A notícia do acidente de um balão superlotado que matou uma mulher no domingo (15) em Capela do Alto (SP), depois de sair de Iperó (SP), a 130 quilômetros da capital paulista, é mais uma daquelas tragédias anunciadas, diretamente ligadas à informalidade, ao improviso e a irresponsabilidade que permeiam muitos autodenominados empresários do esporte de aventura. Carregando 35 pessoas num cesto que comportaria, no máximo, 24, o condutor foi preso em flagrante e indiciado por homicídio culposo agravado pelo exercício irregular da atividade e por operar equipamento aéreo sem certificação adequada.
Linguajar jurídico à parte, o resumo da história seria, pelo que se sabe até agora: o cidadão assumiu o risco de matar aqueles passageiros que não tinham obrigação de saber que sua habilitação estava vencida, como informou à Folha o presidente da Confederação Brasileira de Balonismo, Johnny Silva. Nem de imaginar que ele acumulava quatro notificações por descumprimento das normas sanitárias vigentes durante a pandemia de Covid-19 (quando o aumento da procura por esportes de natureza teve crescimento exponencial, mas não raro às margens da legalidade). E o mais importante: que não tinha autorização para levar passageiros em seu equipamento, mas apenas para fazer voos individuais —como se alguém tivesse um trambolho daquele tamanho guardado no quintal para subir sozinho aos ares.
É ingenuidade que chama? Ou cegueira deliberada de quem deveria fiscalizar?
Tão logo o acidente foi divulgado, a Prefeitura de Boituva (SP), cidade vizinha ao acidente que naquele fim de semana recebia um campeonato de balonismo, anunciou que estava determinando uma série de “medidas administrativas para prevenir acidentes futuros“. Entre elas, “a notificação de todas as empresas de balonismo para que enviem documentos atualizados, a publicação de uma minuta que regula o aeroturismo no município” e a abertura de um portal de consulta pública, “que disponibilizará as empresas cadastradas e a previsão do tempo”.
Também estão previstos, como a Folha noticiou, “um projeto de lei municipal para regulamentar o aeroturismo em Boituva, a criação de um portal online com a lista oficial das empresas de balonismo autorizadas e um modelo de previsão meteorológica com sistema de bandeiras para averiguar as condições e permissões para voo”.
Seria de imaginar que essas medidas já fossem algo ostensivo para quem faz questão de ostentar o título de Capital Nacional do Paraquedismo e Balonismo Turístico, não? Se, como diz o ditado, antes tarde do que nunca, isso serve de pouco consolo à família da vítima, Juliana Alves Prado, que morreu aos 27 anos sem saber que deveria cobrar a habilitação do piloto e checar o registro do equipamento cujo voo era oferecido abertamente ao primeiro incauto que aparecesse. É difícil imaginar que um artefato daquele tamanho, lindamente colorido e sobrevoando os céus não de um canto remoto do país, mas do interior paulista, passasse despercebido aos responsáveis.
“O acidente evidencia um problema antigo no turismo de aventura no Brasil: a combinação de informalidade, ilegalidade e baixa qualificação, que coloca vidas em risco”, avalia Luiz Del Vigna, diretor-executivo da Abeta (Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura). “Atividades como voos de balão são seguras apenas quando seguem rigorosamente as normas e a legislação, mas muitos prestadores ignoram regras básicas e operam sem sistema de gestão de segurança”, completa.
O alerta de Del Vigna não vem de hoje. Há anos a associação bate na tecla da importância de se buscar profissionalização e qualificação técnica responsável dos profissionais envolvidos em todas as áreas do turismo de aventura.
“A expectativa para o fechamento de 2025 no setor de turismo é positiva, projetando alta de 3,8%, e um faturamento de R$ 211 bilhões segundo o Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo”, ressalta Del Vigna. Mas, paralelamente, ele cita a avaliação do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), de que a taxa de informalidade, no setor de economia criativa, onde se encaixa o turismo, chegou a impressionantes 42,2% em 2024.
“A informalidade pode resolver um problema imediato de geração de renda, mas não cria uma estrutura empresarial de desenvolvimento que sustente o setor, levando à ilegalidade e à pobre formação técnica”, diz o executivo.
Com a informalidade dos que se querem empreendedores numa terra sem lei, faltou sustentabilidade ao balão de Iperó.
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Folha de S.Paulo