Governo de SP diz ter formas de mudar Ceagesp de lugar caso Bolsonaro desista da transferência do entreposto | São Paulo


A área que abriga o entreposto, de mais de 600 mil metros quadrados, está em uma região de alta valorização imobiliária nos últimos anos e é cobiçada por Doria para construir no local o que ele mesmo chamou de “Vale do Silício brasileiro”, com a criação de centro reunindo empresas de inovação, desenvolvimento e tecnologia.

Algumas das formas de pressionar o governo Bolsonaro a tirar a Ceagesp da Vila Leopoldina seriam por meio de restrições, impostas tanto pelo estado quanto da Prefeitura de São Paulo, do deslocamento parcial de setores do galpão – como flores e pescados – para outros locais separados e diferentes na capital, e a criação de dois entrepostos de alimentos fora da cidade, às margens de rodovias.

Um dos entrepostos será construído no km 28,6 da Bandeirantes, no Perus, na Zona Norte da capital, sob a coordenação do Nesp (Novo Entreposto de São Paulo).

Outro, no km 41 da Rodovia Ayrton Senna, com acessos à Dutra e ao Rodoanel, sob coordenação da Epal (Entreposto de Produtos Alimentares Leste).

O objetivo é fazer com que, aos poucos, fique mais inviável ainda a manutenção do negócio onde atualmente está, segundo o secretário Estadual de Agricultura e Abastecimento, Gustavo Junqueira.

“O processo de fechamento da Ceagesp, a saída da Ceagesp da cidade (de São Paulo), é um processo que leva tempo e já foi começado”, disse Junqueira em entrevista exclusiva ao G1.

“Fechar o Ceagesp, desligando como existe hoje aos poucos, com a transferência de alguns setores paulatinamente”.

“Se há uma alternativa ao Ceagesp, seja privado, seja estatal, eu tenho condições de eu, efetivamente, fechar o Ceagesp, porque eu aumento as restrições, eu ou a prefeitura, a gente aumenta as restrições, como de fluxo de pessoas ou de caminhões, por exemplo”, afirmou o secretário ao G1.

Presidente da Ceagesp vê ‘ameaça’

Após a reportagem ser publicada, o presidente da Ceagesp, coronel da reserva da PM Ricardo Nascimento de Mello Araújo, informou ao G1 que os mais de 6 mil permissionários (comerciantes) que trabalham no local, frequentado diariamente por 50 mil pessoas, “se sentiram constrangidos e ameaçados” com as frases do secretário de Agricultura de São Paulo.

“Eu desafio ele a fechar a Ceagesp. Ele não fecha a Ceagesp. E, se tentar, vai fechar o Brasil inteiro, vai parar o Brasil inteiro se fizer isso”, disse Mello Araújo.

“Ele [o secretário Junqueria] não têm poder para fechar a Ceagesp. O entreposto se autossustenta. Isso aqui não é do governo do estado, é do governo federal, o terreno é do governo federal. As frases dele foram inadequadas e mentirosas”, afirmou o diretor-presidente do entreposto, salientando que, desde que assumiu a empresa, a Ceagesp fechou com saldo positivo e que possui potencial de crescimento no local onde atualmente se encontra.

  • A Ceagesp é uma estatal federal que administra o entreposto de alimentos encravado na cidade de SP desde 1969. Por 8 anos, até 1977, foi administrada pelo governo de SP
  • A localização da Ceagesp é problemática: a área valorizou muito e é considerada subaproveitada, além do acesso de caminhões ao local prejudicar o trânsito da cidade e de alagar com enchentes, levando à perda de alimentos
  • Em dezembro de 2016, o ex-prefeito da cidade de SP Fernando Haddad assinou decreto que autorizava um grupo de produtores e comerciantes a apresentar um projeto para a mudança da Ceagesp do atual terreno na Vila Leopoldina para a região de Perus, na Zona Norte da capital. O projeto ainda está em andamento.
  • Em 2018, Doria anunciou sua ideia pessoal de construir um centro de tecnologia no terreno
  • Bolsonaro aceitou transferir para o estado de SP, em 2019, a Ceagesp, mas depois, mudou de ideia, e disse que iria privatizar ou conceder à iniciativa privada o entreposto
  • Em dezembro de 2020, Bolsonaro mudou de ideia novamente: não vai mais mudar de lugar nem privatizar a Ceagesp

Futuro da Ceagesp — Foto: Elcio Horiuchi/G1

Doria quer polo de inovação

Em 2018, Doria prometeu a construção, até 2020, de um polo tecnológico no terreno da Ceagesp, que pertence à União. A área tem mais de 600 mil metros quadrados e Doria pretende levar para a área empresas pioneiras, como Google e Facebook, além de outros empreendimentos empresariais. “É um conceito todo que envolve tecnologia da inovação, provando um grande desenvolvimento em uma área que está abandonada”, explica o secretário.

No ano passado, o governador anunciou que Bolsonaro “havia aceitado” transferir o entreposto para o governo de SP e, também, a mudança do centro de alimentos para outro local.

