Por que a África se tornou um laboratório de moedas digitais? | Economia


O avanço dos projetos de moedas digitais em Gana e na Nigéria revelam o quanto a África tem levado a sério a revolução da internet na economia. Em menos de um mês, duas moedas nacionais, a cedi e a naira, passam a operar nas suas versões digitais.

Os maiores potências do mundo se planejam para dar esse passo – Estados Unidos, China, Reino Unido, União Europeia, Brasil, entre muitos outros. Em 2020, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) avaliava que 80% dos países estudavam a melhor maneira de digitalizar suas moedas nacionais, e 10% já estavam com projetos avançados nesse sentido.

É por isso que os olhos estão voltados para a experiência africana, particularmente a Nigéria, maior economia do continente, com 200 milhões de habitantes. As operações com o e-naira começam nesta quinta-feira (30).

“A África de fato é um laboratório ideal para as moedas digitais. Elas têm um papel muito importante na inclusão financeira das populações, que não teriam acesso às transferências bancárias, nem a contas no banco”, observa o economista Jude Eggoh, professor-convidado de universidades como a francesa de Angers. “São pessoas que vivem a dezenas de quilômetros de um banco, ou que não podem simplesmente retirar dinheiro num caixa eletrônico.”

No continente africano, as moedas digitais, regulamentadas pelas autoridades monetárias nacionais, proporcionarão a inserção financeira de milhões de pessoas e, por consequência, uma maior formalização da economia. Estima-se que 15% dos africanos não possuem uma conta bancária.

Por outro lado, o uso de celular com internet é disseminado, o que torna a migração diretamente para os pagamentos pelo telefone um passo relativamente simples. Além disso, as operações de pagamentos e transferência, inclusive para o exterior, se tornarão instantâneas e mais baratas, ao praticamente dispensarem os organismos financeiros como intermediários. Na Nigéria, as taxas pelas transações podem chegar a 9% no sistema tradicional.

“Mesmo quem mora em regiões afastadas das cidades poderá pagar contas e movimentar dinheiro, lembrando que os custos de deslocamento na África são muito elevados”, pontua o especialista em integração econômica e financeira. “Não é por nada que foram os países mais dinâmicos da África subsaariana que começaram a desenvolver os seus projetos”, complementa.

Fazer frente às criptomoedas

Desde agosto, a região é o lugar do mundo que mais concentra operações em criptomoedas, à frente até dos Estados Unidos. Para o BIS, apelido de Banco Central dos Bancos Centrais, as moedas virtuais têm urgência em avançar, do contrário correm o risco de serem ultrapassadas por “concorrentes” como os bitcoins.

É exatamente esse processo que acelera as movimentações na África, onde as criptomoedas são um refúgio para os cidadãos pagarem menos taxas e se protegerem da desvalorização das divisas nacionais.

“São moedas não reguladas e desenvolvidas por blockchain, sem nenhum controle do poder público, e que suscitam uma verdadeira corrida da juventude africana com acesso às tecnologias. As autoridades financeiras têm interesse em não apenas controlar esse fenômeno, como propor mecanismos de substituição”, frisa Eggoh.

Com a e-naira nigeriana ou a e-cedi ganense, os compradores poderão pagar qualquer compra e também poupar, por um aplicativo no celular. A moeda virtual se tornará, para os as milhões de pessoas à margem do sistema bancário tradicional, um instrumento mais seguro ao evitar as transações em espécie, muitas vezes em valores elevados.

“As criptomoedas se tornaram comuns para transferências pela diáspora africana em outros continentes pela simples razão que os custos são bem menores. Mas não esqueçamos que essas moedas são também usadas para o tráfico, o terrorismo, as drogas. É melhor não deixarmos prosperar um sistema de moeda paralelo”, salienta o pesquisador.

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Os planos também seduzem outros grandes países do continente, como África do Sul, Marrocos e Quênia. No resto do mundo, a China se apressa para se lançar na frente e pode ser a primeira grande economia a emitir a versão digital de sua moeda em larga escala. O projeto chinês, entretanto, suscita dúvidas sobre a privacidade dos usuários – o yuan digital poderia ser mais uma forma de o regime controlar os cidadãos.

Já Bahamas foi o primeiro país do mundo a lançar a sua moeda nacional digital, enquanto El Salvador se rendeu oficialmente ao Bitcoin.



Fonte: G1