‘Dona’ de 1/5 do PIB, indústria encolhe 0,2% e enfrenta dificuldades na retomada; veja os 5 entraves principais | Economia


Falta de insumos, energia cara, produção paralisada, famílias sem poder de compra: a indústria brasileira pode estar batendo às portas do pronto-socorro.

Ser o setor menos afetado pelas restrições impostas pela pandemia não impediu que ela “encolhesse” 0,2% no segundo trimestre deste ano, segundo dados divulgados nesta quarta-feira (1) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

E o cenário para os próximos meses promete continuar desafiador: segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV), a confiança do setor – que responde por cerca de 20% do PIB brasileiro – voltou a recuar em agosto, embora ainda permaneça acima dos 100 pontos patamar que sugere otimismo.

“A indústria está perdendo força por fatores de oferta e demanda”, diz o economista e ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega.

“Há uma perda de dinamismo pelo lado das famílias por causa da inflação, mesmo havendo uma pequena recuperação do emprego pela informalidade. Do lado da oferta, a indústria está sofrendo os efeitos da cadeia global de suprimentos. O aumento de preços também afeta muito a indústria, principalmente o da energia”, explica.

Ao mesmo tempo, a economia como um todo sofre os efeitos da prolongada crise política do país, além das desconfianças sobre a capacidade do governo de avançar na agenda de reformas e promover o crescimento – fatores que contribuem para aumentar a desconfiança e adiar investimentos na indústria.

“Não existe um motor impulsionado o PIB brasileiro. Infelizmente, não temos nenhuma política de crescimento econômico”, lamenta Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB do Ibre/FGV, levantamento que procura antecipar o comportamento da economia.

Desempenho da indústria no PIB — Foto: Economia G1

Veja abaixo os cinco principais entraves para o crescimento da indústria no país

1. Perda do poder de compra das famílias

Nos 12 meses até junho (quando se encerrou o segundo semestre), a inflação acumulou alta de 8,35%, a maior desde 2016 até então. No mês seguinte, a situação piorou – e a alta de preços não dá indícios de alívio. A consequência direta dessa inflação é a perda do poder de compra das famílias.

A alta do dólar também contribui: como uma fatia considerável dos insumos da indústria é importada, a valorização da moeda norte-americana frente ao real se reflete em mais aumentos de preços aqui dentro.

“A indústria vai mal porque está indo mal o consumo das famílias, a renda das famílias está caindo com a inflação”, explica Considera. “A parte que foi garantida pelo Auxílio Emergencial acabou sendo usada em produtos não duráveis, alimentação, basicamente, e, mais tarde, teve um pouco de duráveis, mas já voltou a uma normalidade.”

2. Problemas na cadeia global de suprimentos

Entre as muitas dificuldades apresentadas pela pandemia, houve uma quebra da cadeia global de suprimentos, prejudicando o fornecimento de insumos entre os países.

Falta de semicondutores prejudica retomada de setores da indústria brasileira

Falta de semicondutores prejudica retomada de setores da indústria brasileira

No Brasil, o problema é mais sentido pelas montadoras, que enfrentam problemas para obter semicondutores – um dos motivos alegados por diversas montadoras que paralisaram suas atividades ao longo do primeiro semestre.

“A falta de semicondutores impede a normalização da cadeia automobilística”, explica Mailson da Nóbrega. “A indústria está perdendo muita força e esse problema não deve se resolver este porque a paralisia [em suprimentos] foi global”.

O Brasil vive hoje a maior crise hídrica em quase 100 anos – e que (embora o governo negue) ameaça resultar em racionamento e apagões.

Brasil passa por pior crise hídrica dos últimos 91 anos

Brasil passa por pior crise hídrica dos últimos 91 anos

Para evitar esse cenário, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promoveu sucessivos aumentos nas chamadas bandeiras tarifárias, taxa extra cobrada nas contas de luz, cujo objetivo seria estimular os consumidores a economizarem no uso de energia, além de compensar o custo mais alto de geração.

“A crise hídrica aumenta o preço da energia e de toda cadeia produtiva seja porque existem custos maiores para prestar serviços e para armazenar e transformar produtos. Há um impacto muito macro”, explica Juliana Inhasz, coordenadora de economia do Insper.

Ela aponta ainda, que a crise hídrica afeta o desempenho do PIB para além da indústria: “não pode esquecer também que o Brasil, por ser forte em agro, sofre duplamente com essa crise porque a produção agro cai. Temos redução da colheita, qualidade do produto cai e a pastagem cai”.

A taxa de juros iniciou o ano com mínimas históricas, a 2%. A aceleração da inflação, no entanto, acendeu o sinal de alerta, e o Banco Central deu início a uma sequência de elevações na Selic. Na última delas, no início de agosto, a taxa foi a 5,25%, a maior em quase dois anos.

Essa elevação impacta a indústria pelos dois lados: encarecendo o custo de produção, e reduzindo ainda mais o poder de compra da população. Com a inflação sem ceder e novas perspectivas de alta da Selic, a situação não tende a melhorar tão cedo.

“Nossa projeção para Selic é de 7,5% ao ano no final do ano e que fique assim em todo 2022. E o custo do crédito deve ser um fator limitante para toda a indústria porque deve afetar o consumo das famílias”, aponta Nóbrega.

5. Crise política e reformas travadas

Diante de tantos desafios, a indústria – e todo o país – têm de lidar ainda com a prolongada crise política, que trava as reformas esperadas pelo setor, que têm sido apresentadas fatiadas e sendo desfiguradas ao longo das tramitações.

“Tem os problemas (de falta de insumo e aumento de custo de energia), mas o problema maior é que não há estímulo para o crescimento do PIB brasileiro”, diz Considera, da FGV.

“Tem reforma disso, reforma daquilo, sempre na esperança de que fazendo essas reformas os empresários vão investir, as reformas vão estimular o crescimento econômico, mas isso não tem acontecido”, lamenta.

A crise política também gera uma instabilidade que aumenta a desconfiança sobre o futuro do país e prejudica os investimentos, gerando impactos ao longo da cadeia.

“A instabilidade do país impacta no câmbio, o câmbio afeta a inflação e a inflação afeta na renda dos brasileiros”, pontua Maílson da Nóbrega.

Diante de tantas dificuldades, as perspectivas para a indústria e para a economia brasileira nos próximos meses não são exatamente animadoras.

“Para o que ano vem, as perspectivas de crescer 2%. E a gente vai ficar sujeito a esse crescimento medíocre que tem acompanhado o país já há algum tempo”, aponta Considera. “Nós estamos numa situação muito difícil e vamos ficar nessa situação pelo próximo ano, pelo próximo ano e meio”.

“O segundo trimestre dará o tom do que deve acontecer no resto do ano: inflação alta, escoamento de commodities mais difícil e um cenário de incerteza daqui para a frente”, diz Juliana Inhasz.

PIB DO SEGUNDO TRIMESTRE DE 2021



Fonte: G1