Guinada do BC à esquerda preocupa expectativas de juros e inflação


Em fevereiro, diversos líderes da base aliada do governo no Congresso Nacional pediram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicasse um economista sem viés heterodoxo para o Banco Central — a ideia era evitar um nome ‘antimercado’ para não atrapalhar o andamento de pautas importantes na Câmara e no Senado. Três meses depois veio, na última segunda-feira 8, a indicação de Gabriel Galípolo, número 2 do Ministério da Fazenda, Afinadíssimo como o chefe, o ministro Fernando Haddad, a indicação sinaliza algo que era temido por parte do mercado: um Banco Central mais à esquerda. A escolha estressou o câmbio e os juros futuros, trazendo mais gasolina para o combate ao alto patamar da Selic, a 13,75% ao ano, e colocando em risco à agenda de modernização e pró-competição empenhada pela autarquia desde o mandato de Ilan Goldfajn.

Embora tenha efetuado discursos ponderados durante sua jornada na Fazenda, a chegada de Galípolo é vista por alguns especialistas como uma retomada ao Banco Central dos tempos de Alexandre Tombini, que presidiu a autarquia durante os mandatos de Dilma Rousseff. “Eu tenho a impressão de que o Galípolo vai se colocar contrário às decisões que têm sido feitas pelo Copom logo de cara, dando início a um voto divergente em relação à queda dos juros”, afirma o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. “O histórico do Galípolo sempre foi heterodoxo. O risco de trazer alguém assim, que pode eventualmente virar o presidente do Banco Central, é encaminhar essa posição mais heterodoxa, pagando o preço disso com mais inflação, juros e menos crescimento. É o que o governo está querendo sinalizar com essa escolha, infelizmente.”

Vale explica que a indicação efetuada por Haddad pode também prejudicar a trajetória da bolsa de valores brasileira, hoje a 107,4 mil pontos. “Uma guinada do Banco Central para uma posição mais heterodoxa vai significar mais inflação e juros no futuro e, no final, menos crescimento. Menos crescimento é igual a menos investimento na bolsa. O sinal que o governo está sinalizando é de um cenário em que a bolsa pode ficar enfraquecida”, complementa. “A bolsa se fortaleceu entre 2016 e 2020, período em que a Selic caiu com força, tiveram reformas estruturais e, por isso, uma explosão de pessoas físicas entrando na bolsa. Agora, esse fluxo tende a ser revertido ou a desacelerar por conta desse ciclo mais errático que está vindo pela frente.”

O economista-chefe da gestora AZ Quest, Alexandre Manoel, acredita que Galípolo poderá, ao menos num primeiro momento, tentar adotar um posicionamento neutro e de diálogo com o atual corpo diretivo na instituição, tendo em vista, sobretudo, colocar-se como possível sucessor de Roberto Campos Neto na presidência da entidade. “Creio que ele tem todos os incentivos para ser neutro, para se aproximar do mercado e fazer uma transição serena para a presidência do BC. Depois de todo o esforço que o Fernando Haddad tem feito para coordenar as políticas monetária e fiscal, não faria sentido o Galípolo ser um contraponto ao Campos Neto”, afirma ele. “Desde que ele sentou-se na cadeira de número 2 da Fazenda, as falas públicas foram pragmáticas, pró-mercado e a favor do ajuste fiscal.”

A ministra do Planejamento e do Orçamento, Simone Tebet, disse, na última segunda-feira, que a indicação de Galípolo tende a “pacificar esta pauta” do patamar da taxa de juros. “Ele é uma pessoa preparada, que vai ser a voz do governo federal e também do Brasil dentro do Banco Central. Tem capacidade, tem experiência, diálogo e bom relacionamento com o presidente do Banco Central. Tem tudo para dar certo”, afirmou ela. A VEJA, a ministra também revelou que não foi informada sobre a decisão pelo ministro Fernando Haddad: “Não conversamos antes, mas a harmonia entre as pastas é com todos os secretários e equipe.”

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