Rogê celebra herança de imigrantes na travessia intercontinental de ‘Nômade’ | Mauro Ferreira


“Hoje muitos milhões de esperanças / Celebram a herança de imigrantes ancestrais / Carregando o passado na mente / E olhando de frente o que ficou para trás”, canta Roger José Cury, vulgo Rogê, dando voz aos versos de Nei Lopes, também ouvidos na declamação feita por Jorge Aragão. Bamba carioca com autoridade respeitada no universo cultural afro-brasileiro, Nei Lopes é o parceiro do conterrâneo Rogê em Diáspora negra, uma das músicas mais fortes de Nômade (Edição independente da produtora Muito Amor e Música), disco lançado neste mês de março de 2018.

Capa do álbum ‘Nômade’, de Rogê — Foto: Colagem de Duda Simões e Rafael Doria

Nômade é o melhor álbum deste cantor e compositor carioca que está em cena desde 1998. Vinte anos após a estreia fonográfica com o CD Rogê & BandaVera, o artista apresenta azeitado disco em que versa sobre a migração e a miscigenação de povos desde antes de o samba – ritmo recorrente no repertório autoral e inédito – ser samba.

Nesta ponte intercontinental erguida pelos produtores Kassin e Mario Caldato Jr., Rogê expõe o orgulho de ser tropical em Imigrantes, samba composto com Arlindo Cruz, bamba ora fora de cena, cuja voz ressoa na introdução de Deixa de ser criança, outra parceria de Arlindo com Rogê. Trata-se de outro samba, gravado com o toque da percussão de Pretinho da Serrinha e encerrado com a voz do filho de Rogê.

Sintonizado com a pureza infantil, com musicalidade de gente grande, Arlindo também assina com o dono do disco o tema instrumental, Erê afro Powell, música que arremata o álbum Nômade no toque do violão de Rogê, posto em nítido tributo ao violonista Baden Powell (1937 – 2000), arquiteto dos afro-sambas.

O cantor e compositor carioca Rogê — Foto: Divulgação

Mesmo que não escape da sina de soar como diluidor do suingue matricial de Jorge Ben Jor, cujo samba-rock é evocado em músicas como They live in América (Rogê), Pra você, amigo (Rogê) e Paz & amor (Rogê, Gabriel Moura, Leandro Fab e Pretinho da Serrinha), o artista carioca de quase 43 anos – a serem festejados em abril – progride neste disco feito a partir de gregária conexão internacional.

Se Lina linda (Rogê) tem o toque gringo do piano do músico fluminense Sergio Mendes, símbolo da exportação da bossa brasileira para o mundo nos anos 1960, O escambau segue a rota do intercâmbio planetário que partiu da África. A gravação da música foi feita com a adesão do baixista africano de jazz Richard Bona, parceiro de Rogê e de Gabriel Moura nessa composição que abre o álbum Nômade.

Enfim, mesmo sem delinear assinatura original como compositor, Rogê chega a um ponto de maturação na discografia com Nômade, CD que celebra a herança de imigrantes ancestrais com coesão que faltou ao anterior álbum solo do artista, Brenguelé (2012), lançado há seis anos com produção formatada por Kassin, um dos pilotos do álbum atual.

Com capa que expõe colagem dos artistas plásticos Duda Simões e Rafael Doria, Nômade vai além na travessia transatlântica. Como sentencia o título de Vai tudo acabar bem, samba feito por Rogê com Marcelinho Moreira e apresentado quase ao fim do disco, o saldo é positivo, com as bençãos de Arlindo Cruz, de Nei Lopes e, claro, do inimitável Jorge Ben Jor. (Cotação: * * * 1/2)



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