Entenda o que é o marco do saneamento e o que muda se o Congresso derrubar trechos modificados por Lula


Classificada como a primeira derrota do governo Lula no Congresso, Câmara derrubou dispositivos que flexibilizam marco legal do saneamento. Líder fala em reorganização da articulação política. A Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira (3) a derrubada de dispositivos modificados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no marco legal do saneamento básico. O projeto vai agora ser analisado pelo Senado Federal.
Os decretos de Lula, que já estão em vigor, flexibilizam pontos das atuais regras de concessão e exploração dos serviços de coleta de esgoto e tratamento de água nas cidades brasileiras.
As mudanças foram criticadas por parlamentares e por associações do setor. Desde abril, cresceram as mobilizações no Congresso para a derrubada das alterações.
O esforço, que chegou a contar com críticas diretas aos decretos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), levou à primeira derrota do governo Lula no Parlamento na última quarta.
Lula assina decreto que faz alterações no marco legal do saneamento.
Reprodução
Entenda a seguir o que significará a possível derrubada dos trechos modificados por Lula:
O que é o marco legal do saneamento?
O marco legal é uma lei que modifica uma série de normas do setor do saneamento básico do Brasil. O texto foi enviado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2019 e aprovado pelo Congresso em 2020.
O marco prevê mecanismos para ampliar, em índices próximos a 100%, a rede de fornecimento de água potável e de coleta de esgoto pelo país até 2033. Também estabelece estímulos para a presença do setor privado.
Segundo os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 84,2% da população brasileira tem acesso à água potável. A cobertura é ainda menor para a coleta de esgoto: menos de 56% contam com o serviço em casa.
Quais mudanças foram feitas por Lula?
Os decretos de Lula alteraram dispositivos que tratam:
da comprovação da capacidade econômica das empresas públicas:
Inicialmente, o marco aprovado por Bolsonaro previa que as empresas responsáveis pelos atuais contratos de serviços deveriam comprovar capacidade econômico-financeira para seguir com as atividades e as metas estabelecidas de universalização até 31 de dezembro de 2021.
Sem a entrega da documentação, as empresas passariam a ficar irregulares, o que poderia levar a processos de substituição.
Com o texto de Lula, o prazo para comprovarem a capacidade financeira passa para até 31 de dezembro de 2023. A regularização da prestação dos serviços deverá ocorrer até 31 de dezembro de 2025.
da formação de blocos de municípios para a concessão dos serviços:
Lula estendeu o prazo para que municípios formem blocos regionais para atrair investidores. O texto original estabelecia a formação dos blocos até 31 de março de 2023. Agora, os municípios poderão articular a formação até 31 de dezembro de 2025.
da possibilidade de contratos sem licitação:
Um dos decretos de Lula abre caminho para que empresas estatais prestem serviços de saneamento sem licitação em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões.
Originalmente, o marco legal do saneamento proibia que municípios e companhias estatais de saneamento firmassem contratos sem licitação. O texto estabelecia que todos os novos contratos deveriam passar por concorrência entre os setores público e privado.
do limite para contratos de parceria público-privada (PPP):
O marco legal do saneamento estabelecia um limite de 25% das receitas de empresa prestadora dos serviços de saneamento para a assinatura contratos de parceria público-privada (PPP). O decreto de Lula acaba com esse limite.
e dos critérios para repasses federais a concessões:
O decreto também passa a incentivar que as licitações adotem o valor da tarifa aos cidadãos como critério de seleção. Incentivos federais serão priorizados para os locais que seguirem esse critério ou metas para antecipar a universalização do serviço público de saneamento
Os decretos foram bem recebidos?
Associações do setor de saneamento e parlamentares criticaram a edição dos decretos, especialmente em relação à insegurança jurídica criada pelas novas regras. Companhias de saneamento em Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul chegaram a anunciar a desfiliação da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), que defende as mudanças promovidas por Lula.
Em geral, como mostrou o blog da jornalista Ana Flor no g1, somente o fim do limite para as PPPs foi recebido de maneira positiva. No Congresso, 11 propostas foram apresentadas para sustar trechos dos decretos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse, ainda em abril, que enxergava as mudanças com “muita preocupação”. Em outra ocasião, afirmou que os decretos traziam “retrocessos que precisam ser avaliados”.
O que a Câmara aprovou?
Com empenho da oposição, trechos dos decretos foram derrubados por 295 a 136 votos. A Câmara decidiu pela retirada dos dispositivos que:
permitiam contratos sem licitação por empresas estatais em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões;
e que estendiam os prazos para comprovação de capacidade financeira.
Deputados aprovaram decreto legislativo que derruba trechos de decreto presidencial sobre marco legal do saneamento.
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Qual a avaliação dos parlamentares?
Os parlamentares classificaram a aprovação como a primeira derrota do governo Lula no Congresso e um exemplo da falta de articulação na Câmara.
Com mais de 4 meses, o governo federal ainda não tem o que os congressistas chamam de uma “base sólida”, principalmente na Câmara. Na votação da proposta nesta quarta, três partidos com ministérios, por exemplo, votaram em peso pela derrubada dos trechos:
MDB: 31 votos a favor (de 32);
PSD: 20 votos a favor (de 27);
e União Brasil: 48 votos a favor.
Há meses, deputados aliados ao governo têm repetido que Lula deve voltar os esforços políticos do Planalto na Câmara dos Deputados.
A avaliação passa por problemas de negociação com o chefe da articulação política do governo, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), e falta de diálogo com lideranças na Casa.
Um dia antes da votação, na terça (2), Lula ouviu de Lira que a articulação política do governo precisa melhorar e que havia falhas no compromisso de distribuir emendas parlamentares.
Na esteira da aprovação da derrubada na Câmara, o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), chegou a dizer que o resultado levaria o governo a “refletir sobre as relações aqui dentro”. “Esses líderes foram intransigentes a não dialogarem com o líder do governo para votar essa matéria terça ou quarta-feira. Eu nunca vi isso aqui no Parlamento”, disse.
Quais são os próximos passos?
Como o projeto começou a tramitar pela Câmara, ele deverá agora ser analisado pelo Senado. Por lá, o texto precisará de maioria simples para ser aprovado – ou seja, maioria dos votos dos senadores presentes à sessão.
Mesmo com a avaliação de que há mais trânsito no Senado, o governo precisará realinhar a base para não ter os textos derrubados.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), disse ter pedido ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que dê andamento ao texto. De acordo com ele, Pacheco deve encaminhar o projeto à Comissão de Infraestrutura. A expectativa é levar a proposta ao plenário principal da Casa em três semanas.
Com a aprovação do Senado sem mudanças, o texto é transformado em decreto legislativo sem passar pela sanção do presidente Lula. Pelo texto aprovado na Câmara, passaria a valer na data da publicação.

Fonte: Portal G1