A pequena participação de Beyoncé como dubladora da personagem Nala no filme O Rei Leão, em 2019, tem ganhado, desde então, dimensões cada vez maiores e mais complexas. Até então coadjuvante do sucesso da Disney, Beyoncé tomou para si o protagonismo quando encabeçou no ano passado o disco The Lion King: The Gift, uma trilha-sonora paralela do filme, que exaltava a cultura africana e a população negra. O manifesto ganhou um baita reforço na sexta-feira passada, 31, quando chegou à plataforma americana Disney+ o álbum-visual Black Is King. Amparada por uma gama de referências, a cantora provocou burburinho pelo mundo, com a mesma medida de críticos e admiradores, todos palpitando sobre a ousadia de seu novo trabalho. Abaixo, equipe de VEJA listou seis referências que são base do álbum – ainda sem previsão de lançamento oficial no Brasil.
Hamlet
Na peça trágica escrita por William Shakespeare, entre 1599 e 1601, o príncipe Hamlet, na Dinamarca, decide vingar a morte do pai, assassinado pelo irmão que tomou o trono para si. A trama clássica serviu de base para a história de O Rei Leão. No álbum, Beyoncé reconta a história, porém com um menino negro como o protagonista Simba. Na jornada de amadurecimento, ele busca se reconectar com suas raízes africanas, seu berço original. A trajetória traz a mensagem de que o povo africano escravizado e arrancado de sua terra, descende, originalmente, de reis e rainhas.
Afrofuturismo
A onda da ficção científica que tomou a literatura e o cinema americanos, nos anos 1960 e 70, era basicamente representada por personagens brancos. Em contraposição, surgiu um movimento estético, cultural e social, mais tarde batizado de afrofuturismo, que inseriu o negro na visão de futuro – um posicionamento que vai além do entretenimento, mas também fala sobre sobrevivência e resistência. Recentemente, o filme Pantera Negra (2018) se tornou um expoente moderno do afrofuturismo, ao misturar a estética tecnológica aos elementos da cultura africana. Beyoncé explora em Black is King o movimento com o uso abundante de cores metálicas, visuais e coreografias robóticas e batidas eletrônicas misturadas à cores, figurinos e danças de culturas tribais africanas.
Matriarcado
O empoderamento feminino ganha contornos ainda mais profundos em Black is King. Com figuras femininas como protagonistas, Beyoncé defende uma estrutura matriarcal, parte de culturas africanas e corrompida quando estas famílias foram trazidas a força para a América como escravos. Beyoncé canta sobre o poder da mulher representada no filme por guerreiras na canção My Power, e exalta a beleza negra em Brown Skin Girl, que tem a participação da filha da cantora, Blue Ivy, da amiga e ex-Destiny’s Child, Kelly Rowland, e de sua mãe, Tina Knowles-Lawson. Naomi Campbell e a atriz Lupita Nyong’o são citadas na letra.
Moisés bíblico
Em uma das cenas, Beyoncé, emocionada, coloca um bebê enrolado em um cobertor em uma cesta no rio, acompanhada pela faixa Otherside. A referência é clara: Moisés, proeminente personagem bíblico do Antigo Testamento, é salvo pela mãe de um genocídio de meninos ao ser colocado no rio Nilo. Em seguida, ele é encontrado pela princesa do Egito, que o cria como filho. Moisés é uma figura que representa a liberdade: ele foi o responsável por tirar hebreus da escravidão. Para a população negra, o personagem tem a mesma conotação. Há relatos de que a ex-escrava e abolicionista Harriet Tubman cantava a música cristã Go Down, Moses (vertida no Brasil como Vai, Moisés e o repetitivo refrão “deixa meu povo ir”) como um código para que os escravos fugitivos a reconhecessem como aliada.
Oxum
As religiões africanas também estão presentes no filme. Para os brasileiros, a proximidade ainda é maior, já que, por aqui, as religiões de matrizes africanas são bastante populares quando comparadas à cultura americana. A deusa Oxum, considerada a senhora da beleza, da fertilidade, do dinheiro e da sensibilidade, é exaltada por Beyoncé em pequenos detalhes, desde cenas na água (a entidade reina em águas doces) até em figurinos, como o usado por ela no vídeo de Spirit, lançado no ano passado, e incorporado neste novo álbum. Em 2017, Beyoncé havia feito referência à Oxum na apresentação do Grammy, onde se vestiu de dourado com uma coroa na cabeça, roupa que remetia diretamente à divindade.
Black Lives Matter
Black Is King já estava em pós-produção quando o movimento Black Lives Matter ganhou nova força nos Estados Unidos, este ano, após o assassinato de George Floyd por um policial. A canção Black Parede, lançada no dia 19 de junho, o Juneteenth, quando os americanos celebram a emancipação dos escravos, foi abraçada como hino pelo movimento. A faixa entrou no álbum-visual. Nas cenas, a artista apresenta a bandeira dos Estados Unidos em vermelho, preto e verde, cores que simbolizam o pan-africanismo — movimento que busca a união dos diversos povos do continente africano.
Fonte: Jovem Pan