Síndrome da impostora: saiba como lidar com a insegurança nos negócios | PME


Medo de colocar as ideias em prática, sentir que não é boa o suficiente ou que a qualquer momento vão descobrir que você é uma fraude… Quem tem esses medos, mesmo tendo conhecimento e possibilidades práticas de agir, pode ser mais uma vítima da síndrome da impostora.

O termo surgiu em 1978, quando as psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes, da Universidade do Estado da Geórgia, estudaram um grupo de 150 mulheres que tinham muito sucesso e, mesmo assim, se sentiam uma fraude. O problema afeta principalmente as mulheres e é caracterizado pela falta de confiança e pela autossabotagem.

“Quem sofre com essa síndrome acha que nunca é boa o suficiente ou que não merece o sucesso”, conta a jornalista e empresária Daniela Arrais.

Muitas empreendedoras ou mulheres que querem dar o primeiro passo para abrir um negócio passam por isso (veja depoimentos e dicas de como superar o problema abaixo).

Há 1 ano, Daniela começou a se interessar sobre o tema e criou uma roda de conversa virtual para falar sobre suas vulnerabilidades. Depois, criou uma série no Instagram chamada “Fala que eu não te escuto, impostora!”, onde entrevista mulheres para entender quais as estratégias que cada uma delas usa para fugir desse autoboicote.

Daniela Arrais estuda o tema da síndrome da impostora e criou estratégias para lidar com a questão — Foto: Gus Machado

“Parece que quanto mais eu aprendi sobre síndrome da impostora mais eu fui criando coragem para fazer as coisas que eu quero. Quando você se dá conta de que várias mulheres passam por isso, que várias pessoas brilhantes não estão fazendo o que querem, dá raiva. Não dá mais pra perder tempo”, diz Daniela.

Para a empreendedora, é preciso entender que esta não é uma questão individual – é uma questão estrutural da sociedade: “O mundo é desenhado pelos homens e para os homens. São eles que ocupam os lugares, as empresas. O mundo não nos quer ocupando esses espaços, mas ocupamos mesmo assim”.

Empreendedorismo e a síndrome da impostora

Daniela começou a empreender há 11 anos quando, junto com Luiza Vol, criou a Contente, plataforma de comunicação que estimula uma vida digital mais consciente. Burlando a síndrome da impostora de várias formas, elas inovaram usando o Instagram quando a plataforma ainda não era usada para meios comerciais. Em 2011, criaram um projeto chamado Instamission.

“Foi esse projeto pioneiro que nos tornou empreendedoras. Convidávamos as pessoas para fotografarem o mesmo tema. Inventamos uma forma das marcas estarem no Instagram muito antes de existir conteúdo patrocinado. A partir daí, os temas das fotos começaram a ser patrocinados. Trabalhamos com mais de 200 grandes marcas”, conta.

“Percebi muito tempo depois que nosso trabalho não era legitimado, mas nunca foi uma brincadeira, somos empresárias à frente de um negócio que dá certo”, afirma.

As sócias perceberam o quanto muito de suas inseguranças eram pautadas pelo preconceito. Daniela cita dois exemplos: quando o negócio começou a fazer sucesso, elas eram chamadas de “as meninas da Contente”, em uma clara infantilização que não condizia com o trabalho de duas empresárias. Em uma ocasião, fazendo fotos para a reportagem de uma revista, sugeriram que elas dessem as mãos. “Se a gente fosse homem, essa seria a pose da foto?”, questiona.

Mas como fugir da síndrome da impostora e ter sucesso nos negócios? Daniela dá dicas práticas:

Escrever ajuda a organizar os pensamentos. Quando sentir que está se boicotando, coloque no papel como você está se sentindo – tente entender se aquilo faz sentido ou se é só uma voz na sua cabeça.

2. Converse com outras empreendedoras

Escolha pessoas próximas em quem confiar, com quem trocar. “Eu gosto muito de fazer rodas de conversa, porque junto com outras mulheres a gente consegue avançar mais rápido. Às vezes, nem precisa ser sua amiga, mas alguém com quem você tenha afinidade. Faça um grupo no WhatsApp, uma conversa no Skype, no Zoom, e crie esse momento de troca. Você não está sozinha”, sugere Daniela.

3. Esqueça o perfeccionismo

Muitas vezes, as mulheres sentem que precisam dar conta do trabalho, da casa, do filho, de ser uma boa amiga, de saber tudo o que está acontecendo no país, de saber os seriados que todo mundo está assistindo. Mas isso não existe. Esse perfeccionismo nos impede de agir, porque enquanto a gente não nos vir como sujeitos passíveis de falhar, a gente se cobra um preço muito alto.

