MC Carol conta como deu virada na carreira após anos ‘de terror’ com equipe: ‘Eu era roubada’ | Música

Capa do álbum 'Borogodó', de MC Carol, inspirada em Botticelli  — Foto: DivulgaçãoTem duas MCs Carois na história da produção de “Borogodó”, que sai nesta quinta-feira (22). À frente está a Carol das letras de funks sobre a liberdade sexual feminina, sempre disposta a mais uma festa. 

Nos bastidores está uma segunda Carol, que leva a sério o funk de esbórnia. Ela só sobe ao palco sóbria, reflete sobre as armadilhas da fama e conta como tomou as rédeas da carreira após anos de “terror” na estrada: “Eu era roubada pelos caras”, ela lembra.

Voz firme e bases variadas

Você acha que a cantora de 27 anos, solteira, vive atrás de homem? Acertou. Mas é assim: Carol busca pelo Brasil DJs para refletir a riqueza do funk – das batidas rasteirinhas ao ritmo frenético de 170 BPM do Rio; do brega-funk de Recife ao som hipnótico de BH.

Do jeito que ela gosta, com um parceiro atrás do outro, ela abraça vertentes do funk – e até o pagodão baiano em “Seu vizinho”, com O Maestro. Ele encara os brega-funkeiros Cleytinho Paz e CL No Beat em “Novinho de 17” e responde “17 anos comigo não tem conversa / passou de 18, pau quebra”.

A voz firme de Carol une os batidões diversos. Em “Calibre grosso”, ela acompanha esperta o estilo mineiro fragmentado de DJ Cezão da Vila e do DJ Pquatro. Ela até ostenta com o DJ Zigão da Brasília em “Vida de artista”: “A gente sabe como é, essa vida de artista, os novinhos querendo mudar de vida”.

Só que a “vida de artista” dela, na real, não é bagunça. “Quem não me conhece pensa que minha vida é uma baderna. Mas de baderna não tem nada.” Achar esse equilíbrio foi difícil e sofrido. Ao saber sobre a morte do MC Kevin, ela diz que um filme da sua própria vida passou na cabeça.

“Borogodó” é seu segundo álbum, cinco anos após “Bandida”. Ela despontou com funks agressivos, explícitos e engajados como “100% feminista”, “Não foi Cabral” e “Mamãe da putaria”, no rastro de cariocas como Tati Quebra-Barraco e Deize Tigrona e à frente da nova estrela paulsita MC Dricka.

Bem antes da onda das letras femininas desbocadas no rap dos EUA, a Carol de Niterói já chutava o balde mais longe do que Cardi B e Megan Thee Stalion em funks caseiros como “Meu namorado é o maior otário”.

Mas a autora das letras sobre se fartar com vários parceiros não mistura sexo e trabalho (“você não vai trabalhar no MC Donald’s e pegar várias mulheres no balcão”, ela compara). Carol se preocupa mesmo é em achar parceiros sérios para a sua equipe.

Levantar a voz para os homens foi questão de sobrevivência para a cantora que hoje exalta o feminismo e a liberdade sexual e musical.

Carolina de Oliveira Lourenço nasceu em 1993 em Niterói, e cresceu no Morro do Preventório, criada pelos bisavós. Aos 14 anos, teve que morar sozinha e passou fome até achar uma luz na música. Mesmo assim, o início da carreira em 2010 não trouxe uma solução fácil.

“Eu era mais nova e os caras (da equipe eram) mais velhos. A minha palavra era sempre a última. Os caras trabalhavam para mim e parecia que eu trabalhava para eles. Eu era roubada por esses caras.”

Carol tinha uma rotina pesada e mambembe, de até sete shows por noite, em que ela se esforçava para cumprir os compromissos enquanto o resto da equipe parecia viver no mundo fictício dos funks de festa. Até o motorista da maratona de shows aparecia bêbado. “E eu tinha que entrar nesse carro.”

“Por várias vezes eu poderia ter morrido. Não era culpa minha, mas por causa de pessoas da minha equipe que eram irresponsáveis”, ela afirma. “Minha vida se tranquilizou em 2016. Mas eu comecei em 2010. Então foi seis anos de terror.”

Ela só achou o prumo quando teve força para confrontar os homens da equipe. “Eu me impus e foi saindo por um. Mas eu precisei me levantar”, ela conta. Hoje, ela comanda o bonde com outra mulher. Sua empresária é a mineira Ana Paula Paulino.

Agora ela vai bem mais longe – e sem motorista bêbado. Carol foi escolhida pelo Google como uma das artistas do YouTube Black Voices, para incentivar artistas negros, e foi destaque no telão do programa da Times Square, em Nova York.

Do “filme de terror” no passado ela foi a uma ótima atuação com uma personagem meio cômica no filme “No coração do mundo”, primeiro passo no seu projeto de expandir o trabalho também para o cinema.

Em maio, Carol compartilhou um texto lamentando a morte do MC Kevin e falando sobre a ilusão da fama para jovens da periferia.

“Foi uma parada triste, um garoto novo. Quando eu vi, veio um filme na minha cabeça de tudo que eu passei esses anos todos”, ela conta.

“A maioria dos artistas é deprimido, depressivo, especialmente os funkeiros. Somos jovens, pretos, que não tínhamos nada (literalmente e figurativamente) até ontem. Um dia, a gente está na rua sentado, contando as moedas pra comprar um saquinho de arroz, sendo humilhado, desprezado diariamente. Sem ninguém, perdido, olhando pro mar, gritando por dentro, desejando a morte. No outro dia, somos amados por todos, somos grandes”, ela escreveu.

“A gente tenta comprar com dinheiro o que a gente nunca teve. A gente sente que a nossa solidão é igual antes. Talvez até mais profunda,”, completou.

O difícil é não se deslumbrar. “Antes, ninguém me chamava para nada. Para Natal, para Ano Novo, para nada. Depois, segunda-feira tinha gente me chamando para churrasco”, ela diz.

Hoje, em paz, ela prefere descansar seu “borogodó” às segundas-feiras para cantar a independência no sexo e no funk quando o fim de semana chegar.

Fonte: Pop & Arte