A beleza deixou de ser fundamental – 01/05/2024 – Juca Kfouri


No Morumbi, na 12ª vez em que Abel Ferreira dirigiu o Palmeiras contra o São Paulo lá, o chato 0 a 0 significou o quinto empate e manteve a vantagem tricolor de quatro vitórias contra três alviverdes.

Desde que o treinador português chegou ao Brasil, foram 23 Choques-Rei, com sete vitórias para cada lado e nada menos que nove empates.

Sob qualquer olhar, os empates impressionam na história do confronto: 116 vitórias para um e para outro e 115 empates.

Até em conquistas da Libertadores ambos empatam, com três para cada lado. Só em Mundiais a diferença é grande: 3 a 0.

Querem apostar a rara leitora e o raro leitor que no próximo clássico acontecerá o 116º empate?

Tamanho equilíbrio não justifica a monotonia do embate da última segunda-feira (29).

Quase 56 mil torcedores foram fraudados no estádio e muito mais gente que isso dormiu frustrado diante da TV ou foi irritado para a cama. Beira mesmo o desrespeito ao torcedor.

Impossível que Luis Zubeldia e Abel Ferreira desconheçam o lado artístico do futebol, assim como Tite, porque Palmeiras x Flamengo já havia sido um porre ou, pior, parecido com anestésico na veia.

Calleri também sabe, assim como sabem Endrick e Dom Arrascaeta, que o exercício da profissão deles ultrapassa o resultado.

Apesar disso, todos toparam protagonizar dois 0 a 0 de doer nos olhos como se o empate significasse a salvação geral e danem-se os que pagaram ingressos, ou assinaturas, para verem os jogos.

Aí o torcedor busca a salvação em Real Madrid e Bayern de Munique. Busca e encontra.

Vinicius Junior sabe de onde vêm os milhões de euros que recebe. Harry Kane também. Carlo Ancelotti nasceu sabendo, e Thomas Tuchel segue o exemplo.

Então, Vini faz dois gols em Munique, Kane também faz o dele, o jogo termina 2 a 2 e a Europa gira em torno do clássico das 20 Champions, 14 dos madridistas.

Joãosinho Trinta já dizia que “pobre gosta de luxo, quem gosta de lixo é intelectual”, máxima que vale para o futebol. Torcedor gosta de gols, de emoções, de dribles, canetas, chapéus, lençóis e trivelas.

Quem exagera no gosto de táticas, esquemas, regulamentos embaixo do braço olha para o futebol como tecnocrata, como estudioso, mas, no mais das vezes, é refratário aos sentimentos e aos detalhes que mudam jogos e são a essência deles.

O poderio econômico tem a ver com a supremacia e a graça europeias, é inegável, capaz de reunir as maiores estrelas sob suas bênçãos.

Mais que dinheiro, porém, falamos de filosofia, de uma certa visão de mundo e do futebol, voltado para quem o vê, para quem paga para curti-lo. Até nas derrotas.

No Brasil, antigamente e por meio século entre a década de 1950 e o começo deste século, o país do jogo bonito, perder passou a ser tão intolerável que o empate, desde que entre times parecidos, vira meta salvacionista.

E nos acostumamos à mediocridade.

Até Borussia Dortmund e PSG, em prateleira abaixo de Madrid e Munique, acaba por atrair atenção maior que nossos clássicos.

Registre-se que esteve longe de ser belo jogo no primeiro tempo, até porque o PSG só queria empatar na Alemanha.

Como saiu atrás, permitiu bom segundo tempo em busca do empate, acertou a trave duas vezes e terá de virar o 1 a 0 infligido pelos germânicos.

Ao contrário do que dizia Vinicius de Moraes, no Brasil, beleza não é mais fundamental.


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Folha de S.Paulo