‘Tapão na raba’ bloqueado: renda de um dos hits do ano fica retida por briga entre autores e rapper | Música


A renda de direitos autorais de uma das músicas mais tocadas em 2021 no Brasil, “Tapão na Raba”, está bloqueada no Ecad. O dinheiro parado aguarda a disputa entre os dois compositores de “Tapão na raba” e os representantes dos direitos no Brasil da faixa “Roses”, do rapper norte-americano Saint Jhn.

O forró “Tapão na raba” foi escrito pelo paraibano DJ Nonony e o potiguar Israell Muniz. A música foi lançada pelo cantor potiguar Raí Saia Rodada em 2021 em janeiro de 2021. Com 284 milhões de visualizações, foi o 4º clipe mais visto do ano no Brasil no YouTube.

A faixa foi lançada com um “sample” (trecho da gravação) de “Roses”, que saiu em 2016 e ganhou um remix de sucesso em 2019. O “sample” aparecia duas vezes na música, como se fosse um solo. Um mês depois, o “sample” foi trocado por um teclado semelhante à melodia do vocal estrangeira.

Mas o DJ Nonony afirmou ao g1 que nunca recebeu um centavo pelos direitos autorais. O bloqueio da distribuição dos direitos no Ecad (Escritório Central de Arrecadaçaõ e Distribuição) aconteceu por um pedido da editora BMG, que administra os direitos de Saint Jhn por “Roses” no Brasil.

Compare as músicas no vídeo abaixo:

Forró com gringos e sem crédito

Forró com gringos e sem crédito

O g1 teve acesso ao pedido da BMG para o bloqueio no Ecad. A editora pede o “cancelamento imediato” do cadastro apenas com os dois autores, por ter “elementos que remetem à canção “Roses”, e pede “os devidos ajustes de créditos em relação às execuções indevidas da versão não autorizada”.

Nestes casos, o valor fica retido, esperando uma definição entre as editoras.

Nonony diz que consideraria fazer um acordo para ceder uma parte menor dos direitos à editora de Saint Jhn, como no caso dos autores doe “Coração cachorro”, que deram 20% da obra ao inglês James Blunt pelo uso da melodia do refrão.

Mas ele considera desproporcional o bloqueio de todo o valor. “Pode ficar lá retido por 100 anos, mas não vou dar metade dos direitos para eles.”

Autor diz que Raí Saia Rodada não foi bloqueado

Raí Saia Rodada no clipe de ‘Tapão na raba’, música composta por Israell Muniz e DJ Nonony — Foto: Divulgação

O compositor afirmou que a renda do fonograma (o pagamento pela gravação, não pela composição) não foi bloqueado, e que Raí Saia Rodada segue recebendo pela música. O pedido de bloqueio, segundo dele, foi feito apenas para a renda autoral.

O g1 procurou a assessoria do cantor, que não deu um retorno até a publicação deste texto. Também foram procuradas a BMG e o rapper Saint Jhn, que não se manifestaram.

Israell chama o estilo de “brega atual”. Nonony prefere o rótulo “forró da loucura”. Seja qual for o nome, eles já escreveram diversas músicas com o som que toca nas ruas de João Pessoa salpicado de hits pop globais em trechos emprestados.

No final do ano passado eles emplacaram “Vou tirar você do cabaré”, primeiro na voz de Israell e depois com um selo de sucesso: a regravação em parceria com Wesley Safadão.

Nos meio de versos sofridos, segundo Israell “inspirados em Reginaldo Rossi e Waldick Soriano”, há um trecho de “Habits (Stay high)”, megahit de 2013 da cantora sueca Tove Lo.

O segundo forró estourado deles trocou “sofrência” por ousadia sexual, e os ícones do brega pela influência de funk. Em “Tapão na raba”, o trecho estrangeiro é de “Roses”, faixa do rapper americano Saint Jhn remixada pelo produtor cazaque Imanbek, uma das faixas mais tocadas no mundo em 2020.

Adut Akech e SAINt JHN no VMA 2021 — Foto: Evan Agostini/Invision/AP

Outra marca das músicas de Israell e Nonony é a ausência de créditos dos trechos internacionais. Não há menção a estas faixas nos serviços de streaming e nem no registro do Escritório Central de Arrecadação (Ecad), onde só os dois aparecem como donos dos direitos autorais das faixas.

A prática parece ter passado batido até que o sucesso ficou grande demais. “Tapão na raba” estava indo bem na voz de Israell até que um astro do forró, Raí Saia Rodada, regravou a música com o mesmo arranjo e lançou um clipe bem produzido, em cenário que une festa de piseiro e velho-oeste.

