Altair Ramos, atingido por raio, aprova pausas no Mundial – 02/07/2025 – Esporte


As recorrentes paralisações dos jogos da Copa do Mundo de Clubes, determinadas por alertas de riscos meteorológicos, têm irritado torcedores e dividido a opinião pública internacional. Para o preparador físico Altair Ramos, 68, atingido por um raio durante treino do São Paulo em 1996, não há muito espaço para debate: o protocolo preventivo é apropriado e deveria ser adotado também nos eventos esportivos disputados no Brasil.

“Tem que trazer para cá, sim. Sendo bem discutido, sou a favor. São vidas que estão ali em perigo”, disse à Folha o profissional, que fez parte da comissão técnica do São Paulo bicampeão mundial de 1992 e 1993 e hoje é coordenador de performance das categorias de base tricolores.

Segundo ele, do ponto de vista da preparação física, as pausas não são prejudiciais. “O lado mental, sim, é muito preocupante. Os jogadores podem entrar menos concentrados, esquecer as orientações. Já na parte física, com um novo aquecimento, temos como fazer a reativação.”

Passados quase 30 anos do dia em que foi atingido pelo raio, Altair diz estar “com a saúde ótima”. Sobre aquela tarde de 28 de fevereiro, porém, tem pouco a dizer. Quando retomou a consciência, respirava por aparelhos, no hospital São Camilo, na zona oeste da capital paulista, sem memória do episódio.

Ele até hoje não se lembra de nada que ocorreu nas quatro horas que antecederam a descarga elétrica e no período que se seguiu até que abrisse os olhos na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). “Ouvi dizer que minha morte chegou a ser noticiada naquele dia.”

No momento em que foi atingido, Ramos sofreu uma parada cardiorrespiratória e caiu, rígido, envolto por fumaça. O raio entrou pelo lado esquerdo e saiu pela sua perna direita. No caminho, rasgou a camisa de treino e abriu uma fenda no tecido de um de seus tênis. O apito de metal e a corrente com a imagem de Nossa Senhora Aparecida sofreram derretimentos parciais.

Socorrido por jogadores –o zagueiro Sorlei e o atacante chileno Mendoza foram os responsáveis, respectivamente, pela respiração boca a boca e pela massagem cardíaca–, o preparador sobreviveu sem sequelas e teve recuperação rápida após a internação.

Como consequências iniciais, percebeu falta de equilíbrio e perda de tônus muscular. Três semanas de fisioterapia foram suficientes para resolver as limitações. Um mês depois, ele já estava no CT comandando os treinos físicos, algo considerado “um milagre” pela equipe médica responsável.

No retorno, passou a usar apitos de plástico. Os de metal, de alta condutividade elétrica, foram deixados de lado no futebol.

“Aquele meu era bonito, suíço. Tenho guardado até hoje. Depois do que aconteceu comigo, tudo mudou”, contou Altair, exibindo as outras peças de roupa que, após a customização forçada, transformaram-se em relíquias.

Hoje são mais rígidas as fiscalizações do SPDA (Sistema de Proteção de Descargas Atmosféricas). Pareceres antes duvidosos, assinados por qualquer engenheiro elétrico sem vínculo com o estádio vistoriado, deixaram de ser aceitos.

“Primeiro a CBF e depois até a Fifa passaram a olhar mais para a estrutura dos campos, verificar o número ideal de para-raios para cada área descampada. Vistorias anuais foram estabelecidas. Desfibriladores também são necessários caso aconteçam acidentes como o meu de novo”, disse Altair.

Os cuidados foram crescendo paulatinamente. Os desfibriladores só passaram de fato a ser exigidos após a morte súbita do zagueiro Serginho, do São Caetano, durante uma partida em 2004, no Morumbi.

A lei nº 14.597/2023, conhecida como Lei Geral do Esporte, estabelece a obrigatoriedade de uma ambulância para cada 10 mil torcedores presentes nos eventos. No estado de São Paulo, a lei nº 12.736/2007 trata da obrigatoriedade de desfibriladores em lugares com grande concentração de pessoas, como é o caso de estádios de futebol.

Para Ramos, as regras são importantes, porém apenas escrevê-las em um papel não é suficiente. “Tem de haver vistorias constantes. De nada vai adiantar um centro de treinamento com vários para-raios se metade deles não estiver funcionando”, observou.

O Brasil lidera o ranking mundial de incidências de raios. A média é de 78 milhões de descargas elétricas por ano, segundo análise dos dados consolidados das duas últimas décadas (2000-2019) realizada pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Uma a cada 50 mortes por raio no mundo ocorre no Brasil.

“Vai ter sempre alguém dizendo que a precaução é exagerada. Vão dizer que só ocorre uma morte a cada não sei quantos mil anos. Não importa. É uma família que vai ser destruída se isso acontecer”, disse Altair, que ainda tem voz para opinar e para orientar.

Ele hoje a usa com os jovens com que trabalha, no centro de treinamento das categorias de base do São Paulo, em Cotia. Ao falar dos garotos, emociona-se e mostra fôlego para cuidar pessoalmente da execução dos protocolos que ajudou a criar.

“Temos uma sirene lá em Cotia. A chuva nem bem começa, a gente a aciona para tirar todo o mundo dos nove campos que temos ali. Nós, comandantes, também já vamos lá para acelerar o processo e levar todos para a cobertura e para o vestiário. Nós lá cuidamos também dos sonhos daqueles meninos.”



Folha de S.Paulo