Gente do campo: pesquisa e insistência fizeram agricultor se tornar referência na produção de feijão no oeste da Bahia




Nascido no Rio Grande do Sul, Celito Breda tentou, quebrou, mas persistiu para seguir na atividade em uma das principais fronteiras agrícolas do país: o Matopiba. Celito Breda na lavoura de feijão carioca em Barreiras, no oeste da Bahia
Arquivo pessoal
“Eu me formei em agronomia na Universidade de Passo Fundo no dia 30 de janeiro de 1988, e no dia 6 de fevereiro eu já estava aqui, no oeste da Bahia. Eu vim trabalhar na primeira fazenda irrigada da região”, diz o hoje produtor de feijão Celito Breda, de 58 anos.
Na final da década de 1980, o oeste baiano, juntamente com parte dos estado de Maranhão, Tocantins e Piauí, começou a formar nova fronteira agrícola no país, que ganhou força a partir dos anos 2000: o Matopiba, que é a junção das siglas desses estados.
Segundo a Embrapa, são cerca de 73 milhões de hectares distribuídos em 31 microrregiões e 337 municípios. A avaliação do governo é que a expansão da agropecuária no país nos próximos ocorra no Matopiba, à medida em que áreas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste estão consolidadas.
A região se tornou uma alternativa para que outros agricultores do Sul e Sudeste pudessem repetir a migração em massa ocorrida nas décadas de 1960 e 1970 no Centro-Oeste. O cenário era o mesmo: havia terra barata, mas também tinha muito trabalho para torná-la rentável.
Natural de Jacutinga, norte do Rio Grande do Sul, Celito Breda, apesar de não ter vindo na primeira leva de migrantes, pode ser considerado um pioneiro na região. Chegou ao município de Barreiras e foi trabalhar em fazenda que ajudou a levar a produção de feijão para o oeste da Bahia.
Foto de Celito Breda em 1988, na época em que começou a trabalhar em fazendas do oeste da Bahia
Arquivo Pessoal
“A irrigação era uma raridade na região, logicamente que os primeiros feijões também foram nessa fazenda. Eles plantavam uma variedade, chamada carioca 80, que era a mais comum na época, mas a produtividade era muito baixa: 30 sacas por hectare”, relembra.
“Em 1996, fiz um convênio com a Embrapa e trouxe a variedade pérola, que hoje á mais plantada do Brasil, e fui eu quem trouxe para a região. Com ela, aí a produtividade saltou para 60 sacas por hectare”, acrescenta, já dando spoiler para outra parte da história.
Após mais de 3 anos de trabalho na primeira fazenda irrigada da região, Celito decidiu em 1992 montar a primeira empresa de consultoria agronômica especializada em áreas irrigadas.
A técnica estava crescendo no oeste da Bahia, o que gerou uma boa oportunidade. Hoje, a região é um dos pólos de agricultura irrigada do país.
Produtor de feijão do oeste da Bahia conta história na atividade
Pioneirismo e pesquisa
Outra característica do pioneirismo de Celito é o gosto pela pesquisa e inovação. Além de levar para o oeste da Bahia a variedade de feijão carioca mais plantada do país, ele ajudou na implantação de uma das principais culturas da região hoje em dia: o algodão.
“Por influência de um agrônomo de Alagoas, Luiz Cansanção, já falecido, fomos incentivados a entrar no algodão. A minha empresa foi pioneira na produção do algodão mecanizado, que é mais moderno, em 1995”, diz.
Foto do primeiro dia de campo organizado em Barreiras, no ano de 1996, eventos servem para apresentar novas tecnologias
Arquivo pessoal
Junto com outros produtores, foi atrás de mais assistência técnica para os agricultores do oeste baiano, com a criação da Fundação Bahia. “Tivemos a iniciativa de formar essa empresa de pesquisa pela dificuldade que a gente tinha de ter a pesquisa atendendo a região.”
Para dar vida ao projeto, conheceu como funcionavam outras fundações de pesquisa agronômica pelo país, com a Fundação ABC, Fundação MT e a Embrapa.