4. Pense nos feedbacks positivos

Quando você fez um trabalho muito bom, o que te disseram? Guarde os e-mails que recebeu com elogios, documente os retornos positivos. Quando estiver se sentindo mal e com dúvida do seu potencial, releia, relembre e recorde a sua força.

Tem coisas que nem a escrita, nem a roda de conversas resolvem. Tem que olhar para dentro, entender que esse mergulho beneficia nossa vida. Nisso a terapia ajuda.

6. Celebre suas vitórias

Como você honra o caminho que traçou? Como você sustenta aquele tempo de celebração em vez de já querer outra coisa? Comemore as coisas boas! Muitas vezes, esperamos tanto uma conquista, que quando ela vem, a gente celebra, mas já pensa na próxima tarefa, porque vivemos nessa sociedade da performance, onde é preciso sempre conquistar mais.

Dani conta como foi positivo ter uma mentora para sua empresa: “É muito bom você ver como alguém com mais experiência resolve um problema que para você tá gigante e a pessoa por já ter mais estrada, olha e fala: ‘é isso aqui, pega esse caminho aqui’”.

Outra dica é: se você já está em um ponto de se sentir mais confiante, se coloque como mentora para outras mulheres, ofereça seu conhecimento e seu apoio, para que outras mulheres consigam trilhar esse lugar.

Muitas vezes, já está tudo pronto, só é preciso agir, fazer, colocar em prática. “Enquanto a gente está com um projeto na gaveta, ele é perfeito, irretocável, e a gente está imune às críticas. Quando você coloca no mundo, acontece um monte de coisa legal, inclusive feedbacks que vão te ajudar a melhorar. Então, o melhor dia para começar realmente é hoje”, alerta Daniela.

As histórias de quem passou por isso

O G1 perguntou a várias empreendedoras o que elas sentem e fazem com relação à síndrome da impostora. Leia nas palavras de cada uma:

Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora, a maior rede de apoio ao empreendedorismo feminino no Brasil.

Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora — Foto: Arquivo pessoal

Tenho várias estratégias para driblar a síndrome da impostora. Começo por trabalhar meu autoconhecimento, procurando entender quais são minhas forças e fraquezas. É um passo importante para entender o sentimento de impostora.

Procuro não ter medo de errar e, apesar de vivermos em uma sociedade que julga o tempo inteiro as mulheres, evito ficar presa a estes julgamentos. Tenho medo dos riscos, mas não deixo ele me dominar, me motivo a seguir apesar do medo. Depois, me preparo e busco apoio.

Falo sobre minhas inseguranças, porque com o tempo entendi que demonstrar fragilidade é sinal de força. Recupero minha jornada sempre, de onde vim, quais os desafios que já enfrentei e neste resgate busco energia. Procuro não me comparar com outras pessoas e busco sempre os meus objetivos. Também busco aprender sempre e me manter atualizada, mas não faço disso uma competição. Sei que nem sempre estaremos preparadas para todos os desafios, mas arriscar faz parte do processo.

Ana Carolina Teixeira de Souza, criadora da Casa Roseiral, assessoria de casamentos, e da Casa Kit, que vende kits de comida.

Ana Carolina Teixeira de Souza, criadora da Casa Roseiral e da Casa Kit — Foto: Arquivo pessoal

Venho de uma família que valorizava muito o emprego formal, então eu não tinha uma figura empreendedora de referência, mas, sim, as histórias dos meus tios, do meu pai, de passar uma vida inteira trabalhando no mesmo lugar, com carteira assinada.

Empreender pra mim era um campo desconhecido e muito desafiador, estava muito associado aos donos das empresas em que trabalhei, homens brancos e ricos. Se não estivesse empregada, cursando administração, eu, uma mulher negra, lésbica e de origem simples, seria uma fracassada, alguém que precisou improvisar um trabalho.

A Casa Roseiral nasceu de um formato de assessoria de casamento que saiu da minha cabeça e isso acabou sendo desconfortável, porque eu sempre me questionava: “Quem é você para ter um CNPJ? Que assessora é essa que não tem um diploma?”.

Quem me creditou como empreendedora foi minha companheira e receber esse apoio me fez continuar resistindo. E muita terapia também, pois a síndrome da impostora desdobra muitas camadas, questões profundas que foram reforçadas por muito tempo e, se eu vacilar, caio nela de novo.

Foi durante a pandemia que entendi que sou respeitada pelos meus clientes justamente por ter uma inclinação ao que é original, por me assumir como sou. Mas o momento pandêmico também me trouxe um novo desafio. Eu como assessora de eventos, uma profissional em promover aglomerações, acabei sendo paralisada e precisei pensar num plano B. Aí nasceu meu novo empreendimento: A Casa Kit.

