A professora da Universidade de Cambridge que protesta nua


A professora britânica Victoria Bateman diz que participa de protestos nus não apenas para aumentar a conscientização sobre causas que apoia, mas também para quebrar as normas sociais que consideram as mulheres com pouca roupa como intelectualmente inferiores. Victoria Bateman se recusa a escolher entre seu cérebro e seu corpo.
Dr Victoria Bateman via BBC
O trabalho diário da professora Victoria Bateman é ensinar economia para alunos da Universidade de Cambridge (Reino Unido), considerada uma das melhores do mundo.
E ela também é uma manifestante que frequentemente faz protestos contra políticas públicas nua.
“As pessoas me veem nua e dizem: ‘Ah, ela é estúpida, ela é uma idiota e deve ser louca.’ Eu quero enfrentar isso e dizer: ‘Não, eu sou um ser pensante de verdade'”, explica Bateman. “Não acho que ter meu corpo à mostra deva tornar o que tenho a dizer menos digno”, diz.
Bateman diz que uma propaganda de seu último livro foi banido pela Amazon, porque a capa foi considerada “sexualmente sugestiva”.
Ela conta que a decisão só foi revertida após uma campanha nas redes sociais. Para ela, isso é uma amostra do pensamento da sociedade de que as mulheres não podem fazer o que quiserem com o próprio corpo.
Capa do livro de Victoria Bakeman (Feminismo Nu: Quebrando o Culto da Modéstia Feminina, em tradução livre).
Dr Victora Bakeman via BBC
A imagem (da foto acima) não mostra seu corpo inteiro. É uma foto ampliada mostrando sua barriga e o contorno de seus seios.
“A história nos ensina que cada explosão de liberalismo foi seguida por uma era de repressão: a obscenidade medieval deu origem aos puritanos ‘originais’; a era georgiana dos seios saltitantes deu lugar aos vitorianos abotoados; e, agora, a revolução sexual deu lugar à cultura de pureza e censura do século 21.”
Defesa da nudez
Bateman diz que, com seus protestos, busca alterar a forma como a sociedade julga as mulheres.
Dr Victoria Bateman via BBC
Ficar nu em público não é crime na Inglaterra e no País de Gales, a não ser que se possa provar que a pessoa tinha intenção de perturbar e chocar. Quem entra com processo precisa comprovar essa intenção.
Bateman insiste veementemente que seus protestos não são agressivos.
“Meu objetivo não é atrapalhar processos, mas, em vez disso, chamar a atenção para um problema — seja a falta de mulheres na economia, as consequências do Brexit para as mulheres ou os ataques às liberdades corporais das mulheres”.
Ela diz que os protestos nus também ajudam a fazer as pessoas discutirem sobre a ligação entre roupas e respeito.
Grupos de direitos dos animais há muito tempo realizam protestos nus contra o uso de peles de animais. Grupos ambientalistas que pedem ações drásticas para impedir as mudanças climáticas também já usaram a nudez em protestos. Na política, protestos assim são menos comuns.
Universidade de eliteEla estudou em uma escola pública e depois cursou Cambridge, uma das universidades de elite do Reino Unido. Ela fez mestrado e doutorado em Oxford e se tornou professora na Universidade de Cambridge.
Quando criança, Bateman diz que estava acostumada a usar roupas modestas, mas, na adolescência, como muitas meninas de sua idade, ela começou a ir a festas usando saias curtas, tops pequenos e salto alto.
Ela ficou incomodada com o julgamento da sociedade em relação a garotas que mostram muito o corpo — como ela própria fazia quando adolescente.
No início de sua carreira acadêmica, ela sentia que estava perdendo muito tempo com sua aparência para manter um respeito intelectual.
“Por que estou me deixando levar pelo que alguns homens podem pensar de mim? Há muitas coisas mais importantes para se preocupar do que isso.”
Nudez e liberdade
Sua decisão radical de tirar a roupa também tinha uma raiz ideológica.
“O pudor feminino na verdade está prejudicando as mulheres. Isso dá aos homens muito poder sobre as mulheres. Porque no momento em que você coloca o valor de uma mulher em seu pudor, isso lhe dá o poder de minar o valor dela, de desrespeitá-la, de tratar mulheres que não são consideradas discretas como meros pedaços de carne, porque você não as está respeitando como qualquer outra mulher”, disse ela à BBC.
Essas atitudes dão lugar a uma série de opressões, na visão da professora.
