Em entrevista à Jovem Pan News Fortaleza, cantora falou sobre tratamento contra a doença, o lançamento do seu e-book e a amizade com Preta Gil, que passa por problema semelhante
Simony concedeu entrevista para a Jovem Pan News Fortaleza
A cantora Simony, 46 anos, anunciou neste mês o lançamento de sua autobiografia “Um Dia de Cada Vez”, na qual conta sobre a dor, o sofrimento e a superação após o diagnóstico de um câncer retal, em agosto de 2022. Hoje curada, a artista que fez a alegria de milhares de crianças durante a época de Balao Mágico agora quer usar sua voz para ajudar pessoas que passam por drama semelhante ao que ela viveu. “O SUS tem muita coisa boa, mas tem muita que precisa melhorar, principalmente nessa parte oncológica. Todo muindo paga imposto tem o direito de viver com dignidade. Poderia sentar meu bumbum no sofá e dizer: ‘Tenho o plano de saúde e estou ótima’. Mas é impossível, depois de uma doença dessa, não pensar no próximo”, disse Simony, em entrevista à Jovem Pan News Fortaleza. O frio na barriga durante os exames, o medo da morte (na verdade, a ausência dele) e a amizade com Preta Gil — que está em tratamento contra um câncer no intestino — também foram temas abordados durante a participação da cantora no Jornal da Manhã local. A primeira parte da entrevista vai ao ar nesta sexta-feira, 21. No sábado, 22, ela será exibida na íntegra.
Estou aqui com a capa do seu livro, “Um dia de Cada Vez”. Por que você decidiu escrever seu livro sobre o tratamento de um câncer retal?
Eu descobri por conta de uma íngua, que não sumia e começou a crescer. Comecei a ficar bastante preocupada. Meus exames ginecológicos não deram nada, aí fui procurar uma proctologista pata entender o que estava acontecendo. Foi então que ela me pediu a tal da colonoscopia, um exame do qual nunca tinha ouvido falar. Nem sabia que mulher precisava ir a uma proctologista, isso já foi muito assustador. Esse exame você precisa fazer a partir dos 45 anos, mas, caso haja algum problema de câncer de intestino ou de reto na família, você precisa fazer antes. Na minha família não havia nenhum caso, mas eu já estava com 46 anos. Quando eu fiz a biópsia, descobri esse carcinoma.
Todo tipo de câncer, visto de forma inicial, tem uma grande chance de cura. Você foi cuidada pelo Dr. Fernando Maluf, um cara espetacular, super-humano. Queria entender como foi, de forma psicológica, absorver essa notícia?
A gente costuma dizer que o câncer é supercurável quando você descobre bem no início. Mas a realidade no nosso país não é essa, a maioria das pessoas não tem condições, não tem plano de saúde. Para fazer uma prevenção no SUS, é superdemorado. Muita gente tem muita vontade de fazer uma prevenção, mas, quando descobre, a doença está muita avançada, porque o câncer é uma doença silenciosa. Por isso, ainda é uma das doenças que mais matam no nosso país. Eu sempre fui muito ligada no meu corpo, eu sempre fiquei ligada em tudo. Para mim, descobrir um câncer — acho que para qualquer pessoa — é realmente como se você estivesse morrendo afogada no oceano e não soubesse como sair. Como se estivesse num lugar muito escuro, com muito medo. A gente sempre escuta falar que o câncer mata e, por mais que a gente leia muito hoje em dia, ainda tem esse medo da morte, né? A gente fica muito perto da morte, muito perto da finitude. Então, para mim, foi muito ruim. Em um primeiro momento foi bem difícil. A sensação que eu tinha era de que eu ia morrer mesmo.
Como que foi ressignificar o antes e depois do câncer?
Como que eu vou te explicar? Na verdade, o câncer é uma coisa que você tem que cuidar durante cinco anos, né? Tem que ficar fazendo exames a cada três meses, só tem alta depois de cinco anos. Então, você tem que meio que acostumar a viver essa vida pós-câncer, que não é mais uma vida igual. Porque você muda tudo, muda pensamento, muda cabelo, muda tudo. Você muda por dentro e por fora, então é bem o nome do livro mesmo, é bem o nome do meu e-book, é um dia de cada vez. Eu não faço planos mais. Não porque eu acho que eu vou morrer amanhã. Não é isso. É porque eu acho que é importante você viver o agora. Porque a vida é isso, né? De repente, você não está mais aqui. Eu acho que o mais importante é você ter saber que não controla nada. Isso é muito importante também para ter uma vida mais tranquila e poder respirar. Você não controla nada, só controla aquilo que está ao seu alcance, o que está dentro de você. O que as pessoas fazem para você ou pensam de você, ou acham de você, não é do seu do seu controle. Eu ainda tenho que repetir exames. Toda vez que você vai fazer exame, tem aquela sensação de medo e angústia. Mas a fé é maior que o medo. Só não posso deixar de falar que tenho muito medo. É legal tirar essa coisa que tem de ser superpoderosa. Quando tem uma doença, a gente que ter colo.
Como foi o acolhimento familiar, quem estava do seu lado?
Eu tenho uma família muito grande, que mora no interior e eu não consigo ver sempre. Mas, quando souberam, veio todo mundo para cá. A família fica bem unida. Meus filhos, meu companheiro, meus amigos mais próximos… Costumo dizer que o câncer é um divisor de águas, fica na sua vida quem tem que ficar, com quem você pode contar. É verdadeiramente o “na alegria e na tristeza”. Você ganha novos amigos incríveis, a equipe médica se torna uma família, o Maluf hoje é mais que um amigo, é um anjo vestido de médico. A gente acaba conhecendo outras pessoas maravilhosas, e algumas que estavam na sua vida acabam não ficando. É importante ressignificar tudo na sua vida depois que passa por uma doença tão grave. É importante você ter outros valores. Eu não tenho medo da morte, tenho medo de deixar as pessoas, meus filhos, meus animaizinhos. É dessa forma que a gente aprende a olhar o outro, aprende a entender o quanto é importante todo mundo ter uma saúde decente, o quanto é importante um médico espiritualista. Eu sempre fui muito humana, mas depois disso fiquei muito mais.
Uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que a mulher tem seis vezes mais chances de ser abandonada pelo marido após a descoberta de uma doença muito grave. Não foi o que aconteceu com você, mas uma pessoa muito querida, que é a Preta Gil, passou por maus bocados nesta semana. Ela teve o mesmo tipo de câncer, e vi que nas redes sociais você já se solidarizou. Vocês já se falaram?
Já, a gente sempre se fala. E eu nem vou entrar no mérito do relacionamento. Vou entrar no mérito que, sim, é muito verdade isso, em todas as áreas. Não só quando a mulher fica doente, mas quando vai presa, por exemplo. Ela é abandonada. O cara nunca vai visitar. Quando está doente, pfff… Aí ela já não pode oferecer aquilo que oferecia, então o cara vai abandonar. Geralmente é assim mesmo. É muito triste. É aquilo que eu disse, é o divisor de águas. É nesse momento que você vê quem realmente te ama, está do seu lado, quer o seu bem, sofre com você. Ou pelo menos tenta entender. As máscaras caem, ninguém consegue viver sendo alguém que não é, uma hora aparece. Eu tive muitos relatos de mulheres que não têm nenhum apoio, só têm o companheiro. E às vezes o companheiro abandona ela doente com os filhos pequenos. E ainda trata num hospital público, tem que ir e voltar de ônibus. A é bem mais embaixo. Nessa hora, a única coisa que você quer é não ser julgada, ter um olhar de amor e um colo.
Você não vai entrar no mérito do relacionamento, mas o que falou para ela sobre a doença, sobre essa troca de experiências?
A gente se fala quando uma não está bem, quando a outra não está. Quando eu estou perto de fazer meu exame já fico mal, ela percebe, e a gente se fala. Eu não a chamo toda hora, porque não gostava que as pessoas me chamassem durante o tratamento. Tinha dia que eu não sabia nem quem eu era. Sempre deixei muito à vontade que sempre estarei aqui, meu telefone está ligado 24 horas. E é só isso que a gente precisa quando está com essa doença.
A doença aproximou você de outras pessoas além da Preta Gil? Você tem amigos de verdade no mundo artístico te acolheram?
Tive muitas pessoas, sim. Geraldo Luiz foi duas vezes me visitar. O Fábio Júnior e a Fernanda, esposa dele. E a gente se aproximou mais agora, eles foram essenciais. A Sonia Abrão o tempo inteiro me mandou mensagens. Recebi mensagem do padre Fábio [de Melo], do padre Antônio Maria. Eu costumo dizer que tenho uma listinha: as pessoas que eu já conheço e me mandaram mensagens estão guardadas no meu coração e escritas nas minhas anotações de celular.
Você sempre gostou de se vestir bem, estar bem com a aparência. Quando começou a cair o seu cabelo, você se chateou, se revoltou, se questionou?
Questionamento e revolta eu nunca tive com Deus nem nunca perguntei: “Por que eu?”. Mas fiquei muito abalada quando perdi o cabelo. Chorei bastante, a gente acaba não se reconhecendo. Depois vem sobrancelha, cílios, você fica inchada por conta das medicações. Mas você vai ressignificando mesmo. Vai entendendo que não é o cabelo que te faz bonita. A pior coisa para uma pessoa que tem câncer é olhar para ela e falar: “O cabelo cresce”. A gente sabe, mas é muito doloroso para uma mulher perder todo o cabelo. Acho que é uma das partes mais difíceis.
Fiz essa pergunta porque você está desfilando com um cabelo bonito, está curtindo esse momento enquanto o cabelo cresce. Como tem sido?
Quando fiquei careca, usei lace. Depois, usei uma prótese capilar, porque a lace você põe e tira, a prótese você fica com ela colada. Depois, usei meu cabelo mesmo, curtinho. Adorei. Queria ter ficado mais, mas ele começa a crescer na lateral, fica feio. Aí coloquei um mega. E acho que é o cabelo que vou adotar.
O que foi mais difícil no tratamento contra o câncer? Qual foi o momento mais complicado?
A quimioterapia foi bem pesada. Ficava tês dias internada, quando voltava para casa ficava bem mal. A radioterapia também não é legal. Nas primeiras, você não sente nada, mas depois começa a machucar, ferir. Como eu fiz nessa parte inguinal, não conseguia usar calcinha, tinha que me encher de pomada. É muita coisa, um tratamento bem sofrido.
Quais seus sonhos antes do câncer e seus sonhos agora?
Eu não fico pensando muito. Quero continuar cantando minhas músicas, tenho vontade de fazer um trabalho novo e quero ficar engajada nessa história de ajudar outras pessoas, conversando com parlamentares. Não quero me candidatar, só para deixar claro. Quero usar minha voz para ver se a gente consegue mudar. O SUS tem muita coisa boa, mas tem muita que precisa melhorar, principalmente nessa parte oncológica. Todo muindo paga imposto e tem o direito de ter essa dignidade de viver bem. Poderia sentar meu bumbum no sofá e dizer: “Tenho o plano de saúde e estou ótima”. Mas é impossível, depois de uma doença dessas, não pensar no próximo.
Fonte: Jovem Pan