Próximo governo terá de equilibrar mais despesas obrigatórias com menos receitas de impostos | De olho no orçamento


O próximo governo terá de enfrentar um desafio fiscal importante logo no primeiro ano de mandato: equilibrar um volume maior de despesas obrigatórias com menos receitas provenientes dos impostos.

Um mapeamento do que já foi anunciado, entre aumento de gastos e perda de arrecadação, mostra que o impacto fiscal já contratado para 2023 é de R$ 72,7 bilhões.

  • R$ 41,15 bilhões de aumento de despesa para custear a parcela complementar do Auxílio Brasil. O benefício social de R$ 400 vigoraria apenas em 2022, mas tornou-se permanente por decisão do Congresso Nacional. A mudança foi viabilizada sem nenhum tipo de compensação financeira.
  • R$ 27,4 bilhões de perda de arrecadação com a redução de 35% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Esse valor, porém, pode ser menor, caso prevaleça a decisão provisória do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu o corte do tributo para itens fabricados na Zona Franca de Manaus.
  • R$ 3,7 bilhões de aumento de gastos com o novo piso dos agentes comunitários de saúde. A Emenda Constitucional, que fixa um piso de dois salários mínimos (R$ 2.424) para a categoria, foi promulgada na última quinta-feira (desde 2021, esse valor era de R$ 1.550). Valor será integralmente bancado pela União.
  • R$ 0,5 bilhão de perda de arrecadação com a isenção de Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF).

De Olho no Orçamento — Foto: Arte/g1

“Temos um cenário bastante desafiador para as finanças públicas. Já temos despesas contratadas e isenções tributárias que afetam 2023”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências. “Qualquer passo mais irresponsável pode jogar o país num cenário bastante pessimista, no qual os agentes de mercado vão antecipando o risco (fiscal), o que piora o ambiente econômico do Brasil.”

Na prática, uma indicação de descontrole com as contas públicas nos próximos anos pode levar a economia brasileira para um cenário de fragilidade já conhecido de outras ocasiões. Quando a desconfiança dos investidores com a situação fiscal cresce, há uma saída de capital do país, afetando o câmbio e, consequentemente, a inflação. Nesse cenário, o Banco Central poder ter de subir ainda mais a taxa básica de juros (Selic), prejudicando a atividade econômica.

Senado aprova piso permanente de R$ 400 do Auxílio Brasil

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Aumento de arrecadação e corte de tributos

Em 2022, com a disputa pela reeleição no radar, o governo Jair Bolsonaro vem cortando bilhões de reais em tributos com a justificativa de repassar à população o excesso de arrecadação. A receita vem sendo inflada pela alta dos preços de bens e serviços e pelo boom das commodities, principalmente do petróleo.

Cortes de impostos chegam a R$ 57,5 bilhões em ano eleitoral

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No primeiro trimestre, a arrecadação do governo federal somou, em valores corrigidos pela inflação, R$ 556,7 bilhões, o que representa alta real de 11% na comparação com o mesmo período do ano passado (R$ 501,2 bilhões). Foi o melhor resultado desde o início da série histórica, em 1995.

“O governo tem uma receita recorde, que tem vindo acima do que a gente espera”, destaca Ítalo Franca, economista do banco Santander. “Mas boa parte está relacionada com as receitas de petróleo. Isso ajuda as contas públicas no curto prazo. A questão que fica é para frente, como é que vai ser esse ciclo de commodities.”

Nas contas do Santander, as receitas da União terão um reforço de R$ 150 bilhões, apenas neste ano, devido aos dividendos pagos pela Petrobras e pelos royalties obtidos com a exploração do petróleo.

Nesse cenário de cofres cheios, a pressão política por mais cortes de tributos segue intensa. Segundo o blog da comentarista Ana Flor, o governo já planeja novas reduções de impostos, com foco em aço, conta de luz e cesta básica.

Em Brasília, a equipe econômica tem alegado que parte do aumento da arrecadação é estrutural e que vai se manter no médio e longo prazos. Portanto, haveria espaço para o corte de impostos.