“Isso alimenta políticas e práticas que ferem a liberdade das mulheres em todo o mundo, desde a retirada das mulheres das escolas no Afeganistão até o hijab obrigatório no Irã, juntamente com testes de virgindade, crimes de honra e pornografia de vingança”.
ProtestosHá 10 anos, Bateman decidiu usar sua posição de privilégio para fazer algo subversivo. Ela tirou a roupa e começou a posar nua para artistas mulheres. Depois, começou a trabalhar com artistas homens
Essas pinturas e esculturas artísticas logo foram exibidas em locais públicos.
“Eu percebi como muitas pessoas ficavam chocadas com meu retrato nua nas galerias. As pessoas se surpreendem ao descobrir que a mulher nua na pintura é uma acadêmica.”
Ela foi ganhando confiança para usar seu corpo para mensagens políticas e protestos públicos.
Como economista, ela fica chocada com o domínio dos homens na sua área. Até hoje, por exemplo, só duas mulheres ganharam o prêmio Nobel de economia.
Ela diz que a falta de mulheres economistas fez com que a análise econômica fosse vista apenas do ponto de vista masculino.
Em 2018, ela quis destacar o tema durante o maior encontro de economistas do Reino Unido. Ela entrou completamente nua em uma sala cheia de acadêmicos de ponta.
“Eu sou fisicamente pequena. Não sou fisicamente muito forte. Não sou uma ameaça para ninguém. Mas se você está nua em uma sala, as pessoas por algum motivo a veem como uma ameaça.”
Nesse evento, ela escreveu “RESPEITO” em seu corpo usando uma caneta de quadro para chamar a atenção para seu protesto. Como resultado, ela acabou estabelecendo um diálogo com os presentes no jantar de gala.
ReaçõesDurante a campanha política polarizada que culminou com a saída do Reino Unido da União Europeia, conhecida como Brexit, ela realizou um protesto nu em público.
Alguns curiosos tiraram fotos e postaram nas redes sociais, gerando comentários desagradáveis. Alguns homens comentaram sobre seus seios e pelos pubianos. Alguém até especulou que ela teria obtido qualificações acadêmicas dormindo com professores.
Algumas pessoas disseram a Bateman que ela estava arruinando suas realizações acadêmicas ao mostrar ao mundo seu corpo.
“Mas os ataques mais perversos e virulentos contra mim vieram de mulheres. Uma britânica nas redes sociais disse que eu estava atrasando o feminismo em um século.”
Ela respondeu a algumas dessas críticas e tentou explicar sua intenção.
Em seu novo livro Naked Feminism – Breaking the Cult of Female Modesty (Feminismo Nu: Quebrando o Culto da Modéstia Feminina, em tradução livre), ela aborda muitas dessas respostas negativas.
“Eu defendo que todas as mulheres merecem ser tratadas como dignas e com respeito, independentemente de seu pudor físico.”
LiberdadeA acadêmica de Cambridge acredita que a vida de muitas mulheres mudaria radicalmente se todos parássemos de fazer suposições com base em quanto do nosso corpo é visível ou coberto. Ela dá o exemplo das profissionais do sexo.
“Nós as varremos para debaixo do tapete. Nós as rotulamos, as chamamos de todos os tipos de nomes horríveis e pensamos que não sabem o que estão fazendo. E achamos que podemos julgar o que é certo para elas.”
Ela considera essa atitude extraordinariamente arrogante e elitista.
“Ainda temos um longo caminho a percorrer em termos de mudar a maneira como pensamos.”
As mulheres fazem a maior parte do trabalho não remunerado — como cozinhar, limpar, buscar comida ou água e cuidar de crianças e idosos. A instituição de caridade britânica Oxfam diz que se as mulheres recebessem um salário mínimo por esses trabalhos, o custo total disso seria superior a US$ 10 trilhões. Mas esse assunto quase não é discutido.
Bateman diz que aprecia todas as oportunidades de protestar nua contra homens poderosos e suas políticas. Ela também dá palestras e participa de eventos literários sem roupas.
Ela diz que seu ativismo não afetou suas aulas. Na verdade, seus alunos perguntam mais sobre feminismo, mulheres e economia do que nunca.
“Meu objetivo é um mundo em que todas as mulheres sejam livres para fazer o que quiserem com seus corpos e também com seus cérebros. Eu me oponho à proibição do lenço na cabeça tanto quanto me oponho ao hijab obrigatório. A sociedade e o Estado não deveriam ditar o que mulheres fazem com seus próprios corpos.”

Fonte: Fonte: G1