Em ‘Amor, sublime amor’, Spielberg atualiza de forma deslumbrante clássico datado; g1 já viu | Cinema


Pode parecer prepotência regravar um clássico que ganhou dez Oscars em 1962, incluindo o de melhor filme, mas, se havia alguém para o trabalho, este alguém era Steven Spielberg. Em “Amor, sublime amor”, um dos maiores cineastas de todos os tempos entrega seu melhor trabalho em anos.

A produção, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (9), consegue justificar sua existência ao atualizar com habilidade a adaptação do musical da Broadway com um elenco que representa melhor os personagens da trama e uma destreza técnica que chega perto da perfeição.

E se os fãs do original de 1961 não conseguirem superar as diferenças, tudo bem. O filme, pelo menos, deve conseguir atingir o nobre objetivo de apresentar uma nova geração ao clássico que, por mais cultuado que seja, sofre sob lentes atuais.

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Assista ao trailer de ‘Amor, sublime amor’

Em mais uma decisão ousada, a história da regravação oferece pouquíssimas mudanças em relação àquela de 50 anos atrás.

Baseada em “Romeu e Julieta”, a trama explora as consequências de um amor avassalador e proibido entre jovens representantes de gangues inimigas, os brancos Jets e os porto-riquenhos Sharks, na Nova York da década de 1950.

A grande e bem-vinda diferença dessa vez é que a comunidade latina perde muito dos estereótipos com os quais era retratada no original. Ao ser retratado com uma rotina mais presente e viva na tela, o bairro de imigrantes ganha contornos mais complexos.

Ajuda também a escalação de um elenco realmente latino para os papéis necessários, no lugar dos atores brancos maquiados que assombravam o primeiro filme.

A troca não atende apenas a exigências politicamente corretas atuais, mas se justifica com atuações invariavelmente melhores. A iniciante Rachel Zegler, descendente de colombianos e poloneses, não tem dificuldades de superar o trabalho de Natalie Wood, por exemplo.

Até David Alvarez, filho de cubanos, consegue entregar um Bernardo muito mais interessante, ajudado pelo roteiro de Tony Kushner (“Angels in America”), do que o do ganhador do Oscar George Chakiris.

O trabalho da veterana de musicais Ariana DeBose, por outro lado, era muito mais complicado.

Afinal, substituir a insubstituível Rita Moreno como Anita era missão quase impossível, mas a jovem descendente de porto-riquenhos enfrenta o desafio com dignidade e apresenta uma versão própria da personagem, sem se preocupar com as inevitáveis comparações.

Do outro lado, Ansel Elgort (“Em ritmo de fuga”) não tem um trabalho tão grande em superar o protagonista original, Richard Beymer, por mais que sofra um pouco ao manter a dramaticidade em seus números musicais mais intensos.

Quem rouba mesmo suas cenas é Mike Faist (“Selvagens”), que prova ser uma estrela em ascensão como o líder dos Jets.

Rachel Zegler e Ansel Elgort em cena de ‘Amor, sublime amor’ — Foto: Divulgação

Não que a nova versão seja perfeita, é claro. Mesmo com as mudanças, novas gerações ainda devem ter dificuldades para engolir a paixão avassaladora de poucas horas entre o casal de protagonistas.

Seria interessante ver um esforço para corrigir um pouco este aspecto, mas “Amor, sublime amor”, por mais que o título em português diga o contrário, nunca foi só sobre isso.

A partir do relacionamento complicado entre o casal de protagonistas, ainda os personagens menos interessantes da trama, o enredo está mais interessado em explorar as complexidades da rivalidade desnecessária entre grupos marginalizados jogados uns contra os outros por aqueles que detém o poder.

Nesse sentido, é possível dizer que a nova versão supera em muito a original, com seu olhar mais delicado – e distanciado pelo tempo e pelas convenções sociais atuais – sobre as delicadas dinâmicas da época.

Se falta alguma coisa é mesmo a atuação irresistível de Moreno, ganhadora de todos os prêmios mais importantes das artes americanas (Emmy, Grammy, Oscar e Tony).

Mas a atriz porto-riquenha de 89 anos compensa essa ausência com outra atuação marcante. Em um dos papéis mais modificados, ela dá aos fãs do original uma interpretação emocionante de um dos grandes clássicos do filme de 1961.

Está aí, inclusive, um dos maiores trunfos de Spielberg, que remonta e reposiciona algumas canções deslocadas em momentos-chave que fazem muito mais sentido.

Com isso, mais do que uma simples atualização, as músicas de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim ganham novos e tocantes significados.

Cena de “Amor, Sublime Amor” — Foto: Divulgação

O cineasta também prova por que é um dos maiores de todos aos entender as mudanças dos tempos e honrar o musical original com grandes sequências espetaculares de canto e de dança.

Simultaneamente, também traz momentos clássicos – como o confronto inicial entre Sharks e Jets ou a belíssima e colorida cena de “America” – para uma geração menos acostumada a passos de balé e jazz por gangues mal-encaradas no meio da rua.

Com mais de duas horas e meia, “Amor, sublime amor” não é um exatamente um filme fácil para quem não está acostumado às grandes montagens da Broadway.

Mas, depois do sucesso de “Hamilton” e das outras obras de Lin-Manuel Miranda – que também deve brigar no Oscar com “Tick tick… boom!” –, parece chegar no momento certo. E, com Steven Spielberg no comando, nas mãos certas.

Por mais que também seja atraente também sonhar em como seria a história se contada por olhos latinos.

Cena de “Amor, sublime amor” — Foto: Divulgação



Fonte: Pop & Arte