Mulheres contam como fizeram transição de carreira em busca de vida mais leve | Mogi das Cruzes e Suzano


Não são poucos os motivos que levam profissionais a questionar seus trabalhos, no entanto, por trás de todos eles, está uma única motivação: a busca por mais qualidade de vida.

O G1 conta as histórias de três moradoras da região do Alto Tietê que, movidas por esse mesmo propósito, decidiram deixar empregos tradicionais para apostar em carreiras mais leves.

Luiza, Audrey e Dierika sabem que nem todo mundo tem a oportunidade de passar por essa mudança, afinal, as contas chegam e falam mais alto, porém, garantem que se arriscar pode valer a pena.

Além de ganhar dinheiro fazendo o que gostam, elas contam como superaram o estresse e a ansiedade e encontraram satisfação pessoal.

Da rotina corporativa à leveza da yoga

Luiza Osti mora em Mogi das Cruzes e deixou emprego em banco para se tornar professora de yoga — Foto: Natália Escudeiro/Divulgação

Luiza Osti, de 29 anos, praticava yoga desde a adolescência e nunca tinha pensado na atividade como um trabalho. Até então, ela tinha a profissão dos sonhos, dentro de sua área de formação: era funcionária de um grande banco na capital. No entanto, a carreira foi deixando de fazer sentido.

“No mundo corporativo hoje, por mais que a gente tem empresas muito bacanas para trabalhar, querendo ou não, é uma busca por metas, muita cobrança. A saúde mental fica comprometida, porque é um mundo de concorrência e você tem que se superar toda hora”, comenta.

“Eu saía de casa 6h e chegava 23h, porque eu saía do trabalho e ia estudar, fazer meu curso de yoga, outras formações. Eu chegava em casa quase meia-noite, para 6h sair de novo. Era um ritmo muito frenético. Qualidade de vida eu quase não tinha”.

Em meio ao esgotamento da profissão competitiva e da rotina intensa, a moradora de Mogi da Cruzes decidiu fazer formações em yoga e estudar a filosofia que envolve a prática. Acabou se apaixonando e enxergou a oportunidade de ter uma vida mais leve, no pessoal e no profissional.

“Até então eu via yoga como uma profissão que não era rentável. Quando eu percebi que eu podia ganhar dinheiro com yoga, eu resolvi fazer essa transição de carreira. Optei por sair do banco. Foi um processo de quase um ano para me planejar, guardar uma grana e mudar”.

Hoje ela trabalha com o que gosta e ainda tem tempo para se dedicar a projetos pessoais — Foto: Natália Escudeiro/Divulgação

Luiza deixou o trabalho como bancária em março de 2020. Uma semana depois, começava a quarentena de combate à Covid-19. No entanto, o que poderia ser motivo para arrependimento, virou uma oportunidade.

Com o isolamento social e a preocupação de muitos em manter uma vida saudável nesse período, a busca pela yoga aumentou. Luiza acabou ganhando diversos clientes e a transição de carreira saiu melhor do que o esperado.

“Tem pesquisas que falam sobre isso, porque as pessoas sentiram o impacto na questão da saúde mental. As pessoas começaram a buscar por atividades para trabalhar a mente, trabalhar o corpo, e a yoga foi uma das atividades mais procuradas”.

“Hoje eu trabalho com yoga on-line. Por conta da pandemia eu levei as aulas para o on-line, o que foi ótimo para mim. Estou com alguns alunos, trabalho menos do que eu trabalhava no banco, quase metade do tempo que era antes, e ganho mais ou menos a mesma coisa”.

Sem o dia a dia frenético que enfrentava antes, Luiza ganhou mais tempo para cuidar de si e passou a viver de forma mais leve. Ela atende até cinco alunos diariamente e, depois, deixa a mente livre para se dedicar a outros projetos. Coisa que antes era impossível.

Luiza Osti mora em Mogi das Cruzes e deixou emprego em banco para se tornar professora de yoga — Foto: Natália Escudeiro/Divulgação

Também passou a ficar mais com os amigos e encontrou uma realização pessoal inédita. Porém, ela afirma que é privilegiada e sabe que nem todos têm a chance ou liberdade de se arriscar. Mesmo assim, torce para que a oportunidade de ter uma vida mais plena alcance outras pessoas.

“Eu resolvi arriscar porque eu tinha, digamos assim, esse privilegio de poder mudar naquele momento. Para mim, acabou sendo muito bom. Hoje eu não troco por nada a qualidade de vida que eu tenho para voltar para o mundo corporativo”.

