O homem que previu o fim do capitalismo e que ajuda a entender a economia de hoje




Joseph Schumpeter nasceu em 1883 e morreu em 1950
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“O capitalismo pode sobreviver?”, se perguntou Joseph Schumpeter. “Não, acho que não”, foi a resposta dele.
Sua reflexão foi feita em uma de suas principais obras: Capitalismo, Socialismo e Democracia, de 1942.
Mas o grande economista austríaco não acreditava na ditadura do proletariado nem na revolução de Karl Marx. De fato, ele rejeitou o que entendia como os elementos ideológicos da análise marxista.
Para ele, o que levaria ao fim do capitalismo seria seu próprio sucesso. “Considero Schumpeter o analista mais penetrante do capitalismo que já existiu. Ele viu coisas que outras pessoas não viram”, disse Thomas K. McCraw, professor emérito da Escola de Negócios da Universidade de Harvard, ao Working Knowledge, o site da universidade.
Schumpeter “está para o capitalismo assim como Freud está para a psicologia: alguém cujas idéias se tornaram tão onipresentes e arraigadas que não podemos separar seus pensamentos fundamentais dos nossos”, disse o acadêmico.
Para Steven Pearlstein, professor da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, Schumpeter “era para a economia o que Charles Darwin é para a biologia”. Ele foi chamado de um dos melhores economistas do século 20, um gênio, um profeta. De fato, para vários economistas, o século 21 será o “século de Schumpeter”.
A tragédia
Schumpeter nasceu em 1883 em uma cidade da República Tcheca, que na época fazia parte do império austro-húngaro.
Schumpeter falava diversos idiomas
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Ele era filho único e perdeu o pai aos 4 anos de idade. Sua educação foi deixada para sua mãe e seu novo parceiro, que tinham vínculos com a aristocracia.
Embora ele estudasse direito, o tema que o atraiu foi a economia — ele se tornaria um dos alunos com mais destaque da Escola Austríaca de Economia.
“Schumpeter era um excelente aluno, leitor infatigável, mente viva e curiosa, mestre em várias línguas”, escreveu Gabriel Tortella, professor emérito de História e Instituições Econômicas da Universidade de Alcalá, no artigo Um profeta da social-democracia, publicado na revista Book.
Ele tinha uma personalidade carismática, era mulherengo e amava cavalos. Viveu por um tempo na Inglaterra, onde teve um relacionamento com uma mulher 12 anos mais velha que ele.
Sylvia Nasar, em seu livro “Grande Busca: A história do Gênio Econômico, conta que se casou com o economista, mas que, com o tempo, ambos reconheceram que o casamento havia sido um erro. Em 1913 eles se separaram e anos depois se divorciaram oficialmente.
Schumpeter se casou novamente em 1925, desta vez com uma mulher muitos anos mais nova. Mas um ano depois, uma tragédia abalaria sua vida: sua esposa morreu enquanto dava à luz seu filho, que morreu pouco tempo depois. Nesse mesmo ano, sua mãe também morreria.
Entre luxo e academia
Schumpeter viveu em Viena após a Primeira Guerra Mundial e a queda do império austro-húngaro.
Schumpeter viveu a Primeira Guerra Mundial, que causou grandes estragos na Europa
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Schumpeter foi ministro da economia do governo socialista que governou a Áustria em 1919. Depois morou em sete países, em alguns dos quais ele foi professor e trabalhou como banqueiro de investimentos, o que lhe permitiu fazer uma fortuna — que depois desapareceria.
Antes de seu segundo casamento, houve um tempo em que Schumpeter levou uma vida de muitos luxos e parecia não se importar de ser visto em público com prostitutas, diz Nasar.
“Schumpeter era um acadêmico brilhante que falhou miseravelmente como ministro das Finanças da Áustria”, escreveu Pearlstein, vencedor do prêmio Pulitzer, em uma resenha do livro de Nasar publicada no jornal americano The Washington Post.
