‘Se eu me arrependo? Muito’, diz dono de bar que se esforçou para manter estabelecimento na crise | Economia


Um ano inteiro acumulando dívidas, toda a reserva financeira esgotada, sem acesso a crédito no mercado, obrigado a garantir nove meses de estabilidade para cinco funcionários e sem nenhuma perspectiva de mudança no curto prazo. Esse é o saldo de 12 meses de pandemia para o empresário Irenildo Barbosa, o Bigode, de 65 anos, dono de um bar na Zona Sul do Rio.

“Se eu me arrependo[por ter insistido em manter o bar aberto]? Muito. Se eu pudesse ter uma bolinha de cristal quando começou a pandemia e eu ainda tinha uma graninha, eu tinha detonado tudo, demitido todo mundo. Tinha fechado isso aqui e tinha ficado em casa. Porque aí eu pegava uma ajuda do meu filho só para comer, porque eu tenho casa própria, e ia levando”, confidenciou Bigode.

Bar do Bigode, que ficava lotado durante o almoço antes da pandemia, mas passou a amargar sumiço dos clientes — Foto: Daniel Silveira/G1

O G1 acompanhou ao longo de um ano as histórias de empreendedores que tentaram sobreviver à crise provocada pela pandemia do coronavírus e pelo fechamento dos negócios necessário para conter a disseminação da doença. Veja aqui o que os mesmos empresários contaram em abril; em maio; em julho; em setembro, em dezembro, e os novos depoimentos este mês:

Veja também o que Irenildo Queiroz contou ao G1 nos meses anteriores:

Quando começou a pandemia, a maior preocupação de Bigode era manter o emprego dos dez funcionários no bar que havia fundado 14 anos antes em Botafogo, um dos principais endereços comerciais da Cidade Maravilhosa. Mas ele sequer tinha ideia de como iria fazer isso. No horizonte pairavam apenas incertezas. Um ano depois, ele se vê sem saída.

“As coisas vieram acontecendo devagarinho. Eu sempre acreditei que ‘no mês que vem vai melhorar’. Muita gente dizia pra mim que eu era muito otimista. Agora, na situação que eu me encontro hoje, eu nunca pensei estar”, lamentou.

O G1 entrevistou Bigode pela primeira vez no dia 16 de março de 2020, data em que o governo do estado decretou situação de emergência no Rio de Janeiro por causa da pandemia. Duas semanas depois, um decreto estadual obrigou bares e restaurantes a fecharem as portas.

Em maio, confinado em casa e sem data prevista para poder reabrir o bar, Bigode se dizia “sem perspectiva nenhuma”. Em junho, toda a reserva financeira dele havia acabado, usada para quitar as contas mensais do estabelecimento. Após cerca de 100 dias fechado, o bar foi autorizado a reabrir e contou com a doação surpresa de cerca de R$ 12 mil, arrecadados pelos clientes – foi o estímulo para recobrar o otimismo.

Mas Botafogo virou um bairro deserto se comparado ao período pré-pandemia. As empresas e universidades vizinhas ao bar, que lhe garantiam clientela grande e fiel, implementaram atividades remotas. Bigode passou a faturar apenas 10% do que conseguia antes. Em setembro ele já considerava que o ano seria um “desastre” para os negócios. Em dezembro, já não tinha “mais fôlego”.

“Eu sempre acreditei que a situação ia melhorar porque o meu bar sempre vendeu muito bem. Sempre vivi muito bem trabalhando ali só de segunda a sexta. O bar estava sempre cheio, de manhã, de tarde e de noite”, enfatizou.

Bigode ressaltou que insistiu em manter o bar aberto por necessidade, não por apego, mesmo sem perspectivas de ver o local lotado de clientes novamente no curto prazo.

Empresário Irenildo Barbosa diz, passado um ano de pandemia, se arrepender por ter insistido em manter bar aberto — Foto: Daniel Silveira/G1

“Eu não tenho outra fonte de renda, eu só tenho essa. Eu não tenho onde me apegar. Eu não tenho heranças de ninguém, eu não tenho papai e mamãe que deixou alguma coisa pra mim, eu não tenho. Eu só conto com a ajuda de Deus e do meu trabalho”, disse.

Fim da suspensão de contrato agravou situação

O baixo faturamento garantia a Bigode o pagamento das contas básicas do bar. Os alugueis das quatro lojas vinham sendo pagos com atraso e renegociação mensal. A situação se agravou já em 2021, com o retorno ao trabalho dos cinco funcionários que tiveram o contrato suspenso por meio do Programa de Manutenção do Emprego e Renda, criado pelo governo federal diante da pandemia – os outros cinco funcionários pediram demissão antes do bar reabrir.

“Meu filho que me deu uma ajuda para eu pagar os salários deles em fevereiro, porque o que estou faturando não dá para pagar nada”, contou.

Com a suspensão do contrato, o governo assumia o pagamento proporcional do salário. Em contrapartida, a empresa ficou obrigada a garantir estabilidade dos funcionários pelo mesmo prazo em que ficaram suspensos.

“Hoje a gente se encontra numa situação complicada, porque o governo não liberou mais a suspensão de contratos. Nós não temos nenhuma linha de crédito atualmente que dê acesso pra gente, ainda mais nós que estamos cada vez mais endividados. Como é que eu vou garantir estabilidade para eles?”, questionou

Para o empresário, o governo precisava oferecer novo socorro aos micro e pequenos empresários, uma vez que a pandemia segue em curso e a crise financeira decorrente dela se agrava a cada mês.

“A cada dia que passa a gente fica se endividando mais e a gente não vê o governo fazer alguma coisa mais concreta. Os endividados vão conseguir pagar as contas? O governo tinha que liberar mais alguma coisa”, insistiu.

Mas Bigode admite não acreditar em nova ajuda do governo. Também diz não estar mais otimista de que o faturamento do bar aumente a ponto de garantir fechar as contas mensais. Questionado, ele disse que ainda não estipulou prazo para manter o bar nas condições atuais. Porém, dá quase como certo que março será o último mês do Bar do Bigode.

“Eu não estabeleci esse limite [até quando insistir]. Mas, do jeito que as coisas vão, eu não estou vendo muito jeito de emplacar mês que vem, não. Eu acho que não vou conseguir passar o mês que vem, não. Esse mês eu estou passando só Deus sabe como”, disse.



Fonte: G1