Resolução do Conama que permite queima de embalagens de agrotóxicos em fornos de cimento entra em vigor; entenda | Agronegócios


A alteração das regras para o chamado coprocessamento foi um pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e conta com o apoio dos produtores de cimento. Eles defendem que essa técnica permite melhor aproveitamento de resíduos e que a nova norma segue padrões internacionais.

Outro setor que se beneficiou foi o da indústria de pesticidas, que tinha esse pleito desde 2016, mas afirma que foi pega de surpresa com a mudança.

Segundo esse setor, a intenção é de incinerar apenas as embalagens não lavadas, que representam cerca de 6% do que é recolhido e contêm poucas quantidades de agrotóxicos.

Para especialistas, no entanto, os fornos de cimento não são preparados para queimar esse tipo de embalagem, podendo deixar no ar fuligem e gases que podem fazer mal às pessoas e animais.

Porém, destacam que a mudança não é um “cheque em branco”. Isso porque a nova resolução do Conama não altera a lei de agrotóxicos que define, desde 2002, que agricultores devem devolver as embalagens de pesticidas a quem eles compraram.

A destinação de embalagens de agrotóxicos — Foto: Arte/G1

A mudança decorre da polêmica reunião do Conama, realizada no último dia 28, em que o Ministério do Meio Ambiente revogou regras ambientais para a proteção de manguezais e restingas.

Parte das decisões do encontro está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal (STF), que vai julgar o caso.

A resolução da queima de lixo tóxico, publicada no “Diário Oficial da União” nesta quinta, não está sendo debatida na Justiça.

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O que é o coprocessamento?

A resolução trata do coprocessamento de resíduos em fornos de clínquer.

O clínquer, que tem uma aparência que lembra a do carvão, é matéria-prima do cimento. Ele é uma mistura de calcário, argila e componentes químicos, como alumínio, silício e ferro, e precisa de altas temperaturas para se fundir.

De maneira simples, a resolução autoriza a utilizar lixo de diversas procedências, menos os radioativos, explosivos e de serviços de saúde, para alimentar esses fornos, produzindo o calor necessário.

“O coprocessamento é uma técnica segura e ambientalmente adequada de destinação de resíduos, de acordo com as premissas constantes na Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (Lei nº 12.305/10”, afirma a CNI.

Autora da proposta, a confederação das indústrias e os produtores de cimento argumentam que a nova resolução apenas retira o termo “agrotóxico” das restrições, mas que isso não significa que os pesticidas serão incinerados por si só.

A ideia é de que sejam usadas apenas embalagens que contêm restos dos pesticidas, as que não foram lavadas.

O Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev), criado pelas indústrias de agrotóxicos, afirma que, no caso dos pesticidas, uma baixa quantidade de embalagens é incinerada, cerca de 6% do total recolhido.

A CNI diz ainda que a nova resolução foi baseada em normativas internacionais que tratam do tema, como a Convenção de Estocolmo, de 2001. E que a regra anterior, que vetava a queima de agrotóxicos nesses fornos, tinha mais de 20 anos e estava defasada.

“Essa tecnologia tem amplo reconhecimento internacional quanto à sua efetividade para destinação final de resíduos, não gerando novos resíduos e contribuindo para a preservação de recursos naturais ao substituir matérias-primas ou combustíveis fósseis no processo de fabricação do cimento.”

Fábrica de cimentos — Foto: Divulgação/Procon-MA.

A Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), que realizou os estudos técnicos para a confederação, defende que a técnica existe desde a década de 1970 e que conta “com controles rígidos de processos ambientais”.

“A partir desta ação, a indústria do cimento pretende reduzir 30% do total de emissões de CO2 até 2050 e substituir 55% do combustível fóssil, promovendo a reciclagem, a vida útil dos aterros sanitários e a erradicação dos lixões, gerando renda e qualidade de vida aos brasileiros”, diz a ABCP.

Risco de emissões maiores

Segundo as indústrias, a medida criou, em contrapartida, uma lista de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), com ingredientes ativos de agrotóxicos, que determina limites máximos de emissão de gases para evitar contaminações.

Mas quem é contra a resolução afirma que ela poderia abrir brecha para emissões maiores, já que o texto diz que os órgãos ambientais poderão permitir o coprocessamento com concentrações acima do limite “desde que haja ganho ambiental”, o que seria um argumento subjetivo.

Bernardo Teixeira, professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), não considera adequada a liberação da queima de resíduos agrotóxicos em fornos de cimento.

“É questionável, não somente por conta dos agrotóxicos presentes nas embalagens, como também pela própria embalagem. Alguns plásticos possuem uma composição mais complexa que, na hora da queima, pode se transformar em um gás tóxico”, explica Teixeira.

Um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), apresentando antes da reunião do Conama, recomendou que o termo “agrotóxico” continuasse presente entre as restrições da resolução.

Fornos não são preparados

Outro ponto, segundo especialistas, é que o forno de cimento não é preparado para destruir as substâncias químicas de resíduos tóxicos ou mesmo para fazer um controle da saída delas para o meio ambiente, no momento da queima.

“Um resíduo tóxico que é queimado em um forno de cimento – que não é equipado para fazer algum controle das substâncias tóxicas – não desaparece. Ele vira gás, vira fuligem, poeira, vai para o ar, para a atmosfera. E as pessoas e os animais vão respirar esse ar”, afirma Teixeira.