O economista se estabeleceu nos Estados Unidos em 1932, onde lecionou na Universidade de Harvard pelo resto da vida.Em sua nova casa, diz Tortella, Schumpeter se apaixonou e se casou com uma historiadora de economia chamada Elizabeth Boody, que era 15 anos mais nova que ele.
Foi ela quem compilou e editou os textos dele sobre a história do pensamento econômico, publicados postumamente (ambos morreram antes da publicação do livro em 1954: ele em 1950 e ela em 1953) no monumental History of Economic Analysis (História da Análise Econômica, em inglês).
Schumpeter analisou a Grande Depressão dos anos 1930
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Destruição criativa
Durante a Grande Depressão da década de 1930, disse Thomas K. McCraw, “muitas pessoas inteligentes da época acreditavam que a tecnologia havia atingido seu limite e que o capitalismo atingiu seu auge “.
“Schumpeter acreditava exatamente no oposto e, é claro, ele estava certo”, afirmou McCraw, foi o autor do livro Profeta da Inovação: Joseph Schumpeter e Destruição Criativa.
O conceito de destruição criativa foi um dos que Schumpeter ajudou a popularizar. E, segundo Fernando López, professor de Pensamento Econômico da Universidade de Granada, essa ideia é uma espécie de darwinismo social.
“É a ideia de que o capitalismo destrói empresas não criativas e não competitivas”, diz o professor à BBC Mundo. “O processo de acumulação de capital continuamente os leva a competir entre si e a inovar e apenas os mais poderosos sobrevivem”.
Uma ansiedade constante
Essa dinâmica ideal do capitalismo significa que os empreendedores nunca podem relaxar. “Esta é uma lição extremamente difícil de aceitar, principalmente para pessoas de sucesso. Mas os negócios são um processo darwiniano e Schumpeter frequentemente o vincula à evolução”, afirmou McCraw.
Novos produtos aparecem constantemente para substituir os antigos, que se tornam obsoletos.
“É um processo contínuo de aprimoramento e essa é a característica número um do capitalismo”, disse à BBC Mundo Pep Ignasi Aguiló, professor de economia aplicada na Universidade das Ilhas Baleares, na Espanha.
A dinâmica dos negócios leva a “a única maneira de sair da competição, que é muito dura, é através de tentativas de redução de custos, o que exige processos de inovação na produção ou através do design de novos produtos preferidos pelos consumidores em relação aos anteriores “, diz o doutor em Economia.
No entanto, as tentativas de redução de custos também podem levar a superexploração de trabalhadores, lobby para resgulamentação e práticas predatórias em relação ao ambiente — temas que muitas vezes são “esquecidos” quando se fala do assunto.
O fim do capitalismo e das meias femininas
Ele disse que tinha dois exemplos que Schumpeter usou para explicar suas teorias foi o das meias femininas.
Schumpeter explicava suas teorias dando como exemplos produtos como meias femininas
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No início do século 20, apenas as mulheres da classe alta podiam comprá-las. Mas, após a Segunda Guerra Mundial, eles se tornaram mais acessíveis aos consumidores de diferentes grupos sociais.
“Tornar algo acessível a todos leva a mentalidade socialista a entrar gradualmente nos poros do sistema capitalista e desacelerar sua característica essencial, que é a competição entre produtores”, diz o professor.
O raciocínio do austríaco era que, ao “apaziguar a concorrência e acaber gerando igualdade no acesso aos produtos”, o capitalismo chegaria ao fim.
Schumpeter definia uma data para isso – o final do século 20.
“Ele estava errado sobre isso. Ele acreditava que até então as condições de divulgação da produção em massa e produtos entre toda a população fariam todas a pessoas viverem melhor do que o rei da França do século 18 e, portanto, o clamor por o socialismo seria grande”.
Vítima de seu próprio sucesso
“A ideia era a de que o capitalismo leva à produção em massa, a produção em massa leva a uma riqueza extraordinária que se espalha por uma parte muito importante da população e que aumenta o desejo de igualdade”, explica Aguiló.
