Governo federal não retomou controle de frequência escolar de crianças que recebem Auxílio Brasil após volta às aulas presenciais | Educação


O governo federal não está verificando a frequência escolar de crianças cujas famílias recebem o benefício Auxílio Brasil, embora este seja um requisito do programa. Segundo especialistas, a retomada deste monitoramento é essencial para estimular a volta dos estudantes para as salas de aula após as interrupções causadas pela pandemia.

A assiduidade dos estudantes é um dos critérios para o pagamento do benefício, mas a verificação pelo sistema Presença, do Ministério da Educação (MEC), não está sendo feita desde 2020, quando os alunos foram afastados da sala de aula por conta da Covid-19. A falta de controle foi destacada pelo Banco Mundial em um relatório publicado em fevereiro deste ano, após a retomada das aulas presenciais na maioria dos estados. O banco é um dos financiadores do Auxílio Brasil, e divulga relatórios periódicos que avaliam o sucesso do programa em diversos aspectos.

Procurado pelo g1, o MEC disse que “devido à pandemia da Covid-19 no país, e considerando não haver prejuízo para as instituições envolvidas, incluindo as famílias beneficiárias, foi suspenso o efeito do descumprimento das condicionalidades na educação do Programa Bolsa Família e do Programa Auxílio Brasil, como seu sucessor, desde março de 2020, e permaneceu suspenso durante todo ano de 2021″ (veja a nota completa abaixo).

Em uma notícia publicada em seu site na última terça-feira (22), o MEC anunciou que vai passar a utilizar um Novo Sistema Presença. No texto, a pasta faz a ressalva de que “o sistema será alimentado com a frequência dos beneficiários a partir de 01/04/2022 até 27/04/2022”. No entanto, após a reportagem procurar a pasta, a nota consultada no dia 22 desapareceu do site do MEC.

Especialistas ouvidos pelo g1 criticaram a demora para retomar o controle e consideraram grave a falta de monitoramento durante o período de volta às aulas presenciais.

Movimentação de alunos e professores na Escola Estadual Raul Antônio Fragoso, na Vila Pirituba, Zona Norte de São Paulo, em foto d arquivo — Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

Aa frequência escolar mínima exigida para o pagamento do Auxílio Brasil é de 60% para crianças de 4 e 5 anos e 75% para estudantes de 6 a 21 anos. Segundo o economista Ricardo Henriques, que coordenou o desenho e a implantação inicial do Bolsa Família no Ministério de Desenvolvimento Social, esse tipo de controle em programas assistenciais é essencial para evitar a perpetuação da pobreza.

“Se as crianças não forem para a escola, o ciclo vicioso de perpetuação da pobreza vai se manter. Em regra, se você flexibiliza essa condição é porque você está mais preocupado com o alívio imediato da pobreza do que com a mobilidade social”, explicou Henriques.

“Uma simples transferência de renda é insuficiente diante da pretensão de fazer uma transformação da sociedade”, completou o economista.

Para pesquisadores, o acompanhamento da frequência, com dados precisos e confiáveis, é ainda mais urgente neste momento para tentar reverter os recentes retrocessos na educação.

Dados da pesquisa Retorno para Escola, Jornada e Pandemia, publicada pela FGV Social em janeiro deste ano, mostram que o tempo total de estudo dos alunos pertencentes ao Bolsa Família caiu à metade entre 2006 e 2020. A média semanal foi de 4 horas e 1 minuto para 2 horas e 1 minuto por semana em 2020, entre os estudantes de 6 a 15 anos.

App Auxílio Brasil — Foto: Reprodução

Relatório avalia programa

O Banco Mundial era um dos financiadores do Bolsa Família e, em 2020, aprovou um empréstimo de US$ 1 bilhão para reforçar o programa. Com a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, o dinheiro passou a ser usado para este fim. O recurso faz parte de um programa global para ajudar países a enfrentar a crise econômica causada pela pandemia de coronavírus.

Segundo um relatório do banco, publicado em fevereiro, o governo brasileiro também não estava fazendo a verificação das condições de vacinação para o pagamento do benefício – pelas regras do programa, crianças com menos de 7 anos precisam estar com a carteirinha de vacinação em dia. O relatório, no entanto, destacou que esse controle de saúde foi retomado, mas que o monitoramento da presença escolar segue parado.

“A transmissão de dados que permite o monitoramento das condições de saúde foi retomada, e o monitoramento na educação deverá ser retomado em março de 2022. Eventualmente, isso permitirá também retomar a aplicação de condicionalidades aos beneficiários e melhorar a classificação do projeto”, disse o banco, no relatório.

Embora o banco destaque que a retomada do controle vai melhorar a classificação do programa, o documento também faz ressalvas sobre o período em que o monitoramento ficou indisponível.

“De acordo com a PNAD Covid, em novembro de 2020, cerca de 95% das crianças beneficiárias do Bolsa Família com idades de 6 a 17 anos estavam matriculadas na escola – uma porcentagem semelhante às crianças não beneficiárias (96%)”, disse o relatório.

No entanto, o pesquisador e diretor da FGV Social, Marcelo Neri, acredita que o percentual de crianças matriculadas, destacado pelo relatório, não é um indicador tão sensível quanto a frequência escolar.

