A grande maratona do Brasil – 15/05/2025 – No Corre


Esqueça a maratona do Rio, sua espetacularização crescente, todos os cartões-postais e o vai e volta sem fim pelo Aterro; deixe de lado a mara de inverno de São Paulo e sua mais perfeita tradução, o sósia do Elvis a cantar na São João; ignore a velocidade de Porto Alegre, a umidade de Manaus, os dois faróis de Salvador, os perrengues de Curitiba. Uberlândia vem aí.

Não há nenhum atrativo turístico ao longo dos 42,2km da prova da capital do Triângulo. Pelo contrário, a ida e volta dos últimos 20 quilômetros, com a chicana no bairro Mansões do Aeroporto, configura verdadeiro pesadelo cênico. Mas isso não tira do evento, que acontece neste domingo (18), com preliminares já na véspera, algo que é só dele, que nenhuma outra prova tem: o uberlandense Nilson Lima como anfitrião.

Nilsão é a epítome da corrida amadora do Brasil. Em torno dele juntam-se outros brasileiros que se acharam na maratona. Que já a correram às dezenas ou às centenas. E que fazem questão de ir a Uberlândia menos para vencer outros 42km do que para manter viva uma tradição.

Por isso a mara de Uberlândia não é exatamente uma corrida. Cerimônia religiosa a define com mais precisão. A prova está para o amador como Sacsayhuamán para os incas; como o estádio Azteca para os nostálgicos do futebol. É o ponto mais alto e sublime do ano para alguns malucos que não se furtam a correr (e a gastar) em Boston, Nova York, Paris, Bento Gonçalves, Tóquio, Berlim, Durban, Brasília, Londres, Napier, Kangerlussuaq.

É justo, assim, que a mara de Uberlândia leve o nome do cabra, tributo em vida a que, no país, proporcionalmente, só ACM fez jus por tudo poder na Boa Terra. Nilsão, que aos 72 anos é o corredor amador brazuca com maior número de maratonas e ultramaratonas contabilizadas –399–, se esforça: para celebrar como data redonda a NL de domingo, correu atrás do “prejuízo”, ticando maratonas e ultramaratonas, muitas vezes em dias consecutivos.

Apenas em maio foram cinco, uma em Montevidéu e quatro seguidas em Búzios, dos dias 9 a 12, na competição Ultratri Brasil. Considerando que lá alguns sujeitos correram dez vezes a distância do Ironman (38km de natação, 1.800km de pedal e 422,2km de corrida), o feito do Nilsão é relativo.

Data redonda virou uma obsessão para o mineiro, que não celebrou sua 300ª maratona em Uberlândia em 2022, como desejava, por conta de um acidente doméstico, uma fratura na perna direita quando descia escadas. Ele foi à forra, fazendo sua 300ª nos 90km da Comrades, na África do Sul, uma de suas provas de eleição. Nilsão já a completou dez vezes e em junho a disputa mais uma vez.

E agora, para registrar pela primeira vez em Uberlândia nova virada de centena, correu 18 maratonas em quatro meses e meio, culminando com os quase 170km acumulados de Búzios.

Você pode dizer, e eu concordaria, que todo evento tem seus entusiastas, seja ele o encontro anual dos sósias sessentões de Hemingway em Key West, seja uma feira de relógios em Berna. Mas diversos orgulhosos brasileiros que passaram a se dizer maratonistas, dando por alguma estranha razão azo a esse fetiche tardio, tendem a ver em Nilsão verdadeiro Charles, o da canção, agora transmutado no Anjo 42.

Em Uberlândia neste domingo, meu irmão, vai ter missa de ação de graças, feijoada, uísque com cerveja, saraivada de balas, queima de fogos e outras milongas mais.

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Folha de S.Paulo