O automóvel, por exemplo, deixou de ser um produto que apenas uma elite poderia adquirir e estar disponível para milhões de pessoas. “O preço cai, as quantidades aumentam, e isso acontece repetidas vezes com todos os produtos”, diz o professor.
Essa circulação massiva de produtos significa que os padrões de vida dos consumidores aumentam, que há uma “demanda por mais igualdade” e que isso acabaria dificultando a essência do sistema: a concorrência”, explica Aguiló.
Questões como os problemas ambientais se tornaram mais proeminentes desde a época de Schumpeter
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“Esse grande sucesso da abundância compartilhada,ao alcance de todos, é o que levaria ao fim do capitalismo”.
No entanto, embora a riqueza seja mais bem distribuída em alguns países, o que se viu no mundo desde então foi o contrário: apesar de muitos produtos estarem acessíveis para grande parte da população, o que se vê é uma concentração cada vez maior da riqueza produzida.
Virtude e perigo
Seguindo a lógica de Schumpeter, a concorrência se tornaria uma virtude e um problema para as empresas.
Segundo López, Schumpeter acreditava que “o processo de acumulação incessante de capital levaria, em algum momento, ao que Marx chamava de tendência decrescente da taxa de lucro”.
“O capitalismo é um sistema incomparável em termos produtivos, é um sistema que, no nível produtivo – eu uso Marx novamente – é o mais progressista da história, mas tem o problema de que a acumulação incessante de capital o leva a competir também incessantemente. ”
“Essa competição força as empresas a ter uma guerra constante para inovar, obter novos mercados, novos produtos. E aí está o perigo”.
Harry Landreth e David C. Colander, em seu livro História do Pensamento Econômico, explicam que “onde Marx havia previsto que o declínio do capitalismo derivaria de suas contradições, Schumpeter especulou que seu fim seria o produto de seu próprio sucesso”.
Sua ideia de uma sociedade socialista
Em seu trabalho Capitalismo, Socialismo e Democracia, Schumpeter projetou um tipo de sociedade socialista que surgiria depois que o capitalismo perecesse.
Guillermo Rocafort, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Comunicação da Universidade Europeia, coloca o pensador austríaco dentro de um grupo de economistas pessimistas ou fatalistas que estavam desencantados com o capitalismo de sua época.
Enquanto Marx via uma luta de classes entre a burguesia e a classe trabalhadora, Schumpeter percebia uma grande tensão entre um grupo de empreendedores, aqueles que provocam “vendavais capitalistas que levam a um grande crescimento econômico” e outro composto de empreendedores “que implementam um capitalismo não tão pioneiro, mas calculista, mais conservador “, diz Rocafort à BBC Mundo.
A sociedade que Schumpeter imaginava uma em que a distribuição da riqueza seria mais justa e na qual ainda existia mercado.
Seria uma sociedade na qual a igualdade estaria acima de tudo – diz Aguiló – “na qual é alcançado um status quo em que a inovação para e, portanto, o peso do mercada na distribuição dos recursos é menor e o peso do Estado aumenta.”
Landreth e Colander citam Schumpeter: “Os verdadeiros promotores do socialismo não foram os intelectuais ou agitadores que o pregaram, mas os Vanderbilts, Carnegies e Rockefellers (famílias ricas do início do sécvulo 20)”.
Ciclos econômicos
Rocafort explica que Schumpeter reforçou a teoria dos ciclos econômicos como sendo a forma pela qual o capitalismo evolui.
“Como se fosse uma montanha-russa, subindo e descendo, (…) Schumpeter refere-se a ciclos econômicos que têm sua origem em inovações tecnológicas e financeiras. Elas causam momentos de grande boom, depois estabilização e depois uma depressão ou recessão”, diz o professor.
O especialista cita como exemplo a quebra da bolsa de 1929 e a crise financeira de 2008.
Schumpeter nos faz ver o capitalismo como “um processo histórico e econômico que não tem crescimento contínuo, o que seria desejável, mas um crescimento bastante volátil, e que, em última análise, tem consequências para a sociedade em termos de, por exemplo, desemprego”.