Despesas: aumento do funcionalismo e pisos salariais

Pelo lado das despesas, o que preocupa é o crescimento dos gastos obrigatórios, principalmente com pessoal, com reajustes do funcionalismo após 2 anos de salários congelados.

Os técnicos do Ministério da Economia terão de encaixar no Orçamento o reajuste prometido pelo presidente Jair Bolsonaro aos servidores do Executivo federal, além dos novos pisos aprovados pelo Congresso aos agentes comunitários de saúde e aos profissionais da enfermagem (este último ainda pendente de sanção pelo presidente).

Se Bolsonaro conceder um aumento linear de 5% a todos os servidores, como já sinalizou, o impacto será de R$ 12,6 bilhões em 2023, segundo cálculos da equipe do ministro Paulo Guedes. O governo, nentanto, reservou apenas R$ 11,7 bilhões para bancar o reajuste na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) do ano que vem.

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Desde o início do ano, a equipe econômica vem ressaltando as limitações orçamentárias para a concessão desses reajustes salariais – frisando que não há espaço no teto de gastos para aumentos expressivos, que reponham a inflação, por exemplo. Isso porque o valor disponível no Orçamento de 2022, para esses aumentos, é de apenas R$ 1,7 bilhão. Ou seja, se o montante superar essa cifra, o governo terá de cortar outras despesas.

Já o novo piso salarial da enfermagem, aprovado na semana passada pelo Congresso, mas que ainda precisa ser sancionado pelo presidente, deve ter impacto anual de até R$ 1,5 bilhão para a União, de acordo com estimativas do banco Santander.

No caso dos agentes comunitários, o custo estimado por técnicos do Congresso é de R$ 3,7 bilhões por ano – o governo ainda não apresentou um número.

Para completar, a equipe econômica ainda terá de lidar com o crescimento inflacionário de gastos obrigatórios relevantes, como o salário mínimo e os benefícios da Previdência, que deverão ser fortemente reajustados em 2023 por conta da alta da inflação deste ano.

Todo esse custo poderia ser ainda maior. Isso porque, mesmo com uma série de benefícios fiscais concedidos, o presidente Jair Bolsonaro optou por vetar a Lei Aldir Blanc, que obrigaria a União a repassar R$ 3 bilhões anuais para estados e municípios até 2027, com o objetivo de incentivar o setor cultural.

Inflação turbina teto e abre espaço para gastos

A situação das contas públicas só não é mais preocupante porque a alta da inflação em 2022 deve inflar o espaço no teto de gastos no ano que vem. Isso porque a PEC dos Precatórios instituiu que o teto passasse a ser corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apurado entre janeiro e dezembro.

Na LDO de 2023, o governo projetou um IPCA de 6,7% para este ano. Mas os analistas do setor privado já trabalham com um cenário bem pior para a inflação. Para o banco Santander, por exemplo, o índice deve encerrar este ano em 8,5% – diferença que abrirá um espaço de R$ 35 bilhões no teto do próximo ano.

“Vai haver uma discussão de quanto será reajustado o salário mínimo, o que deve comer boa parte desse ganho. O montante que ficará livre será por volta de R$ 15 bilhões, que é mais ou menos o espaço para esse aumento do funcionalismo”, afirma Ítalo.

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Desde a sua implementação, em 2016, o teto de gastos passou a ser considerado a principal âncora fiscal do país. O objetivo era ajudar a reduzir o endividamento do Brasil – considerado elevado para uma economia emergente. De lá para cá, porém, o teto passou por uma série de modificações, principalmente durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro – o que vem enfraquecendo a regra, segundo especialistas.

Na semana passada, o relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), defendeu a retirada do Auxílio Brasil – uma despesa de quase R$ 90 bilhões – do teto de gastos.

Os principais candidatos à presidência também vêm fazendo críticas à regra e defendendo a sua alteração. Para Ítalo, do Santander, o fundamental é que o país consiga ter uma âncora fiscal que seja cível. “A gente tem que ter uma consolidação fiscal crível. Ou seja, acreditar que aquilo de fato vai ser feito e que as contas públicas vão ser sustentáveis ao longo do tempo”, diz.



Fonte: G1