Vender comida imediatamente foi colocado num lugar de desprestígio e antes de tomar a decisão de criar a nova marca me vi esbarrando novamente nessa equação: improvisando, vão notar que estou interpretando o papel de vendedora de comidas. O mais engraçado de tudo isso é que eu acredito muito na qualidade do meu produto e, mesmo assim, a crise voltou a me rondar novamente. Mas reconheci logo de cara, me fortaleci na minha rede de proteção, meus amigos, minha família, que sempre dizem que não sou uma impostora.

Mariana Scioti, idealizadora e chef criativa do restaurante Quincho

Mariana Scioti, idealizadora e chef criativa do Quincho — Foto: Arquivo pessoal

Acho que a síndrome do impostor é potencializada em mulheres porque socialmente a gente não é estimulada a ser ambiciosa, no aspecto positivo, a se impor, se posicionar e ser assertiva com relação a coisas que temos certeza. É um pensamento coletivo de que a mulher não pode buscar um crescimento profissional expressivo.

Outra coisa que é muito importante pra mim é conversar com meu marido, que também é meu sócio, e com quem tenho muita afinidade. O feedback dele é muito importante. Ele sabe das minhas falhas e, às vezes até melhor do que eu, sabe dos meus pontos fortes, porque ele é um grande apoiador do meu crescimento profissional. Muitas vezes é ele quem me coloca no prumo de acreditar em mim e fazer acontecer.

Já tive inúmeros momentos em que me vi questionando habilidade minhas que sei que são positivas e, inclusive, são meus pontos fortes. O amadurecimento me trouxe um olhar para isso de uma forma mais profunda. Pra mim, a terapia é o principal caminho pra conseguir se entender, porque as dúvidas ainda batem forte mesmo em circunstâncias que a gente sabe que domina.

Também acho legal a gente sempre procurar resultados concretos das ações positivas que a gente tem. Isso é quase como um argumento a favor de si mesma. Quando eu questiono certas coisas, eu paro também pra listar resultados que eu tive através do meu trabalho. É importante ter esse olhar analítico com o trabalho que exercemos.

Ana Claudia Silva, fundadora e CEO da Afra Design, marca de moda e papelaria afro

Ana Claudia Silva, fundadora e CEO da Afra Design — Foto: Arquivo pessoal

Já sofri com a síndrome da impostora e penso que grande parte das mulheres em algum momento da sua carreira se pegam nesse dilema. No meu caso, como uma mulher negra, mãe com três filhos, moradora de periferia, os desafios psicossociais foram presentes durante minha ascensão.

A expectativa das pessoas em relação ao meu potencial acadêmico e profissional sempre foi de diminuir, de baixar as expectativas em relação ao lugar que eu poderia chegar. Sempre fui muito consciente desses desafios, pois tive uma base familiar sólida que me educou com consciência de classe, gênero e raça, pregando a igualdade de direitos e a dificuldade de equalizar os acessos. Meus pais me apoiaram para enxergar as oportunidades, conquistas e focar nos meus sonhos.

Precisei de muito apoio emocional da minha família e também de apoio espiritual para ressignificar minha existência. A cada conquista, me vejo duvidando se é real, mas rapidamente retomo a toda minha base familiar, olho meus diplomas e formações, faço uma linha do tempo da minha jornada e entendo que sim, sou merecedora!

Depois de adulta, após muitas batalhas internas e externas com a minha profissão como docente, comecei a empreender. Me tornei empresária fundando minha linha de produtos autorias com foco em representatividade e inclusão. Por algum tempo, me via como uma pessoa que sabia que trabalhou muito para conquistar o que tinha, mas não aceitava os méritos. Pensava que eu deveria ter expectativas menores do que as que eu coloquei como meta para minha empresa. Não é fácil lutar com as mensagens verbais e não verbais das pessoas, quando elas tentam colocar barreiras em sua expansão.

Lisiane Lemos, especialista em transformação digital e cofundadora do Conselheira 101

Lisiane Lemos, cofundadora do Conselheira 101 — Foto: Paulo Barros

Quando sou tomada pela síndrome da impostora eu procuro olhar meu currículo e me lembrar de todas as coisas que eu já fiz e amei.

Em minha trajetória, pude impactar pessoas que posteriormente dividiram o quanto a sua realidade mudou por uma mensagem, um incentivo, uma recomendação que eu dei. Isso me faz lembrar onde meu trabalho pode chegar.

Além disso, leio a descrição da minha vaga, reafirmo que ocupo aquele lugar. E em geral, sempre penso que já passei por muita coisa, por situações piores do que essas em que tento me sabotar, mas sobrevivi.



Fonte:G1