No século 21
Schumpeter e John Maynard Keynes (na foto) são considerados os principais economistas do século 20
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“Vários economistas, incluindo Larry Summers e Brad DeLong, disseram que o século 21 será ‘o século Schumpeter’ e eu concordo”, disse McCraw.
“A razão é que a inovação e o empreendedorismo estão florescendo em todo o mundo de uma maneira sem precedentes, não apenas nos casos bem conhecidos da China e da Índia, mas em todos os lugares, exceto em áreas que tolamente continuam a rejeitar o capitalismo”.
“A destruição criativa pode acontecer em uma grande empresa inovadora (Toyota, GE, Microsoft), mas é muito mais provável que isso aconteça nas start-ups, especialmente agora que elas têm muito acesso ao capital de risco”, afirmou McCraw.
De fato, segundo o autor, Schumpeter foi um dos primeiros economistas a usar esse termo: ele o fez em um artigo que escreveu em 1943, no qual falava de capital de risco.
Os inovadores
Schumpeter, suas idéias e, acima de tudo, o conceito de destruição criativa ganharam importância especial nas últimas duas décadas.
“É essencial para entender nossa economia”, diz Aguiló. Essa competição de negócios nem sempre é sobre “dominar o mercado com um produto, mas com uma idéia, com um tipo ou modelo de negócios.”
Rocafort destaca que nessa destruição criativa, inovadores e empreendedores são os principais protagonistas.
Um exemplo é como a indústria de tecnologia e seus gigantes como Google e Microsoft ocuparam um espaço de um setor que nas décadas de 20, 30, 40 e 50 era um dos principais: a indústria automotiva.
“Se você observar o preço das ações, as empresas de tecnologia são as mais importantes e são todas americanas”, diz ele.
Um alerta
Especialistas como López pedem cautela ao usar as idéias de Schumpeter para tentar explicar a economia atual. “Não é conveniente usar categorias históricas porque são sociedades diferentes. As velhas teorias não funcionariam para nós “, diz ele à BBC Mundo.
Schumpeter é o produto de uma época e “seu capitalismo não é o capitalismo de hoje”, alerta.
A acumulação de capital era diferente e não tinha nem o alcance global nem o impacto ecológico de hoje. Segundo o professor, o sistema está atravessando barreiras que antes pareciam impensáveis: se um país se industrializa, o emprego aumenta, mas o ambiente se deteriora.
“Isso não estava na mente de Schumpeter, nem John Maynard Keynes. (Na época) a industrialização era o elemento fundamental do desenvolvimento.”
Mas López reconhece que “aspectos parciais do trabalho de Schumpeter (como destruição criativa) podem nos ajudar a entender o sistema”.
Em transição?
Rocafort também concorda que o trabalho de Schumpeter é sua visão pessoal da realidade em que ele viveu. “Agora temos um contexto macroeconômico que não existia na época: paraísos fiscais, fundos de investimento especulativos, endividamento excessivo das nações”, explica ele.
No entanto, ele esclarece, dada a situação de incerteza que estamos enfrentando diante da economia mundial, faz sentido procurar explicações nos grandes clássicos da economia. “Você precisa tentar ver o que se aplica de cada teórico, porque não pode haver ortodoxia ou dogmatismo na economia. Nós idolatramos Keynes e no final, como vimos nos últimos 15 anos, ele está sendo um fracasso”, diz Rocafort.
O economista acredita que Schumpeter e suas ideias como “ciclos econômicos e destruição criativa” podem ajudar a esclarecer alguns pontos do momento em que vivemos. “Talvez o modelo econômico atual esteja esgotado e estejamos precisando de novas inovações tecnológicas e financeiras”.
“Ele fala de destruição criativa como aquele novo ciclo causado por um grande desenvolvimento tecnológico. Talvez um ciclo esteja colidindo com outro, como placas tectônicas”, ele reflete.



Fonte: G1