“Eu me considero um pioneiro no feijão, algodão e na pesquisa. A troca de experiências me abriu a cabeça para a importância da pesquisa, para evitar muitos erros”, afirma.
“Na crise da helicoverpa (lagarta que destruiu lavoura entre 2013 e 2014), fomos até a Austrália aprender como lidar. Assim como a tal ‘agricultura 4.0’, fomos no ano passado para Israel para aprender este assunto”, completa Celito.
Tentativa e erro
Voltando à década de 1990, enquanto ainda prestava consultoria para agricultores, Celito também foi tentar a produção própria, em terras alugadas, mas o primeiro milhão não veio – nem mesmo colhendo uma grande espiga.
“Fui me aventurar a plantar melancia irrigada e me lasquei… depois tentei plantar repolho e me lasquei também… Comecei a vender pamonha, mas não vendia nem a metade. Tudo inexperiência. Achei que ia ficar rico e só quebrei a cara”, conta.
“Olhando para trás, a gente reconhece que foi bastante arrojado. A gente não se acomodava com qualquer empreguinho, a gente queria voar longe…”
Moradia de Celito ao chegar no oeste da Bahia: uma barraca de lona
Arquivo pessoal
Em 1994, conseguiu comprar a própria fazenda, onde plantava soja, algodão e feijão. Tudo parecia estar melhorando.
“Estava andando de F-1000, parecendo um ricaço, mas quebrei”, diz. Foi uma época em que os preços internacionais da soja caíram drasticamente, deixando um grande prejuízo.
Para piorar, problemas na safra seguinte, de feijão, atingiram a lavoura de Celito. “Perdi uma grande safra (de feijão) e quebrei pela segunda vez. Só que o tombo foi mais feio porque era uma lavoura grande”, lembra.
Com isso, em 1997, acabou vendendo a propriedade para pagar as dívidas. A consultoria agronômica continuava e virou a única fonte de renda.
Mas, pouco tempo depois, retomou a atividade, agora alugando terras com um sócio. “Eu queria entrar nesse ramo, então persisti.”
Celito (de barba) e os seus sócios em uma lavoura de algodão em 1996
Arquivo pessoal
Retomada e consolidação
Já em 1999 foi para outra sigla do Matopiba, o Piauí. Por lá, comprou uma área de 2.200 hectares. A implementação da área não foi fácil. Crises em 2005 e 2009 afetaram muito a atividade agrícola e quase houve uma nova quebradeira.
“Nessa empreitada no Piauí, abrimos a área, mas começamos nos alojando em barracas de lona, depois de muito tempo fizemos construção de alvenaria. Até hoje não temos um grande conforto lá, decidimos investir mais na terra do que na sede, uma casa bonita”, diz.
Depois de tantos problemas, Celito diz que, desde 2017, a atividade agrícola tem sido boa para ele. Foram 4 safras seguidas com boa produção e remuneração. “Estamos relativamente bem”, afirma.
Atualmente, o agricultor produz feijão, soja, milho e algodão em 6.000 hectares, dividimos entre Barreiras, oeste da Bahia e Baixa Grande do Ribeiro, no Piauí. A expectativa é colher 1.500 toneladas de feijão (de corda e carioca) nesta safra. Mais de 30% já foi colhido até agora.
“Depois de quatro quebradeiras, hoje eu posso me considerar realizado como produtor.”
Celito Breda na lavoura de algodão próxima do ponto de colheita
Arquivo Pessoal
Vencer em uma nova fronteira agrícola não é fácil. Um cálculo feito por produtores regiões mostra que pelo menos 6 mil pessoas se arriscaram na atividade agrícola no oeste da Bahia desde o início da década de 1980.
Hoje, são cerca de mil produtores, “sendo que metade deles realmente tem uma boa condição financeira”. Ou seja, de 6 mil que tentaram, cerca de 500 conseguiram realizar o sonho do desbravador.
“Região de fronteira agrícola é perigosa, cheia de aventura, não tem margem para erros. E a gente não tinha a tecnologia que temos hoje. Aqui na região, todo mundo já quebrou alguma vez, precisa ter muita resiliência.”
