Facebook: como a rede social se tornou peça central na crise política de Mianmar | Mundo


É muito comum se ouvir em Mianmar que o Facebook é sinônimo de internet, então, quando os militares pediram que ele fosse bloqueado por uma questão de “estabilidade”, isso abalou o país.

Enquanto os militares assumiam o controle em um golpe em 1º de fevereiro, muitos assistiam aos acontecimentos no Facebook em tempo real.

A rede social é a principal fonte de informações e notícias no país, onde as empresas operam e as autoridades divulgam informações vitais.

Sua onipresença significa que a rede desempenha um papel desproporcional no alcance das informações e em seu impacto no mundo real.

Por que o Facebook é tão popular em Mianmar?

Até meados dos anos 2000, a maioria das pessoas não tinha acesso à internet ou a telefones celulares sob o governo militar.

Um chip de telefonia móvel fornecido pela empresa de telefonia estatal podia custar centenas de dólares, então a penetração do celular era uma das mais baixas do mundo.

O mercado começou a ser aberto em 2011 e, em 2014, duas empresas de telecomunicações receberam permissão para entrar no país: a Telenor, na Noruega, e a Oredoo, do Catar.

Foi a primeira vez que muitos tiveram acesso a qualquer tipo de telecomunicação, e isso levou a uma rápida adoção de celulares, à medida que os preços despencavam.

“Mianmar entrou na internet mais ou menos da noite para o dia, quase de uma vez”, diz Richard Horsey, um analista político independente.

O Facebook entrou no país em 2010 e, inicialmente permitiu, que seu aplicativo fosse usado sem incorrer em cobranças de dados, por isso ganhou popularidade rapidamente. Também vinha pré-instalado nos telefones.

“Durante os anos de censura, se você quisesse saber o que estava acontecendo, tinha que ir até uma casa de chá e conversar com as pessoas. Quando o Facebook surgiu, ele se solidificou com uma maneira de fazer isso — uma casa de chá digital”, diz Horsey.

Agora é usado por mais da metade da população do país, de 54 milhões de pessoas, diz a empresa.

VÍDEO: Apesar da pressão militar, centenas protestam contra golpe em Mianmar
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1 min VÍDEO: Apesar da pressão militar, centenas protestam contra golpe em Mianmar

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Centenas de professores e estudantes se reuniram nesta sexta-feira (5) em uma universidade em Yangon.

Por que a rede social foi motivo de controvérsia?

Em 2012, a violência eclodiu no Estado de Rakhine entre a maioria budista e a minoria muçulmana Rohingya.

E havia temores de que as redes sociais, especialmente o Facebook, fossem capazes de amplificar as tensões existentes, resultando em violência.

Como exemplo disso, em 2014, um monge extremista e antimuçulmano, Ashin Wirathu, compartilhou uma postagem alegando que uma menina budista havia sido estuprada por homens muçulmanos. Isso viralizou no Facebook.

Dias depois, uma multidão atacou os acusados ​​de envolvimento no caso, e duas pessoas morreram na violência que se seguiu. Uma investigação policial mais tarde descobriu que a acusação do monge havia sido completamente inventada.

O Facebook admitiu que demorou a agir contra o discurso de ódio em Mianmar — Foto: STR/BBC

Investigadores de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) concluíram que o discurso de ódio no Facebook desempenhou um papel fundamental no fomento da violência em Mianmar. A empresa admitiu que não conseguiu evitar que sua plataforma fosse usada para “incitar a violência”.

“O Facebook foi cúmplice de um genocídio. Já havia sinais e fortes apelos para que o Facebook lidasse com o incitamento à violência na plataforma, mas sua inação realmente contribuiu para fomentar a violência em Mianmar”, disse Rin Fujimatsu do grupo de pesquisa e defesa Progressive Voice .

Desde então, a plataforma tomou algumas medidas para remover ativamente o discurso de ódio e banir oficiais militares.

Em 2018, o Facebook expulsou Min Aung Hlaing, o líder das Forças Armadas de Mianmar, que liderou o golpe nesta semana. Também baniu o canal de televisão do Exército Myawaddy de sua plataforma.

Então, por que está sendo bloqueado agora?

Os militares pediram aos provedores de internet que bloqueiem a plataforma para garantir a estabilidade.

Isso coloca em questão o impacto sobre a campanha de desobediência civil contra o golpe e também a divulgação de conselhos de saúde pública sobre a Covid-19 que acontece em grande parte no Facebook.

“É realmente uma violação do direito das pessoas à informação e expressão, bem como à liberdade de expressão. Isso é realmente crucial em um momento em que as informações são necessárias para todos se protegerem da pandemia”, disse Fujimatsu.

Os cidadãos agora estão buscando alternativas. Outras mídias sociais e plataformas de mensagens tiveram um aumento no número de usuários em Mianmar, incluindo Twitter, Signal e aplicativo de mensagens offline Bridgefy depois que os militares interromperam temporariamente o acesso à internet.

O Facebook disse: “Pedimos às autoridades que restaurem a conectividade para que as pessoas em Mianmar possam se comunicar com familiares e amigos e acessar informações importantes”.

A empresa também afirmou que agora está tratando a situação atual em Mianmar como um estado de emergência e está ativamente removendo conteúdo que elogia ou apoia o golpe.

A plataforma é um fator-chave na campanha de desobediência civil. Muitos usuários mudaram suas fotos de perfil para mostrar apoio ao partido político da líder civil deposta, Aung San Suu Kyi.

E dada a sua história no país, existe um sentimento de que o Facebook tem a obrigação de proteger os direitos humanos e a liberdade de expressão.

Então, isso pode diminuir a importância do Facebook? Os observadores acham que é improvável.

“As pessoas também viram como é fácil reprimir o Facebook e como a comunicação é frágil, especialmente sob o atual golpe militar, então, elas vão diversificar as formas de obter suas informações e como se comunicam entre si desafiar os militares”, diz Fujimatsu.

Mas, no final das contas, o Facebook está integrado demais na vida diária do povo de Mianmar para que as pessoas o abandonem de vez.

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Fonte: G1