Gravadora deu um tapa no ‘Tapão’

A música foi lançada no Spotify em 22 de janeiro. Em 23 de fevereiro, o g1 enviou perguntas a Raí sobre a faixa e o trecho de Saint Jhn. Ele não respondeu. No dia 26 de fevereiro a faixa foi mudada no Spotify e no YouTube. O vocal gringo é substituído por um teclado com melodia parecida.

O g1 questionou em fevereiro a gravadora de Raí, Som Livre, que disse: “Assim que a Som Livre identificou o trecho na faixa, ele foi retirado e a música foi substituída em todas as plataformas de áudio e vídeo. A nova versão é a única disponível desde a semana passada.”

O resultado foi imediatamente notado por ouvintes no YouTube, que ficaram tristes. “A parte mais legal que achava foi trocada, fiquei aqui olhando a música que tinha baixado, totalmente diferente”, diz um comentário.

“É só pra mim que na parte da música em inglês depois do refrão tá estranha?”, pergunta um usuário do YouTube. “Pô, achava maior massa aquele toquezinho, devem ter tirado por conta dos direitos autorais”, lamenta outro. Ouça a nova versão abaixo:

Israell, Nonony e a ‘mixtape’

Israell Muniz é nome artístico de Luiz Eduardo Bezerra da Costa, nascido em Patu (RN). “Já rodei por várias cidades, mas dei certo em João Pessoa”, diz o músico de 29 anos, que vive há seis anos na capital da Paraíba. Ele diz que antes da música trabalhou em uma padaria.

Em João Pessoa ele conheceu o paraibano Jeronimo Pereira De Lima, o DJ Nonony, que virou sócio em sua empreitada musical. Os dois fazem todas as músicas juntos, e chegaram a este estilo que nem eles sabem definir. “A gente mistura tudo, é um novo formato de forró”, Israell arrisca.

DJ Nonony tenta explicar o sucesso: “O que faz a música ser gostosa são as misturadas: bota um pouquinho de brega-funk, um pouquinho de amor, um pouquinho de safadeza, um arranjo bonito, a pessoa vai gostando de cada segundo”, ele descreve.

“É uma batida mais povão, da periferia. Um forró arrastado com coisas de brega-funk, de pisadinha (forró de teclado)…”, Israell diz. Além de usar sucessos estrangeiros, ele adotou um rótulo para eles: “É a ‘mixtape’, que são as capellas (trechos vocais) das músicas internacionais”, ele define.

“Sou uma pessoa apaixonada pelos anos 70, 80 e 90, conheço uma infinidade de músicas internacionais, coisas de fora, e trago para esse forró da gente”, diz Israell.

“Sempre tive essa vontade de fazer essas ‘mixtapes’. E aí eu falei com o Chiclin – produtor musical ativo no pop da Paraíba, que fez músicas do ídolo local Aldair Playboy – ele falou que dava certo, a gente viu que encaixou, ficou diferente e soltamos.

Eles não são os únicos

Em teoria, o uso de um trecho de outra música deveria ter autorização prévia e combinação de como serão divididos os direitos. São comuns também casos de artistas que usam samples e assumem o risco de terem que negociar depois, caso sejam questionados. Mas Israell nem pensava nisso.

Ele disse em março ao g1 que nunca tinha sido questionado por editoras dessas faixas estrangeiras: “Não deu problema, graças a Deus. Até porque eu não quero bater nisso de ficar usando capellas. Eu coloquei pouco, não é nem a batida deles, eu só pego a voz e encaixo na minha batida”, ele justifica.

Israell diz que “colocou pouco” em comparação com uma onda atual de remixes em ritmos populares do Brasil de sucessos estrangeiros inteiros, como “Halsey – Without Me – versão bregadeira”, “Bad Guy – Billie Eilish – brega funk” e “The Weeknd – Blinding lights – pisadinha”.

“Já tem muito disso no Amazonas, no Maranhão. Só que eles pegam inteiro. A gente pega só uma parte, não dá nem 15 segundos”, ele defende.

Há outros hits atuais usando trechos estrangeiros. No top 10 do Spotify Brasil, por exemplo, está o funk “Ela me falou que quer rave”, do MC Levin e dos DJs Nikolas Alves, Kaioken e Gege, que usa a base de “Pumped up kicks”, do grupo Foster the People.

Outros exemplos são “Elas gostam de gasolina”, de Anderson e o Véi da Pisadinha (quase um cover sem crédito de “Gasolina”, de Daddy Yankee), e “Cabaré”, do DJ Guuga (baseada em “Earned it”, de The Weeknd). Veja abaixo:

VÍDEO: Os ‘feats’ proibidões do funk e forró

VÍDEO: Os ‘feats’ proibidões do funk e forró



Fonte: Pop & Arte