Volta às aulas na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) São Paulo, na Vila Clementino, na zona sul da cidade, que recebeu cerca de 52 alunos. — Foto: DEIVIDI CORREA/ESTADÃO CONTEÚDO

“O Bolsa Família condicionava o benefício não só à matrícula, mas também à frequência, que é uma variável mais precisa, mais sensível. Você precisa verificar não só se a criança está matriculada, mas quantos dias por semana ela estudou e quantas horas por dia. Se a resposta for nada, de que adianta estar matriculado?”, questionou Neri.

A avaliação é similar à do economista Ricardo Henriques.

“A gente precisa monitorar a permanência, porque a gente precisa que essas crianças sigam estudando e tenham um bom aprendizado. Eu não posso só saber da matrícula, é um dado insuficiente”, disse.

Na lei que instituiu o Auxílio Brasil, o governo determina que “a manutenção da condição de família beneficiária no Programa Auxílio Brasil dependerá, no mínimo, do cumprimento de condicionalidades relativas”, entre elas, “a frequência escolar mínima”.

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Para o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper e pesquisador na área de educação, esta condição não deveria ser cobrada neste momento. No entanto, ele avalia que o monitoramento precisa ser retomado para que seja feita uma busca ativa das crianças fora da sala de aula.

“Eu acho que não há necessidade de controlar agora, pois com a pandemia várias crianças ficaram fora da escola e [as famílias] não podem perder renda. Se voltar o controle, elas podem ficar mais pobres. Talvez faça sentido voltar no ano que vem”, disse Menezes.

“Deveria ser feito o monitoramento, porque as crianças precisam voltar para a escola depois desse período da pandemia. Para isso, você precisa saber quais crianças, em quais locais, estão fora”, completou.

De acordo com a pesquisa Retorno para Escola, Jornada e Pandemia, da FGV Social, as crianças mais novas saíram mais e retornaram menos a escola até o final de 2021, em comparação com as mais velhas.

Para Marcelo Neri, um dos autores do estudo, “é preciso ter incentivos para mães e pais mandarem as crianças pra escola, especialmente nessa fase de retomada”.

“Tá na hora de recuperar o prejuízo. Se a gente não fizer isso, é uma perda que vai perdurar por muitos anos”, disse.

Foto de arquivo mostra estudantes em aula na Escola Municipal de Ensino Fundamental Garcia D’Ávila, no bairro da Casa Verde, zona norte da capital paulista — Foto: Ed Viggiani/Estadão Conteúdo

A retomada do controle também foi defendida por Ricardo Henriques. Para ele, é importante que ele seja feito dentro de um contexto especial, considerando a crise.

“A gente passou por uma crise avassaladora, que desmontou o tecido social brasileiro, expôs uma quantidade enorme de pessoas à vulnerabilidade, ou agravou a vulnerabilidade daqueles que já viviam nessa situação. Por isso, é fundamental ser humano no desenho da política pública”, explicou.

Neste sentido, ele defendeu que o monitoramento tenha ênfase na busca ativa de estudantes.

“Neste momento tem que haver uma estratégia de busca ativa consistente e focada. É preciso ser ainda mais sensível nisso. Você precisa dar conta de dar acolhimento para as crianças. Não é só voltou [para a escola] e zerou o jogo”, destacou.

Veja a nota do Ministério da Educação:

Informamos que o Ministério da Cidadania é o órgão responsável pela gestão do Programa Auxílio Brasil e do antigo Programa Bolsa Família, bem como pela transferência de renda associada. Os inscritos precisam atender condicionalidades específicas para manutenção dos benefícios previstos, que se dedicam a estimular as famílias a exercerem seu direito de acesso às políticas públicas de assistência social, saúde e educação como elementos fundamentais para a inclusão social. A condicionalidade na educação é a contrapartida na qual os estudantes devem estar matriculados na Educação Básica e cumprir frequência mínima acompanhada em cinco períodos, com dois meses cada, por ano e por idade: 5 e 4 anos – 60% de Frequência – 6 até 21 anos – 75% de Frequência.

Devido à pandemia da COVID-19 no país, e considerando não haver prejuízo para as instituições envolvidas, incluindo as famílias beneficiárias, foi suspenso o efeito do descumprimento das condicionalidades na educação do Programa Bolsa Família (PBF) e do Programa Auxílio Brasil (PAB), como seu sucessor, desde março de 2020 e permaneceu suspenso durante todo ano de 2021. Em 2022, o cronograma de ações previstas voltadas para este público foi retomado normalmente.

Conforme calendário articulado entre o Ministério da Educação e o Ministério da Cidadania, o Sistema Presença é aberto para inserção do registro de frequência por alguns dias pré-determinados a cada período de acompanhamento. Contudo, não está impedida a realização de outras ações no sistema, como a transferência de estudantes, atualização de dados relacionados a localidade ou ações de busca ativa aos estudantes em situação de vulnerabilidade para evitar a evasão escolar.

Adicionada à suspensão dos efeitos, sem a suspensão do benefício por influência das condicionalidades da educação, houve necessidade de atualização do sistema de registro e coleta de frequência disponibilizado pelo Ministério da Educação – Sistema Presença. Assim como, adequações impostas pela Medida Provisória nº 1.061, de 9 de agosto de 2021, regulamentada pelo Decreto nº 10.852, de 8 de novembro de 2021 e a Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021, que institui o Programa Auxílio Brasil. Atualmente, o Novo Sistema Presença encontra-se disponível para a rede de profissionais do Programa Auxílio Brasil na Educação.

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Fonte: Fonte: G1