A segunda Champions de Luis Enrique – 01/06/2025 – Juca Kfouri


Torcer pela gente de Paris da Catedral de Notre-Dame é fácil quando o nosso time não está no jogo.

Torcer por parte de Milão do Duomo, também.

Até para os materialistas, ateus ou agnósticos.

Os deuses dos estádios sabem o que fazem na hora certa e no lugar certo.

Desta vez escolheram Munique, da adorável Marienplatz.

Com uma certa dose de crueldade, é verdade.

Porque a Internazionale, com apenas uma derrota nos 14 jogos anteriores, e só 11 gols sofridos por uma defesa formidável, não merecia coroar a campanha na Champions com a goleada impiedosa de 5 a 0, a maior na história das finais do melhor torneio de clubes do Planeta Bola.

Tantos milhões de euros para fazer do Paris Saint-Germain campeão do Velho Continente, e, quando o time não contava mais com Neymar, Messi e Mbappé, liderado, em campo, por Dembélé, em noite mágica do menino Doué, 19, deu-se o atropelamento, desses em que é impossível anotar a placa.

Dembélé filho de mãe mauritana-senegalesa e pai malinês.

Doué de origem na Costa do Marfim.

Os imigrantes que devolvem em felicidade a dor causada pelos colonizadores!

O brasileiro Marquinhos, fruto do terrão do Parque São Jorge, também merece menção.

Segundo capitão brasileiro a levantar a Orelhuda ao repetir o gesto de Marcelo, pelo Real Madrid, em 2022, com a diferença ponderável que o fez como titular em 14 dos 15 jogos, enquanto o conterrâneo nem sequer disputou a finalíssima.

Tantos heróis, e o inesquecível personagem da decisão foi o espanhol Luis Enrique.

Ele teve peito para dispensar estrela egoísta, apostar na renovação, privilegiar o futebol coletivo, criar time de incrível movimentação, esfuziante —e capaz de disputar a final como se estivesse jogando o fraco Campeonato Francês, vencido com 19 pontos de vantagem sobre o vice, assim como venceu a Copa da França ao superar o Reims por 3 a 0.

Campeão com o Barcelona de tudo em 2015 —Campeonato Espanhol, Copa do Rei, Champions e Mundial—, Luis Enrique perdeu a única disputa que pai nenhum suporta perder: a luta de sua filhota Xana contra o câncer, aos nove anos, em 2019.

Estoico, em vez de chorar em praça pública, só fez agradecer o presente de ter desfrutado por quase uma década da companhia dela, com quem havia fincado a bandeira do Barça no gramado do Estádio Olímpico de Berlim, na mesma Alemanha em que comemorou, dez anos depois, sua segunda Champions.

Comemorou sem medo de ser feliz e ainda viu o comovente bandeirão feito pela torcida francesa com a reprodução da imagem do fincamento, agora com as cores do PSG, bleu, blanc, rouge, em vez do azul e do grená catalães.

Impossível ficar impassível diante da cena.

Luis Enrique, 55 anos completados em maio, talvez nem tenha claras na cabeça as imagens da seleção brasileira campeã mundial no ano em que nasceu.

Se tem, já sabia que é, sim, viável ter time repleto de astros capazes de jogar coletivamente, sem disputa de protagonismo.

Até porque o time dele agora tem uma constelação: Démbelé, Doué, Donnarumma, Hakimi, Marquinhos e até o georgiano Khvicha Kvaratskhelia, que, além de rimar com estrela, quebra a língua dos narradores.

A estrelinha Xana sorri e abençoa a alegria do pai.

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Folha de S.Paulo