Ele aponta que existem fornos com uma instalação apropriada para controlar ou destruir substâncias tóxicas. “Mas são poucos os que existem no Brasil. Algumas indústrias químicas possuem”, diz.

Forno utilizado na fabricação de cimento — Foto: Thiago França/G1

“A resolução da Conama não foi um cheque em branco”, afirma Sidney Shinke, gerente da divisão de avaliação do uso do solo e de resíduo, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).

Segundo ele, não foi retirada a responsabilidade dos órgãos ambientais estaduais de avaliar se determinado resíduo pode ou não ir para um forno de cimento.

Shinke conta que, no estado de São Paulo, existe a permissão para que os resíduos sólidos “não perigosos” sejam utilizados como combustível em fornos de cimento e caldeiras industriais, sem que eles causem “impactos ambientais adicionais ao ar, à água e ao solo, em comparação aos gerados pelo uso exclusivo de combustíveis convencionais”.

A logística dos agrotóxicos

Desde 2002, os agricultores são obrigados a devolver as embalagens de agrotóxicos a quem eles compraram. A exigência dessa “logística reversa” fez com que as indústrias produtoras de agrotóxicos criassem o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev), que ficou responsável pela retirada dessas embalagens.

A obrigação dos produtores rurais é para que eles lavem as embalagens dos agrotóxicos conforme orientação na bula do produto, a chamada lavagem tríplice. Com isso, os plásticos podem ser reciclados.

“No momento em que vai utilizar o produto, após esvaziar a embalagem, existe um mecanismo no pulverizador que faz a lavagem e joga o pesticida de volta para o tanque de aplicação”, explica João César Rando, diretor-presidente do Inpev.

Embalagem vazia de agrotóxico tem que ir para o lugar certo

Embalagem vazia de agrotóxico tem que ir para o lugar certo

“É igual lavar uma lata de molho de tomate, onde tiramos o produto que sobra nela. Quando se faz lavagem, os teores de contaminação são reduzidos. Se estiver assim, ela pode ser descontaminada e reciclada”, acrescenta Rando.

Papéis e outros pacotes precisam ser separados em uma sacola especial para serem entregues à indústria. Esses resíduos e as embalagens que não foram lavadas pelos agricultores são incinerados pelas fabricantes em empresas especializadas.

No último ano, foram recolhidas 45,6 mil toneladas de produtos já usados e, desse total, 94% foi reciclado, sendo transformado em dutos, conduítes, tubos para esgoto, entre outros. O restante, cerca de 2,7 mil toneladas, foi incinerado.

E é justamente essa parcela que o Inpev pretende destinar para o coprocessamento. O instituto vê a autorização como uma forma de reduzir os custos da logística reversa.

“A destinação de embalagens para incineração representa despesa, pois esse serviço é cobrado pelas empresas incineradoras. A expectativa, considerando as vantagens ambientais (…) é de que haja uma redução nos valores cobrados em comparação com a incineração”, explica o diretor do Inpev.

“A resolução tem muito mais a ver com outros resíduos urbanos do que com o nosso, que é pouco”, afirma João César Rando.

“Já existe, portanto, uma cadeia muito bem estabelecida de destinação desses resíduos. Então não vejo necessidade de queimar embalagem de agrotóxicos”, diz Teixeira, professor da UFScar.

Evento para coleta de embalagens vazias de agrotóxicos ocorre em Tatuí — Foto: Divulgação/Prefeitura de Tatuí

Movimentação de resíduos

O que define o que é resíduo perigoso ou não é a norma técnica (NBR) 10.004 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Exemplos de “não perigosos” são, por exemplo, restos de papel, papelão, alimentos, madeira, têxteis, latão, entre outros.

Já os perigosos possuem substâncias tóxicas. Shinke também afirma que os fornos de cimento não são equipados para destruí-las, mas diz, por outro lado, que a periculosidade de algumas substâncias podem ser “anuladas” durante a queima.

“O nível de periculosidade de um resíduo depende da concentração (quantidade) da substância tóxica presente no resíduo”, explica. “É por isso que precisa avaliar caso a caso, resíduo a resíduo.”

O Inpev afirma que fez, entre 2012 e 2016, testes autorizados de coprocessamento de embalagens de agrotóxicos em uma cimenteira do interior de São Paulo.

“Quando você incinera nas empresas licenciadas, o forno chega a cerca de 1.000ºC. Quando processamos em fornos de cimento, eles chegam até 1.500ºC. Nos dois casos, só sobra carbono, não fica um agente contaminante presente”, acrescenta.

De acordo com o gerente da Cetesb, para uma empresa movimentar um resíduo perigoso para uma outra empresa, no estado de São Paulo, ela precisa de um documento chamado de Certificado de Movimentação de Resíduos de Interesse Ambiental (Cadri).

“Antes da emissão do Cadri, a Cetesb avalia a compatibilidade do tratamento e a destinação do resíduo para o local indicado”, diz a companhia, em nota.

Shinke explica que a destinação dos resíduos é definida a partir da classificação deles na NBR 10.004. Se não for possível identificá-la na NBR, é feita uma análise química para saber o nível de periculosidade do resíduo.

Quando perigoso, o resíduo é destinado para um aterro ou para um incinerador específico para receber este tipo de material.

Segundo a Cetesb, os locais que recebem resíduos perigosos são licenciados pelos órgãos ambientais e estão sujeitos à fiscalização.

VÍDEOS sobre agrotóxicos:



Fonte: G1