Falta de clareza em estratégia do governo é entrave para crescimento sustentado da economia | Economia


Como mostrou o G1 nesta quinta-feira, as perspectivas para o PIB de 2021 são tímidas, mas há possibilidade em aberto de revisão para baixo. No radar dos economistas, está o destino da situação fiscal pela qual passa o Brasil e as formas de manejo do orçamento para vencer a crise.

O G1 ouviu quatro economistas, de diferentes correntes de pensamento, sobre o que deve ser feito para que haja uma retomada robusta, desenvolvimento da economia e redução das taxas de desemprego no país.

Houve um único consenso: a falta de uma estratégia do governo para ataque dos problemas se arrasta por tempo demais e tira confiança de que há poder político para resolver a questão.

O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, fez parte da equipe econômica do ministro Paulo Guedes até julho deste ano. Para ele, as contas públicas têm respaldo de mecanismos importantes, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos, mas falta ao Executivo uma mostra clara de que essas políticas serão respeitadas.

“O investimento é o motor da economia, mas os empresários ficam com a sensação de que o governo a qualquer momento vai aumentar imposto ou gerar inflação para conseguir pagar as contas”, diz Megale.

Para o economista, flexibilizar o teto de gastos e acelerar investimentos públicos em um momento que o país está no vermelho, com a dívida pública acima dos 90%, demandaria uma emissão de títulos públicos com juros mais altos. “Esse aumento dos juros acaba custando mais do que o aumento de investimento e transferências sociais”, diz.

Assim como os antigos colegas de Ministério, o economista acredita em uma saída por meio de incentivo aos investimentos privados. Cita a nova Lei do Saneamento, aprovada neste ano, e a nova Lei do Gás, que está em tramitação, como marcos regulatórios importantes para atrair investidores.

Megale aposta também na captação de recursos pelo mercado de capitais, que ganhou fôlego no país desde que a taxa Selic entrou em queda, ainda no governo Michel Temer.

De fato, títulos de crédito subiram muito em um comparativo de cinco anos. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as debêntures (títulos de dívida de empresas) movimentaram R$ 74,6 bilhões em 2014. Em 2019, foram R$ 184,6 bilhões. As ofertas públicas de ações (IPOs) foram de R$ 1,03 bilhão para R$ 10,2 bilhões no mesmo intervalo.

“Dinheiro existe, mas precisamos de bons mecanismos para canalizar essa transferência e uma sinalização de estabilidade para a frente”, diz.

A economista Zeina Latif concorda com a necessidade de fortalecimento de marcos regulatórios, mas não está tão otimista com um futuro promissor. O tempo que o país teve juros mais elevados e desajuste fiscal, diz ela, aumentou o risco país, reduziu a produtividade e tirou competitividade do ambiente de negócios brasileiro.

“Houve uma queda da Selic, mas a economia ficou tão desestruturada nos últimos anos que, por mais que se tenha um alívio, não vai ser um instrumento tradicional que vai conseguir puxar crescimento”, diz Zeina.

Para a economista, qualquer extensão de política pública para resgate da economia por conta de complicações da pandemia deveria vir junto de um planejamento detalhado de reformas estruturais. Mas lembra que, ainda assim, há complicações extras de governança no país, como a questão ambiental, que gera fuga de investimentos.

“Não temos uma bala de prata. O Custo Brasil tem uma série de nós que precisam ser desatados. Lamentavelmente, foi eleito um governo em que o presidente não tem essa visão e o ministro da Economia está isolado”, afirma.

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Em todo o mundo, a continuidade de estímulos à economia está sendo discutida. A pandemia do novo coronavírus passa por uma segunda onda de contágios e ameaça a retomada vigorosa da economia global. Por outro lado, as farmacêuticas Pfizer e Moderna protocolaram pedidos de uso de emergência de suas vacinas, o que traz algum alívio às expectativas do mercado. O Reino Unido, por exemplo, anunciou que deve começar já na próxima semana seu programa de vacinação.

Nos Estados Unidos, o presidente eleito Joe Biden montou um time de simpatizantes de novos pacotes de incentivo para sua equipe econômica. Os integrantes montarão políticas inspiradas na recuperação da crise financeira de 2008.

O governo brasileiro pretende fazer o contrário: um retorno à agenda de aperto fiscal para conter os gastos públicos e, ao mesmo tempo, formatar um programa social — sem aumentar gastos e que dê conta de suavizar o impacto da retirada do Auxílio Emergencial.

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Uma corrente de economistas brasileiros advoga por um prolongamento dos incentivos públicos à economia, dizendo que o corte de gastos em um momento de crise tende a piorar a demanda em uma economia que volta a subir com dificuldades. Quem é contrário argumenta que um “drible” no teto de gastos geraria aumento precoce da taxa de juros, deterioração ainda maior da situação fiscal, inflação e fuga de investimentos.

Professor da Fundação Getulio Vargas, o economista Nelson Marconi é do time que defende ampliação de gastos. Ele calculou o tamanho da expansão monetária produzida pelo governo com os programas de auxílio durante a crise. A ordem de crescimento foi de 33%. Incluindo títulos públicos e operações compromissadas, a alta foi de 14,6% entre março e setembro.

“Se tivesse uma relação direta, o aumento da inflação deveria ser maior. Claro que houve impacto em preços de alimentos, por exemplo, mas são resultados localizados. Não dá para dizer que isso é inflação consistente”, diz Marconi

Pela tese dos economistas que pensam como ele, o crescimento continuará patinando em 2021 porque, sem estímulos por parte do governo, haverá uma queda forte da demanda, prejudicando o consumo. O economista propõe a formatação de um fundo para financiamento de investimentos públicos, captando de diferentes fontes.

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Baseado na tese de que a emissão de moeda não causou inflação durante a pandemia, o fundo teria parte de emissão de moeda. Outra, aplicando tributação a lucros e dividendos distribuídos por empresas. Uma terceira, de pequena parcela de reservas internacionais. Por fim, uso de receita de outorgas. Só a última, diz ele, teria impacto mais relevante na dívida pública.

“A queda da taxa básica de juros foi importante para a trajetória da dívida, mas não foi transmitida para os juros de mercado. Não tem como achar que o mercado privado vai resolver a questão do financiamento de investimentos”, afirma Marconi.

O economista Pedro Rossi, professor da Universidade Estadual de Campinas, também avalia que a busca de enquadrar repasse de recursos dentro do teto de gastos não será suficiente para uma recuperação econômica.

“Temos uma crise de demanda que foi muito amenizada por conta atuação do governo, em particular com o Auxílio Emergencial. É uma medida temerária fazer um corte brusco nos gastos públicos dessa forma”, diz Rossi.

O economista afirma ainda que a pandemia deixa “cicatrizes”, e que enviar ao Congresso um Orçamento sem espaço para ajuste pode agravar a crise econômica. “Não dá para tirar os estímulos todos da economia de uma vez só. É um experimento social de alto risco”, diz.

Ao lado de Ana Luiza Matos de Oliveira e Esther Dweck, Rossi organizou recentemente um livro chamado “Economia Pós-Pandemia”, que elenca uma série de ideias opostas às da equipe de Paulo Guedes para a condução da economia nos próximos anos.

PIB DO 3º TRIMESTRE DE 2020

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Fonte: G1