O canal do YouTube que se tornou um ‘clube da saúde mental’ | Tecnologia


Entre milhares de canais de música no YouTube há um como nenhum outro. O Imlonely (estou sozinho, em tradução livre) começou como um diário musical, mas se tornou uma comunidade que promove a saúde mental e dá apoio a milhares de jovens que estão passando por momentos difíceis.

“O nome que eu daria hoje seria família”, afirma Hunter, referindo-se aos seguidores do canal que criou. “Eles sentem que são parte de algo.”

O britânico de 23 anos, natural do País de Gales, sofre de ansiedade e começou a remixar músicas famosas e divulgá-las a depender de como se sentia no momento.

“No começo, o canal era uma espécie de quadro que retratava meu humor”, ele diz. “Meu gosto musical se orienta mais pela forma como estou me sentindo do que por um gênero ou estilo.”

O que iniciou como hobby, entretanto, cresceu rapidamente. Seus remixes passaram a acumular milhões de visualizações e centenas de milhares de pessoas se inscreveram no canal, a maioria com idade entre 13 e 24 anos.

Muitas das músicas são versões mais lentas, como Best Part, do artista Daniel Caesar. O canal também traz vários hits da cantora americana Ariana Grande – 7 Rings tem mais de 7 milhões de visualizações.

Ariana Grande — Foto: Reprodução/Instagram

Com o tempo, os seguidores começaram a comentar sobre como se identificavam com as canções, como se sentiam, e passaram a dar apoio psicológico uns aos outros.

Quase por acidente, Hunter criou um espaço para que as pessoas se abrissem e compartilhassem seus sentimentos e falassem sobre saúde mental.

As mensagens estão recheadas de “vai melhorar”, “você é maravilhoso”, “continue assim”.

Não é preciso descer muito a barra até encontrar o objeto dos comentários. São pessoas dividindo angústias como: “Sou só eu que me sinto feliz durante o dia mas, quando chega a noite, todas as emoções extravasam? Tenho chorado todas as noites e não sei o porquê.”

Outro diz: “Fiquei acordado a noite inteira me martirizando por coisas sobre as quais não tenho controle, mas isso me ajudou a acalmar e manter o foco”.

Um dos que passou a acompanhar o canal foi Monica, estudante filipina de 18 anos, que entrou no canal pela música, mas acabou usando-o como suporte para atravessar um dos momentos mais difíceis de sua vida.

“A comunidade me ajudou muito, especialmente no decorrer de 2019. Foi o pior ano da minha vida, minha saúde mental estava tão instável naquela época…”

No começo daquele ano, a irmã mais nova de Monica fora diagnosticada com uma doença crônica nos rins e precisou de um transplante.

O procedimento, entretanto, melhorou sua qualidade de vida apenas por um curto período de tempo, e ela logo viu a saúde se deteriorar novamente. Monica passou a ajudar na diálise da irmã e dedicar horas por dia para cuidar dela.

“Quase não dormia, não tinha tempo para mim, tinha um monte de afazeres. A única coisa que eu conseguia fazer era ouvir música.”

“Provavelmente por isso o canal me ajudou muito. Várias vezes me vi acordada de madrugada, indo comprar remédios e ouvindo os vídeos do Imlonely. Aquilo me trazia conforto.”

No fim de 2019, a irmã de Monica morreu, o que levou a jovem ao “fundo do poço”. O canal continuou sendo um refúgio.

“Fico feliz em poder dizer que o canal me ajudou muito. Me trouxe conforto e alegria quando eu estava totalmente desamparada e deprimida. Também percebi que a felicidade está nas pequenas coisas.”

Hunter acredita que o fato de os visitantes do canal serem jovens ajudou a aproximar as pessoas.

“Muita gente não tem com quem conversar em casa ou na escola”, ele diz. “Eles desabafam sobre os problemas que estão enfrentando com os amigos ou com a família. Pessoalmente, se eu tivesse algo parecido quando era mais jovem, sinto que não teria todos os problemas que tive com a ansiedade e com o fato de não falar sobre essas questões.”

John Naslund, da Faculdade de Medicina na Universidade Harvard, tem pesquisado sobre o apoio mútuo nas redes sociais e estudado grupos semelhantes ao Imlonely.

“Um dos primeiros estudos que conduzi analisava os comentários postados nesse tipo de vídeo do YouTube, quebrando um pouco essa ideia equivocada de que a rede social é um ambiente completamente negativo. Há uma energia muito positiva nesses grupos.”

O especialista afirma que interações como essas podem ajudar a “desestigmatizar” a questão da saúde mental e que, para muitas pessoas, “entrar na internet e descobrir histórias de pessoas que passaram por experiências semelhantes pode ser inspirador e ajudar a validar os sentimentos”.

A descrição é parecida com o relato de Morgan, estudante britânica de 17 anos, que entrou no canal pela música, mas acabou se identificando com a comunidade que existia ali dentro.

“Comecei a ler os comentários e percebi que tem muita gente vivendo coisas parecidas e muita gente que espalha positividade. A seção de comentários tem uma atmosfera boa, é confortável, sabe?”

Ouvir a seleção musical a ajudou a se manter calma, com a mente saudável, enquanto os comentários deixados pelos demais usuários mostraram que outras pessoas viviam experiências semelhantes às dela, o que acabou motivando-a a se abrir mais com os amigos fora do canal.

“Abriu um pouco meus olhos e me ajudou a distinguir entre o que era realidade e exagero meu, porque às vezes eu presumo que tudo vai ser o pior possível, mas então percebo que as coisas não são tão ruins assim, que algumas coisas são mais comuns do que imagino.”

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Fonte: G1