“Aqui teve gente que desistiu no primeiro, no segundo round. Mas eu sou como o Rocky Balboa, que apanhava até o sexto round, mas depois ressuscitava e vencia”, brinca, ao usar o clássico boxeador do cinema como referência.
Sem desistir
Resiliência é uma palavra que Celito usa bastante para falar da produção rural, mas também precisou fazer uso dela em um momento delicado da vida: a descoberta de um câncer em 2009.
“Eu tive um período extremamente conturbado, eu plantava em diversos lugares, era diretor de associações e resolvi ser secretário de Agricultura em Barreiras. Meu estresse foi lá para as nuvens e descobri um câncer, um linfoma não Hodgkin”, conta.
A doença afeta as células, vasos e órgãos do sistema linfático, responsável por ajudar na defesa do corpo contra ameaças externas, como vírus e bactérias. A doença já atingiu a ex-presidente Dilma Rousseff e o ator Reynaldo Gianecchini.
“Eu descobri o linfoma quando ele estava começando, fui para Curitiba, fiz o tratamento e me curei 100%. Foi uma surpresa, minha família se abalou”, relembra.
Celito, a esposa Adriana e o filho mais novo Eduardo
Arquivo pessoal
“Os médicos falaram que a chance (de sobrevivência) era pequena, mas eu não me abalei, encarei com a maior normalidade. Cada um tem seus desafios, eu tive o câncer com 47 anos, hoje estou com 58 anos e bem, graças a Deus.”
Único da família
Breda é um sobrenome de origem europeia e veio dos avós italianos de Celito que migraram para o Brasil. Agricultura dentro da família só de subsistência, nada em grande escala. Celito é o único dos 14 irmãos que virou produtor rural.
O pai, José Orestes Breda, virou ferreiro no norte do Rio Grande do Sul e, dos 10 aos 18 anos, Celito trabalhava com o ele. “Ia na ferraria do meu pai, que eu nunca gostei, mas eu gostava que, nos fins de semana, ele me levava para ver os campos de trigo de Jacutinga.”
O produtor rural lembra que o pai tinha um livro antigo sobre agricultura e que o patrono da família ajudava vizinhos no manejo do solo. “De ouvir essas história, aquilo foi ficando no meu subconsciente, acabei pegando gosto sem saber”, conta.
Aos 18 anos, após o colégio técnico agrícola, foi estudar agronomia em Passo Fundo, aí o interesse virou paixão.
“Não sei como consegui me formar, mas consegui pagar tudo, trabalhava na cidade, trazia muamba do Paraguai…”, afirma Celito, que, nessas aventuras pelo sonho, chegou a perder um dedão do pé no período em que trabalhou em uma granja de porcos na Serra Gaúcha.
Caminho do pioneirismo: mapa mostra a distância entre a cidade onde Celito nasceu e onde foi tentar ganhar a vida
Arquivo pessoal
Depois de chegar à Bahia, construiu a própria família, mas, antes, passou por todas as provações que um pioneiro passa. “Passamos por aquela fase que tinha que parar para dormir em barraco de lona, não tinha carne para comer mas a gente nem se importava”, afirma.
“Para fazer 50 km levava 5 horas porque só tinha estrada de terra. O espírito aventureiro era muito forte, acho que herdei isso dos meus avós, que passaram por dificuldades muito piores.”
Hoje, ele já não deverá ser o único da família na produção rural. Os filhos Diego e Eduardo, de 26 e 21 anos, respectivamente, que estudam agronomia.
Já o pai, José Orestes, com 98 anos, e a mãe, Teolides, com 94 anos, vão muito bem e com saúde.
Recado para a cidade
Perguntado sobre qual cultura que ele produz que dá mais orgulho, Celito não tem dúvida: o feijão, que é o alimento no prato. A outra é a soja porque, segundo ele, alimenta o mundo.
Para o leitor da cidade, um recado. “Que se informem melhor e conheçam melhor a agricultura. Os agricultores preservam o meio ambiente. Eu tenho mil hectares de reservas legais, me custou alguns milhões de reais (manter isso)”, diz.
Sobre o que é ser agricultor: “É uma atividade nobre, patriótica e de risco. É só para as pessoas de muita fibra e muito resilientes.”



Fonte: G1