“Mas eu sei que tem gente que precisa desse ritmo frenético, tem conta para pagar, tem filho para criar. Não é a realidade de todo mundo que pode se dar ao luxo às vezes de fazer uma transição de carreira, de uma forma mais consciente”.

“Quando você escolhe um trabalho que te preenche o coração, que te realiza de verdade, você sabe que aquele trabalho ninguém poderia fazer do jeito que você faz. Isso me preenche. Me sinto extremamente realizada hoje”.

Satisfação pessoal nas salas de aula

Moradora de Mogi das Cruzes, Audrey Bernardino deixou o trabalho como supervisora em restaurantes empresariais para se dedicar à educação infantil — Foto: Audrey Bernardino/Arquivo Pessoal

Assim como Luiza, Audrey Bernardino mora em Mogi e também estava acostumada à rotina agitada das grandes companhias. Técnica em nutrição, ela trabalhava com a supervisão de restaurantes empresariais em diferentes regiões de São Paulo e chegava a rodar 800 quilômetros por semana.

“No final de semana os restaurantes também estavam funcionando, então, se dava um problema, eles já me ligavam. Eu não estava in loco, mas a cabeça não parava. Se dá algum pepino, tem que resolver. Eu realmente não desligava”, relembra.

Ela planejava mudar de carreira para desacelerar e ter mais tempo para família, até que o ritmo intenso precisou ser freado da pior forma. A mãe morreu após um acidente de carro, em 2018, e Audrey precisou rever toda a sua vida.

“Eu estava há 13 anos na empresa, com 23 de carreira e 41 anos de idade. Aí eu perdi a minha mãe em um acidente de carro. Foi muito traumático. Ela morava em Bertioga, saiu da minha casa e duas horas depois meu pai me liga gritando e falando que ela tinha morrido”

“Isso acabou comigo. Éramos só eu e meu irmão, minha mãe era tudo para mim. Eu falei assim: ‘por que a gente vive correndo tanto? Qual o propósito, se em duas horas, eu perdi a minha mãe?’.”

O acidente ocorreu em fevereiro e em março ela pediu demissão. Passou um ano se reorganizando, mudou de casa e decidiu que era hora de apostar em uma carreira que havia ficado na gaveta, literalmente. Tudo mudou.

“Eu tinha uma segunda faculdade que era pedagogia, que eu fiz em 2008. Meu pai foi professor e eu sempre adorei a área de educação. Resolvi fazer pensando: ‘quem sabe um dia?’. Fiz, peguei meu diploma, coloquei na gaveta e lá ele ficou até 2019”.

“Comecei a estudar para concurso, para trabalhar com educação infantil. Aí eu passei em primeiro lugar, em Arujá. Assumi no meio de 2019 e lá estou até hoje, feliz da vida. Antes eu trabalhava das 7h30 até, teoricamente, até 17h30. Agora eu trabalho das 11h às 17h”.

Filha de professor, Audrey destaca que a nova profissão também tem seus desafios, afinal, participar da educação de dezenas de crianças diariamente exige responsabilidade. Porém, para ela, não há comparação. O salário é até menor, mas não há dinheiro que compre a satisfação que ela encontrou.

Audrey conta que passou a ter mais tempo para a família e que deixou de sofrer com a ansiedade — Foto: Audrey Bernardino/Arquivo pessoal

“Dinheiro é importante, mas meu dinheiro sempre foi muito contado, então eu nunca precisei de muito para ser feliz. Eu tinha minha casa, meu carro. Podia me dar o luxo de ganhar um pouco menos. Eu amei, me encontrei.”.

“Tenho mais qualidade de vida, tenho mais tempo com a minha filha. Consigo ir para a academia todo dia. Agora eu tenho tempo para ir de manhã, faço minha yoga toda semana. Consigo ver meu pai, que tem Alzheimer e vive em uma casa de repouso. Consigo vê-lo toda semana, pegar os remédios dele”.

As crises de pânico e ansiedade, provocadas pela rotina estressante, deram espaço a uma nova Audrey, mais feliz e saudável, de corpo e mente. Em meio à pandemia, ela se diz tranquila em saber que está em um trabalho estável e seguro, sem grandes riscos de demissão, por exemplo.

Apesar do gatilho da mudança ter sido doloroso, ela celebra a possibilidade de transformar a experiência em algo positivo e garante: buscar uma vida mais leve, após anos de caos, é recompensador.

“Você fica empurrando com a barriga, pensando que vai resolver amanhã, e acaba adoecendo. A vida vai passando e você adoecendo. Para mim, precisou minha mãe morreu para eu dizer: ‘Audrey, acorda, a hora é agora’. Você vai esperar o que?”.

