Situação das contas públicas é crítica, mas Brasil não está quebrado, dizem analistas | Economia


O conceito de “país quebrado” configura a falta de capacidade de pagar seus compromissos em dia e a impossibilidade de captar dinheiro. Para os especialistas consultados pelo G1, nenhuma das hipóteses está posta no Brasil. E eles vão além: está na mão do presidente evitar que o Brasil chegue a um cenário de quebradeira.

Nesta terça-feira (5), o presidente Jair Bolsonaro afirmou a um grupo de apoiadores que o “Brasil está quebrado” e que, por isso, ele não consegue “fazer nada”.

“É surpreendente que o presidente da República dê uma declaração dessa porque ele tem todos os instrumentos na mão para propor os ajustes necessários para que o país não chegue a essa situação”, diz a economista e sócia da consultoria Oliver Wyman, Ana Carla Costa Abrão.

“Ele (Bolsonaro) está há dois anos no cargo, e o diagnóstico em relação à fragilidade fiscal do país já vem sendo feito antes de ele assumir o cargo.”

Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda do governo José Sarney acrescenta que declarações impulsivas do presidente, como a feita nesta terça, também podem empatar a recuperação do país.

“Não é papel do presidente fazer uma declaração equivocada e por impulso de que o país está quebrado. O que vai pensar um investidor? O papel do presidente é liderar um conjunto de reformas em articulação com o Congresso para livrar o país desse destino de insolvência interna. E isso requer liderança”, afirmou.

O ex-ministro relembrou que o país já quebrou no passado: em 1930, durante a grande depressão mundial, e nos anos 1980, na crise da dívida externa. Hoje, no entanto, ele garante que o Brasil está “confortável” na questão internacional.

“Tudo indica que os investidores não vão levar [a declaração] muito a sério. Nessa altura, o ministro Paulo Guedes está buscando uma resposta para evitar um pânico de credores. Podemos quebrar um dia se não forem feitas as reformas, mas não estamos quebrados agora”, analisou.

De fato, a situação das contas públicas tem sido o principal nó da política macroeconômica do Brasil nos últimos anos. Desde 2014, o país gasta mais do que arrecada e, portanto, acumula sucessivos déficits primários, o que tem levado a um aumento do endividamento do país.

Todo esse quadro piorou com a pandemia provocada pelo coronavírus. Para mitigar os efeitos da crise sanitária, o governo teve de despejar dinheiro na economia para evitar um tombo ainda maior do Produto Interno Bruto (PIB). Entre janeiro e novembro, por exemplo, as contas do governo apresentaram um déficit primário recorde de R$ 699,105 bilhões. Foi o pior resultado para o período, da série histórica iniciada em 1997.

Com um rombo tão grande, a dívida bruta deve ter superado o patamar de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. Em 2019, ela encerrou a 75,8%.

“Não dá para dizer que o Brasil está quebrado agora, inclusive tem investidor entrando (país), tem leilão do Tesouro acontecendo”, afirma o analista de contas públicas da consultoria Tendências, Fabio Klein. “Se o Brasil estivesse quebrado, nada disso estaria ocorrendo.”

O fato de que boa parte da dívida brasileira é denominada em reais evita esse cenário de “Brasil quebrado”, afirmam os analistas. Ou seja, num caso extremo, o governo brasileiro emitir mais moeda para se financiar e honrar os seus compromissos. Esse tipo de medida, no entanto, pode desencadear consequências severas, como o aumento da inflação.

Além disso, as reservas internacionais de mais de US$ 356 bilhões servem de proteção para o débito.

“Um país só quebra em casos extremos, com dívida em dólar, e quando não consegue captar para pagar serviço e juros. O Brasil não passa por isso”, afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.

“Não se trata de um país quebrado. Estamos endividados na nossa própria moeda, diferentemente de situações passadas ou mesmo de países vizinhos que, recentemente, precisaram recorrer a empréstimos externos. A situação é grave porque não há rumo”, acrescenta Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

A falta de rumo apontada por Salto se dá porque o governo teria de endereçar uma série de reformas na área fiscal para evitar que a situação das contas públicas se agrave ainda mais.

Na leitura dos especialistas, a equipe econômica precisa levar adiante medidas que tragam algum fôlego para as contas públicas e ajudem a manter o teto de gasto, mecanismo que limita o crescimento das despesas do governo em relação ao ano anterior.

Na lista dessas medidas necessárias estão, por exemplo, a proposta de emenda constitucional (PEC) emergencial. A medida, que tramita no Senado, cria mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, estados e municípios. Ela permite, por exemplo, a redução da jornada e do salário dos servidores, abrindo espaço nos orçamentos.

Há ainda a necessidade de o país aprovar uma reforma administrativa, que também traga um fôlego para as contas públicas.

“É óbvio que a gente está numa situação de fragilidade fiscal e, se nada for feito, o país vai quebrar. Mas para evitar esse resultado nada como o presidente da República tomar as medidas necessárias para conseguir aprovar as reformas que evitarão esse quadro definitivo de insolvência”, afirma Ana Carla.

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Fonte: G1