Inflação de alimentos e restrições de viagem: o temor dos britânicos sobre um Brexit sem acordo | Mundo


O Brexit, como foi chamada a saída do Reino Unido da União Europeia, aconteceu no dia 31 de janeiro de 2020, mas líderes ainda tinham até 31 de dezembro para chegar a um acordo comercial entre as partes, durante o período de transição.

Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, viajou a Bruxelas na quarta (9) para uma última tentativa de negociação com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Ainda há divergências sobre direitos de pesca, regras de concorrência comercial e como um acordo seria monitorado. O jantar não foi bem-sucedido.

Segundo o governo britânico, ainda há “lacunas muito grandes” entre o Reino Unido e a União Europeia e “ainda não está claro se elas podem ser preenchidas”. Von der Leyen disse que os dois lados ainda estavam “distantes”. A expectativa agora é que as negociações sigam até domingo (13).

Caso não cheguem a um consenso, o Reino Unido sairia da União Europeia sem acordo comercial. A possibilidade da alta de preços de alimentos, retração econômica ainda maior em um ano em que a pandemia já derrubou a economia e restrição a viagens para a Europa traz um cenário de caos aos britânicos.

Mais de um quarto de todo o alimento consumido no Reino Unido é produzido na União Europeia.

Durante o ano de 2020, apesar do Brexit, alimentos da União Europeia ainda estavam entrando no Reino Unido sem taxas de importação. Ou seja, alface espanhola, tomate holandês, vinho francês e bacon dinamarquês entravam sem controles na fronteira e sem tarifas.

O resultado das negociações entre Reino Unido e a UE pode mudar isso. Se chegarem a um novo acordo comercial que permite que essas importações continuem sem o pagamento de tarifas, tudo poderá continuar igual.

Caso contrário, o comércio entre os países deve seguir as regras estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que incluem tarifas significativas sobre alimentos saindo ou entrando no Reino Unido.

Carne e laticínios enfrentam tarifas particularmente altas, mas frutas e outros vegetais também seriam afetados.

O desafio é exacerbado porque em janeiro e fevereiro, meses de inverno no hemisfério norte, o Reino Unido cultiva quantidades relativamente pequenas de vegetais. Esse período é quando o país mais depende dos suprimentos do sul da Europa.

A London School of Economics estima que alguns queijos especiais, como halloumi e roquefort, poderiam ficar 55% mais caros.

No curto prazo, os próprios supermercados poderiam absorver esses custos extras. Mas, a longo prazo, eles provavelmente repassariam parte ou a totalidade desse custo aos clientes, na forma de preços mais altos.

À Bloomberg, o presidente do Tesco, uma das maiores redes de supermercado do Reino Unido, disse que o país poderá ver “escassez de alimentos de vida curta” por um período de um ou dois meses.

“Estamos tentando garantir que tenhamos estocado o máximo que pudermos de produtos de longa vida em nossos próprios depósitos ou com nossos fornecedores”, afirmou John Allan, ressaltando que o Tesco está se preparando para o pior cenário – o de um Brexit sem acordo.

Segundo Allen, os britânicos podem esperar por preços mais altos sobre alimentos por causa de tarifas sobre a importação no caso de um Brexit sem acordo. À BBC, ele afirmou que o preço de alimentos como o queijo brie, um produto importado, pode subir 40%, fazendo que britânicos passem a comprar, então, mais queijo produzido no Reino Unido.

Sem um acordo, afirmou Allen, a inflação dos alimentos deve subir, em média, entre 3% e 5%, e “muito mais em produtos selecionados”.

O ministro da Agricultura e Meio Ambiente, George Eustice, disse que os preços subiriam em média menos de 2%, embora ele tenha admitido que alguns itens como carne de porco e boi seriam mais atingidos.

Já a London School of Economics fez o seguinte cálculo: com um acordo, o aumento de alimentos importados da UE deve crescer 4,7%. Sem acordo, 12,5%.

O motivo pelo qual a universidade estima aumento do preço de alimentos mesmo com um acordo é que as tarifas não serão o único problema.

Os varejistas terão que preencher mais papelada ao transportarem alimentos para dentro e para fora do Reino Unido, e os produtores podem ter que cumprir diferentes regulamentações em diferentes lados do Canal da Mancha. Tudo isso custa dinheiro.

Para Duncan Buchanan, diretor de políticas da Road Haulage Association, a associação de transporte rodoviário do Reino Unido, espera-se algo entre “chocante e catastrófico” na operação entre as fronteiras.

