‘Empreendi para sobreviver’: refugiada síria cria projeto gastronômico para ajudar pessoas como ela | PME


Empreender não é fácil. Agora, imagine abrir um negócio em um país que não é seu, sendo um refugiado? Foi o que fez a síria Joanna Ibrahim, de 33 anos, no Brasil desde 2015. O setor escolhido foi o da gastronomia, que para ela é um instrumento de mudança social.

“Empreendi para sobreviver. Eu não tinha outra opção, entrar no mercado de trabalho era muito difícil, mesmo com experiência em administração e relações públicas e falando inglês fluente”, conta.

No início do mês, a empresária realizou um grande sonho: abriu um restaurante físico em São Paulo. Para isso, remodelou todo seu negócio, que nasceu em 2018 como uma cozinha rotativa com comida de vários lugares do mundo, feita por refugiados e imigrantes.

Seja qual for o modelo, a marca Open Taste, criada por ela, segue com o mesmo objetivo: ser um negócio que ajude outros refugiados.

“Eu não consigo andar sozinha. Nunca vou conseguir. Pra mim, só vale empreender se tiver impacto social”, diz.

Mais de 70 chefs passaram pelo projeto de Joanna, que já gerou mais de R$ 150 mil em renda para essas pessoas.

Em busca de um modelo de negócios

Antes de chegar no momento atual, Joanna teve muitas ideias. Tudo começou quando a avó e uma tia dela também vieram para o Brasil, para morar em Juiz de Fora, em Minas Gerais. Para sobreviver, passaram a vender quibes e esfirras. A avó cozinhava e a neta cuidava da compra dos ingredientes e das vendas.

“Mas isso não me preenchia como pessoa. Queria fazer mais. Comecei a pensar em montar um aplicativo para vender ingredientes de todo mundo e que pudesse ajudar outras famílias. Dessa ideia começou a nascer meu negócio”, conta.

Logo, ela percebeu que sem investimento financeiro seria difícil fazer o negócio funcionar. Por isso, em 2018, quando se mudou para São Paulo, adaptou a ideia e criou o Open Taste.

Toda sexta-feira, Joanna recebia um refugiado para cozinhar suas especialidades em uma cozinha compartilhada, uma espécie de coworking para cozinheiros. Ela pagava o aluguel do espaço e fazia a divulgação. O cozinheiro entrava com os ingredientes e a mão de obra.

Foi um sucesso, mas o lucro não era suficiente para bancar o projeto. A empresária percebeu alguns pontos falhos: os refugiados não tinham experiência com vendas, não sabiam como fazer a apresentação das comidas e, muitas vezes, não tinham nem dinheiro para comprar os ingredientes.

Foi nesse cenário que Joanna percebeu que essas pessoas precisavam, antes de mais nada, de capacitação. Em 2019, ela realizou o primeiro treinamento, para 20 pessoas.

Joanna em um dos treinamentos para cozinheiros refugiados, com participantes do Egito, Síria, Congo, Armênia, Uganda, Colômbia e Chile — Foto: Arquivo pessoal

Foi também em 2019 que decidiu abrir um restaurante físico. Mas a pandemia do coronavírus mudou os planos, e ela começou um delivery. Em uma “dark kitchen”, um chef de um país diferente comandava as panelas a cada dia da semana.

“A proposta era muito legal, mas faltou visibilidade. Ficou confuso para os clientes entenderem nossa dinâmica. Por conta da pandemia, com custos muito altos, não consegui manter a receita”, explica.

“Nosso trabalho não acaba quando a comida chega na sua mesa, mas quando ela chegar na mesa das centenas de pessoas em situação de refúgio que nós queremos ajudar”.

Esse é o lema do momento atual do Open Taste. Com o restaurante aberto para receber clientes no salão e a cozinha rotativa pausada, Joanna conta com um único chef, Ayman Younes Al Houjeiry, libanês, no Brasil desde 2019.

O próximo passo é começar um grande projeto de capacitação que pretende atender gratuitamente 2 mil pessoas até 2025. A ideia é oferecer cursos de culinária, mas também de administração, marketing, fotografia, finanças.

“Meu desejo é que o Open Taste como restaurante ofereça uma experiência legal para os clientes e consiga sustentar a capacitação dessas pessoas”, conta Joanna.

Para viabilizar todas essas ideias, ela busca parceiros e também pede ajuda em um financiamento coletivo.

“Ter um investimento faz muita falta. É muito difícil empreender sem dinheiro e os investidores não confiam em uma pessoa estrangeira”, lamenta.

Para Joanna, o investidor brasileiro se interessa por números e por empresas que apresentem resultados. “Mas como fazer isso sem dinheiro?”, questiona.

“É o dinheiro que faz o negócio crescer. Em outros lugares do mundo, investidores estão mais interessados em ideias. Eu tenho uma ideia e vontade de fazer acontecer, por isso não vou desistir”, diz.

Refúgio e amor pela cozinha

“Quero ser um cozinheiro famoso no Brasil”.

É assim que Ayman, o chef oficial da nova versão do Open Taste, se apresenta. Ele tem muita experiência no setor. No Líbano, fez faculdade de hotelaria. Na Itália, um curso de culinária sobre massas. Já trabalhou como gerente e chef em hotéis e restaurantes de alto padrão na Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes.

Ayman é libanês e comanda a cozinha do Open Taste — Foto: Arquivo pessoal

Com toda essa bagagem, desenvolveu um cardápio bastante diverso para o Open Taste, com pratos típicos de vários países, como Líbano, México, Armênia, Venezuela, Colômbia e Itália. Tem opção para todos os gostos, de hambúrguer a pratos mais elaborados.

“Joanna me conheceu pelo Instagram e me convidou. Eu adorei, porque é um projeto para pessoas como eu. Tenho experiência e muitas ideias. Eu gosto de fazer coisas novas na cozinha e quero mostrar isso para os brasileiros”, diz.

Ayman resolveu sair do Líbano por não ser aceito pela família.

“Eu sou gay e lá eles não me aceitam. Meu irmão me pediu para sair de casa. Minha história é muito triste. Mas um primo me ajudou a vir pra cá, aqui encontrei um amor, pessoas muito boas. Eu vou ficar aqui, por causa do meu namorado e por causa do Open Taste”.

Para Ayman, o projeto de Joanna é muito importante para ajudar os refugiados. Ele quer ver o negócio crescer para ajudar mais gente que, como ele, ama o que faz e precisa de meios para ter uma boa vida no Brasil.

“Eu tenho muito amor pra cozinhar, aprendi com a minha mãe. Quero crescer, aprender mais e trazer outros refugiados pra nossa cozinha”, afirma.



Fonte: G1