Ministério Público cancela nota técnica que considerava legal projeto ‘Escola de Gestão Compartilhada’ no DF e pede afastamento de militares | Distrito Federal


O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) revogou a nota técnica de 2019 que considerava legal a implementação do projeto Escola de Gestão Compartilhada. O documento autorizava o governo de Brasília “a manter instituições de ensino da rede pública de educação básica sob a orientação e supervisão do Comando da Polícia Militar e do Comando do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal”.

A medida foi tomada depois que um PM ameaçou “arrebentar” um estudante, de 14 anos, no Centro Educacional (CED) 1 da Estrutural, na semana passada (veja vídeo mais abaixo). O militar foi afastado e a PMDF disse que apura a conduta do servidor.

No documento, elaborado na terça-feira (10), e divulgado nesta quarta (11), a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) recomenda “que toda a equipe disciplinar do Centro Educacional 1 da Estrutural seja afastada”. A equipe disciplinar é composta pelos militares.

Segundo os promotores, o modelo cívico-militar “fere os princípios constitucionais da reserva legal e da gestão democrática do ensino público”, seguindo entendimento também do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG).

A Secretaria de Educação disse que recebeu do MPDFT um ofício solicitando informações técnicas sobre a implantação e desenvolvimento do Projeto Escolas de Gestão Compartilhada (EGC) e que “elabora a resposta junto às áreas responsáveis”

A Polícia Militar disse ao g1 que não compete à corporação “opinar sobre essa questão”. A Secretaria de Segurança não respondeu aos questionamentos da reportagem.

O que pede o Ministério Público

O Ministério Público, além de pedir o afastamento de todos os militares da escola da Estrutural, quer que a Secretaria de Educação apresente os índices de desenvolvimento da educação básica nas escolas que participam do modelo cívico-militar. Os promotores pedem acesso aos números de evasão escolar, de aprovação e reprovação, bem como dos pedidos de transferências e “outras informações que demonstrem a eventual melhoria da qualidade do ensino”.

O documento orienta também que estudantes não sejam mais levados às delegacias da Criança e do Adolescente “por suposto crime desacato cometido dentro da escola contra policiais militares responsáveis pela disciplina”.

A secretaria não é obrigada a cumprir as recomendações, mas tem um prazo de 10 dias para responder aos questionamentos.

As recomendações do Ministério Público

Prédio do Ministério Público do Distrito Federal – imagem de arquivo — Foto: Raquel Morais/G1

O Ministério Público do Distrito Federal elencou uma série de fatores para cancelar a nota técnica de 2019 que considerava legal o modelo cívico-militar no DF. Os promotores consideraram “a adoção de política autoritária e a repressão ao dissenso em escolas públicas” como um “verdadeiro retrocesso social”.

O MP destaca a formação pedagógica dos professores e “o desvio do gerenciamento da disciplina escolar”, além da “falta de habilidade” de PMs para solucionar situações de contexto escolar. Para os promotores, fica caracterizado “desvio de função”, uma vez que às polícias militares cabem o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública”.

Algumas das considerações da Proeduc:

  1. A adoção de política autoritária e a repressão em escolas públicas configuram “retrocesso social”;
  2. O desvio do gerenciamento da disciplina escolar para o registro de flagrantes infracionais por suposto desacato junto às Delegacias da Criança e do Adolescente é “inadequado e configura violação de direitos das crianças e adolescentes, além de demonstrar a falta de habilidade para solução de diversas situações cotidianas no contexto escolar”;
  3. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê o direito à “inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”;
  4. A Constituição Federal considera profissionais da educação professores habilitados e profissionais com formação em pedagogia;
  5. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;
  6. O regulamento do programa cívico-militar prevê falta disciplinar em comportamentos próprios da adolescência, como:
  • Utilização de acessórios (piercings, brincos, alargadores, boné, capuz e adereços diversos)
  • Sentar-se no chão
  • Conversar durante as atividades
  • Dobrar o uniforme desconfigurando-o
  • Consumir alimentos, balas ou mascar chicletes
  • Deixar de retribuir cumprimentos
  • Namorar ou beijar quando uniformizado (dentro ou fora da escola)

As escolas cívico-militar no DF

CED 2 de Brazlândia foi a 16ª escola a aprovar gestão compartilhada no DF – imagem de arquivo — Foto: Paulo H. Carvalho/ Agência Brasília

As primeiras quatro escolas públicas do Distrito Federal a aderirem ao modelo cívico-militar foram o Centro Educacional 1 da Estrutural, o CED 308 do Recanto das Emas, o CED 7 de Ceilândia e o CED 3 de Sobradinho. Atualmente, 16 colégios da rede pública de Brasília têm gestão compartilhada.

Estudantes do CED 1 da Estrutural protestam contra exoneração de vice-diretora

Estudantes do CED 1 da Estrutural protestam contra exoneração de vice-diretora

Estudantes do Centro Educacional 01 da Estrutural, no Distrito Federal, denunciam ter sofrido ameaças e violência policial durante um protesto feito na quinta-feira (5) contra a exoneração da vice-diretora Luciana Pain. A gestora estava de férias quando foi afastada da função.

Luciana Pain admite que se envolveu em debates com os militares ao longo da gestão compartilhada. Mas disse desconhecer os motivos de um “trabalho pedagógico estar sendo rasgado, jogado fora”.

“O que eu posso dizer, da minha impressão [pelo afastamento], é porque eu não aceito o modelo de gestão compartilhada calada. Não aceito todas as interferências que querem fazer. Eu questiono”, disse Luciana Pain na semana passada (veja vídeo acima).

As ameaças gravadas contra estudante na Estrutural

PM

PM’s ameaçam estudante no CED 1 da Estrutural, no DF

Vídeos gravados na escola cívico-militar da Estrutural, na semana passada, mostram dois militares aos gritos com um aluno de 14 anos, em uma sala de aula.

“Bota a mão pra trás, você. Tô falando sério. Tu não é machão? Lá em cima tu não é machão? No meio dos outros tu não é machão?”, dizia um dos PMs .

Quando o adolescente pergunta se vai apanhar, o PM responde com uma ameaça.

“-Se precisar. Você quer ver? Vem me ameaçar… Eu te arrebento”, diz o militar.

Em entrevista à TV Globo nesta quarta-feira (11), o capitão Raphael Broocke, porta-voz da PMDF, disse que os militares são “discriminados” pelos professores civis da unidade. Ele contou ainda que os estudantes ameaçaram depredar o prédio e agredir um policial no dia da abordagem.

Nesta quarta, a PM divulgou imagens de “armas brancas” – como facas e canivetes – apreendidas dentro da escola da Estrutural.

“A divulgação [das imagens] se faz necessária para entender o contexto do que aconteceu exatamente naquele dia, que culminou nessa situação que foi mostrada nos vídeos, em que o policial acaba proferindo palavras que não condizem com a nossa filosofia de gestão compartilhada. Mais do que buscar a verdade, a gente quer evitar qualquer atitude que seja semelhante, independente das causas”, diz o militar.

Faca e punhal que, segundo a PM, foram apreendidas em escola na Estrutural, no DF — Foto: PMDF/Divulgação

Conforme o porta-voz da PMDF, o militar foi afastado da escola e a conduta do servidor está sendo investigada. “A Polícia Militar é extremamente rigorosa em suas apurações e essa será mais uma que seremos extremamente rigorosos”, aponta o capitão.

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Fonte: Fonte: G1