“O ponto crítico provavelmente não será nos primeiros dias ou semanas de janeiro”, argumenta William Bain, do British Retail Consortium (Consórcio de Varejo Britânico). Será no final do mês de janeiro, diz ele, quando novos pedidos começarem a ser feitos e entregues, e os processos nos portos do Reino Unido começarem a ser testados.

E o National Audit Office, órgão independente do Parlamento responsável por auditar departamentos do governo, disse recentemente que “ainda é provável que uma perturbação generalizada ocorra a partir de 1º de janeiro de 2021”, com riscos significativos relacionados à Irlanda do Norte “e a prontidão do comerciante em geral”.

À BBC, Dominic Raab, ministro de Relações Exteriores do Reino Unido, admitiu que pode haver “solavancos” no caminho, mas disse não haver preocupações com “prateleiras vazias em supermercados ou preços de alimentos”.

O Reino Unido está se recuperando de uma contração recorde de 19,5% em abril induzida pelo primeiro lockdown por causa da pandemia do coronavírus.

Agora, depois de ter passado por um segundo lockdown, as perspectivas são de uma nova desaceleração. Em outubro, a economia do país cresceu apenas 0,4%.

Jonathan Gillham, economista-chefe da PricewaterhouseCoopers, disse que os dados mais recentes “confirmam o que já sabíamos – a economia estava desacelerando antes do segundo lockdown nacional em novembro”.

Grande parte do país também continua sujeito a restrições ao coronavírus, o que pode afetar o crescimento no ano novo.

Isso tudo apesar de o Reino Unido já ter começado a ministrar uma vacina contra o coronavírus em parte da população.

“Embora uma vacina ofereça esperança real, o fracasso em evitar um fim desordenado para o período de transição [o Brexit] ou outras restrições de lockdown antes que uma implantação de vacina em massa seja alcançada prejudicaria gravemente qualquer recuperação econômica”, disse Suren Thiru, chefe de economia da Câmara de Comércio Britânica.

As previsões oficiais indicam que a economia do Reino Unido encolherá 11,3% neste ano – a maior queda em 300 anos. E analistas estimam que a economia não retorne ao tamanho anterior à crise até o final de 2022.

Yael Selfin, economista-chefe da consultoria KPMG UK, disse que a recuperação pode demorar ainda mais se o Reino Unido não conseguir fechar um acordo comercial pós-Brexit com a União Europeia até 31 de dezembro.

“O PIB pode aumentar 6,1% no ano que vem, caso consigamos um acordo com o Brexit, enquanto o crescimento pode ser inferior a 3,3% se não houver acordo, com uma pequena recessão no início do ano”, disse Selfin.

Além disso, o desemprego continua a aumentar.

O governo estendeu o apoio emergencial até o final de março em uma tentativa de evitar uma crise de empregos, mas o desemprego ainda deve aumentar para 2,6 milhões – ou 7,5% – em meados do próximo ano.

A taxa de desemprego mais recente – de julho a setembro – foi de 4,8%, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas (ONS) – alta de 0,7% em relação aos três meses anteriores.

Pandemia de coronavírus e Brexit impedirão turistas britânicos de viajarem à Europa — Foto: Getty Images/BBC

A pandemia e o Brexit podem causar a tempestade perfeita para os turistas britânicos.

Os viajantes do Reino Unido podem ser impedidos de entrar na UE a partir de 1º de janeiro, já que as regras de viagem associadas a quem faz parte da UE expiram, e restrições do bloco por causa da pandemia podem barrar a entrada de britânicos.

Britânicos só poderiam fazer “viagens essenciais” para a União Europeia.

Atualmente, apenas os países com baixas taxas de infecção por coronavírus se qualificam para viagens não essenciais.

Existem apenas oito países com taxas baixas de covid-19 na lista de aprovados para viagens, e não há planos de adicionar o Reino Unido a essa lista.

O secretário de Relações Exteriores, Dominic Raab, disse ao programa da BBC, BBC Today que as restrições de covid-19 dependeriam do que a União Europeia e seus Estados membros decidirem.

Ele acrescentou que “as restrições a viagens, inevitavelmente, serão algo que será mantido sob revisão”.

Uma alternativa é que países membros da União Europeia decidam sobrepor-se às regras do bloco e criar um corredor de viagem livre com o Reino Unido.

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Fonte: G1