A miséria das apostas – 25/09/2024 – Juca Kfouri


Por falta de aviso não foi, tão óbvio seria o resultado: quando as apostas online começaram a invadir o país, o desfecho estava anunciado.

Michel Temer abriu as portas para a jogatina em dezembro de 2018, Jair Bolsonaro permitiu a festa sem limites durante quatro longos anos e quando o governo Lula, seis anos depois, a regulamentou, para entrar em vigor em janeiro de 2025, era tarde: o Brasil já tinha virado um imenso cassino, a banca regurgitava sem saber onde lavaria tanto ervanário e havia no ar muito mais que aviões de carreira.

Enquanto comunicadores, atletas, ex-atletas e treinadores colaboravam, por mera ganância, para enganar sem o menor constrangimento seus ingênuos e ignorantes fãs, o brasileiro apostava o que não tinha em busca da prosperidade fácil.

Deu na primeira página da Folha: “Em agosto, os beneficiários do Bolsa Família que fazem apostas esportivas online gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix, segundo uma análise feita pelo Banco Central. O montante destinado às empresas de apostas corresponde a 20% do valor total repassado pelo programa no mês.

Dos 20 milhões de beneficiários, 5 milhões fizeram apostas no mês passado. Na mediana, o valor gasto por pessoa foi de R$ 100. Desse total de apostadores, 70% são chefes de família, ou seja, quem de fato recebe o dinheiro transferido pelo governo. O grupo enviou R$ 2 bilhões por meio do Pix às bets em agosto”.

Fala sério, não é uma beleza?

Mas, atenção, pede o Galvão com seus bem amigos Ronaldo Fenômeno e Vinicius Junior, entre tantos: jogue com moderação!

A desfaçatez é tamanha que não estão nem aí para a desgraça que ajudam a espalhar, cúmplices dos que vão de bets à prisão.

Então, vem o ministro do Esporte, Fufuca, na verdade Fufuquinha, porque Fufuca mesmo é o pai dele, o prefeito de Alto Alegre do Pindaré, no Maranhão, e diz que é preciso separar o joio do trigo, pois existe o jogo bom e o jogo ruim.

De fato, o jogo bom é o do Luiz Henrique e o ruim o do Lucas Paquetá, embora sejam os mesmos jogos, como revelado pelo trio de repórteres Igor Siqueira, Rodrigo Mattos e Thiago Arantes, do UOL.

E mais de fato ainda, Lula separou o joio do trigo e ficou com o joio ao abrir mão de Ana Moser no ministério.

Agora, portas arrombadas, escancaradas, surgem as tentativas para botar ordem no galinheiro, na verdadeira zona criada com origem no jogo do bicho de norte a sul, de leste a oeste.

É tarde, muito tarde.

Quem tem olhos para ver cansou de avisar que a jogatina inundaria o Brasil, que resultados de jogos seriam manipulados, que os espertalhões de sempre ganhariam rios de dinheiro e que aquilo que governo arrecadaria com impostos seria gasto no atendimento aos viciados.

O Brasil varonil ultrapassou a Grã-Bretanha e virou o país onde mais se joga no mundo.

Profetize, tenha fé, jogue como entretenimento, seja cínico, hipócrita e, sobretudo, seja idiota, seja otário, aposte na teologia da prosperidade. Da banca, estúpido!

O time começa a ir bem, muito bem, ganhar e jogar bem. A direção segue na rota da falência e abusa do doping financeiro para tirar o time do rebaixamento e, quem sabe, beliscar uma ou as duas Copas. A que preço? Quem se importa?

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Folha de S.Paulo