Um acordo foi assinado por Doria, Junqueira, e o então secretário especial de Desestatização do governo Bolsonaro, Salim Mattar, para fechar a Ceagesp e transferir o entreposto para outro endereço, que seria construído e administrado por empresas privadas em um terreno às margens do Rodoanel Mário Covas.

O presidente, porém, não cumpriu essa promessa: a Ceagesp ficou com a União, mas foi incluída, por meio de decreto, em outubro de 2019, em um processo de desestatização.

Bolsonaro e Doria anunciaram acordo sobre a Ceagesp em 2018 — Foto: Divulgação/governo de São Paulo

Segundo Junqueira, o processo de desestatização continua em andamento, já que o governo federal contratou empresas de consultoria e de advocacia para atuarem junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) oferecendo uma análise sobre qual a melhor forma de transformação do entreposto – se venda, concessão ou parceria com o setor privado – e apontando locais onde o empresariado poderia investir para viabilizar o empreendimento.

Movimentação de vendedores de alface na Ceagesp nesta semana — Foto: Ettore Chiereguini/Agif-Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

Também em outubro de 2019, Doria publicou seu próprio decreto permitindo a construção do novo centro de distribuição de alimentos e de outros entrepostos em locais com acesso direto às grandes rodovias na Grande São Paulo que tenham pista dupla e nas quais seja possível ter acesso tanto pela entrada quanto pela saída a rodovias.

A iniciativa foi mais um passo para entusiasmar financiadores e empresários a investirem nos futuros empreendimentos, explica o secretário.

Os entrepostos privatizados deverão seguir duas condições: ter uma área mínima de 300 mil m² e movimentar pelo menos 2 milhões de toneladas de alimentos.

Na semana passada, porém, o presidente disse outra coisa: “Enquanto estiver no cargo, até 2022, a Ceagesp não será privatizada e nem mudará de local.”

“Essa é uma discussão tão local que não tem nada a ver (com Bolsonaro). É como se fosse uma discussão de que eu vou construir um shopping na cidade, eu vou fazer um shopping aberto, mas não vou respeitar nada dos bombeiros. É uma conversa vazia”, acrescentou o secretário.

“Se ele (Bolsonaro) colocar um monte de dinheiro e investimentos em tecnologia ali, e convencer a prefeitura e o governo do estado de que aquilo tem realmente uma função, ótimo. Mas não acho que aquele negócio vale o investimento para ficar ali porque as restrições são tão complexas que seria inviável”, opinou Junqueira.

Segundo o titular da pasta da Agricultura, com a abertura de novos entrepostos na região metropolitana – com projetos em andamento já protocolados junto a rodovias – a Ceagesp ficaria “inviável” diante de regras que seriam impostas a empreendimentos semelhantes em termos de governança, rastreabilidade e segurança de alimentos, por exemplo – instrumentos que o estado pode usar para, a longo prazo, “acabar” com o negócio.

“É melhor fazer um novo entreposto, ou novos entrepostos moderno, que o comércio migraria para lá, mas isso depende do empresário. Se a Ceagesp se manter ali, (com a criação de outros entrepostos fora da cidade), vai ser uma concorrência desleal. Se você fazer uma serie de regras, com governança, segurança, a Ceagesp vai ter que respeitar, porque tem que dar isonomia para todos os empreendimentos. Em você não cumprindo as regras (no caso, a Ceagesp), fica inviável”, afirma Junqueira.

Ceagesp está sob nova direção

Ceagesp está sob nova direção

Para o secretário, o presidente da República “misturou as coisas” ao tratar o tema como política e não se preocupar com a importância do serviço.

“Nossa preocupação é termos um serviço de qualidade. Percebemos muito a importância do abastecimento durante a pandemia e foi possível ver as falhas no gerenciamento da Ceagesp”, disse ele.

“Eu não estou entrando no mérito politico, a discussão política existe. A minha preocupação é de fato continuar trabalhando no nível técnico. Se houver qualquer mudança de curso (nas discussões e o acordo entre os governos estaduais e federais, com o cumprimento, por parte de Bolsonaro, de não privatizar ou mudar a Ceagesp), aí São Paulo vai tomar outro caminho, a cidade de São Paulo e o governo de São Paulo vai tomar um outro caminho. Mas, por enquanto, a gente acredita que é possível fazer de uma maneira técnica o que precisa ser feito”, acredita Junqueira.

Nascida da fusão entre o Centro Estadual de Abastecimento (Ceasa) e a Companhia de Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Cagesp), a Ceagesp foi do governo estadual de São Paulo até 1996. Naquele ano, devido uma dívida de R$180 milhões com o Banespa, o governo estadual anunciou que leiloaria a central na Bolsa de Valores. No entanto, não apareceu nenhum comprador.

O governo de SP diz tratar o assunto baseado no interesse dos empresários em investirem no setor, com o completo fechamento da Ceagesp até 2024.

Inaugurada torre do relógio na Ceagesp

Inaugurada torre do relógio na Ceagesp

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Fonte: G1