“Meu conselho é não esperar que aconteça alguma coisa ruim na sua vida, que você perca sua saúde, perca alguém que você ama, para dar uma virada na sua vida e transformá-la em algo melhor”.

Trabalhando com o que ama, do jeito que mais gosta

Dierika, que mora em Itaquaquecetuba, abriu a própria marca de roupas em busca de mais qualidade de vida e liberdade — Foto: Ricardo Matsukawa/Divulgação

Dierika Silva Sobral, de 36 anos, estudou administração e sempre teve empregos tradicionais. Trabalhou em telemarketing, imobiliária e, por último, atuou com o irmão em uma empresa de suporte técnico. O horário era das 9h às 18h, de segunda a sexta-feira. Não era exatamente o que ela queria.

“Eu fiz administração, que era uma coisa viável de fazer e que eu me identifico, porque eu vendo e revendo coisas desde sempre. Minha mãe é uma pessoa que vende coisas. Eu estudei administração, mas o que eu queria fazer era estudar moda”.

“Pegava trem, pegava ônibus, toda essa coisa da condução. Eu sempre estudei e trabalhei longe de casa”, conta. “Quando a gente trabalha para os outros, quando a gente trabalha em um horário pré-determinado, a gente perde a oportunidade de entender o que funciona para a gente”.

A chance de se reencontrar veio em 2014, quanto ela participou de um curso sobre empreendedorismo. Dierika, que vive em Itaquaquecetuba, recebeu um convite para ser sócia em um comércio de roupas. A vontade de ter a própria marca ganhou força e ela decidiu apostar.

“Foi em 2017. Eu precisava muito de dinheiro e já estava nessa coisa de fazer roupa, já queria muito fazer a marca, tinha várias ideias. Tinha feito algumas colabs com algumas amigas. Estava pronta para ela nascer”.

“Eu tinha uma passagem para ir viajar de 90 dias Europa, que eu comprei com todas as milhas que eu tinha juntado nos últimos anos, mas precisava de dinheiro para viajar. Eu disse: ‘eu sei fazer isso, sei fazer roupa, vou fazer roupa’. Deu certo, graças a Deus”, relembra.

Empreendedora conta que tem satisfação pessoal e vive uma rotina mais feliz — Foto: Keyla Juliana/Divulgação

Ela criou uma marca inspirada em pessoas que amam viajar e se conectar com a natureza. Hoje participa do processo de desenho das peças, acompanha a produção e atua na venda, tendo relação direta com os clientes.

No entanto, mais do que trabalhar com o que gosta, a empreendedora conta que encontrou qualidade em um novo estilo de vida. A rotina não tem mais aquele horário comercial e ela tem mais tempo para se dedicar a si própria.

“Ao invés de trabalhar das 9h às 18h, eu trabalho de 0h a 10h, que é um horário para mim que flui melhor, que eu tenho mais concentração, tenho mais silêncio. Sinto que foi uma adaptação mesmo de estilo de vida”.

“Eu percebi isso com o tempo. Eu gosto, de manhã, de fazer minhas coisas pessoais. Gosto de fazer academia, nadar, tomar um café da manhã que eu fico uma hora sentada conversando com meu pai”, reflete a empreendedora.

“Eu sinto que isso ajuda a trazer essa leveza na vida, que é você poder entender como você funciona, sabe?”

Moradora de Itaquaquecetuba, Dierika abriu a própria marca de roupas em busca de mais qualidade de vida e liberdade — Foto: Ricardo Matsukawa/Divulgação

Na pandemia não foi diferente. No início, ela teve medo de ter os negócios afetados pela crise provocada pela Covid-19, mas acabou encontrando vantagens. Apesar do momento difícil, Dierika encontrou no isolamento mais tempo para se dedicar aos seus projetos.

“Não desmerecendo tudo de negativo que esse momento tem trazido, das pessoas que estão perdendo familiares, mas falando do meu caso específico, eu tive esse momento de ficar um pouco insegura, de não saber como ia ser. Depois, tive outros momentos que foi tipo: ‘tá, como a gente consegue fazer melhor com tudo que a gente tem?’”.

“Hoje, o que eu sinto, é que eu consigo ter mais leveza, mais foco, ser muito mais produtiva. Eu que escolho o que eu vou produzir e sinto que minha produtividade aumentou. Eu sempre fui bem felizona, mas sinto essa coisa de me sentir mais encaixada na minha vida, me sentir mais centrada”.

“Realização pessoal é uma coisa assim, é isso. A gente tem todos os altos e baixos, mas é muito gostoso poder deitar e pensar: ‘Estou fazendo uma coisa que eu amo fazer e, se eu tivesse que escolher outra coisa, escolheria exatamente a mesma’”.

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Fonte: G1