua mística. Uma mística construída com caretas, maleabilidade tática e capacidade notável de lidar com os jogadores, sejam eles jovens promissores, craques estabelecidos ou atletas medianos.

Na trajetória que o fez o treinador de clubes mais vitorioso do futebol europeu, Carlo viu quatro jogadores ganharem a Bola de Ouro sob suas asas. Um deles foi o brasileiro Kaká, que levou o prêmio em 2007, no Milan, e o considera o melhor técnico com que trabalhou.

Para ficar nos itens mais chamativos do currículo, Ancelotti é o único treinador com cinco títulos do maior campeonato de clubes do mundo –fora os dois como jogador do Milan– e também o único a ter triunfado nas cinco principais ligas nacionais europeias. Uma Copa do Mundo ruim, nas desfavoráveis condições que se apresentam, não diminuirá seu prestígio.

O italiano de Reggiolo, pela primeira vez, vai dirigir uma seleção. Trocará o dia a dia do clube de maior cobrança por resultados no mundo pelo Rio de Janeiro, com uma casa bancada pela CBF, talvez no Leblon, provavelmente na Barra da Tijuca, com R$ 5 milhões pingando a cada dia 5. Não que seja fácil o trabalho de um técnico sério de seleção, mas, com no máximo dois jogos por mês, as tarefas diárias serão bem diferentes das que ele teria em um time.

As primeiras partidas estão marcadas para junho, contra Equador e Paraguai. Será só o início, é verdade, mas essas são duas das quatro partidas restantes nas Eliminatórias. Depois, antes da Copa, haverá só amistosos. O prazo é curtíssimo.

Os embates em Guayaquil e São Paulo darão uma boa amostra do plano de Ancelotti, treinador que gosta de fazer o simples e de adaptar-se ao elenco, não forçar o contrário. Como o Brasil tem uma porção de atacantes velozes talentosos e nenhum grande meia, é de se esperar que ele aposte em um jogo rápido, de contra-ataques –com mais transição e menos construção, nos termos do futebolês moderno.

Foi sob direção do italiano, no Real Madrid, que o lépido Vinicius Junior se transformou em um dos melhores jogadores do mundo. O jovem de São Gonçalo será instado a ser protagonista, um papel que tem dificuldade de abraçar no time que era de Neymar desde 2010.

Pelo que consta, Ancelotti já conversou com Neymar informalmente, em ligação de vídeo. Ele sabe lidar com estrelas sem curvar-se a elas e é o primeiro técnico da seleção desde o Felipão versão 2002 com tamanho para encarar os grandes nomes.

Ancelotti, note-se, está chegando à seleção brasileira porque o Real Madrid o liberou, de olho no promissor Xabi Alonso. Mas é uma grife forte a ponto de ter quebrado uma barreira, tendo tornado-se o primeiro treinador estrangeiro permanente do time.

As experiências anteriores com estrangeiros, em 1925, 1944 e 1965, duraram, no máximo 19 dias. Poucos se lembram do uruguaio Ramón Platero, do português Joreca e do argentino Filpo Núñez na seleção.

Carlo Ancelotti tem a chance de ser lembrado. E não tem nada a perder.



Folha de S.Paulo