Dolores: 'Era perseguida por 3 agiotas'




O g1 esteve em uma reunião dos Devedores Anônimos e conversou com quem chegou ao fundo do poço, mas conseguiu se reerguer. Leia as histórias. Dolores chegou a ser perseguida por três agiotas
Wagner Magalhães / g1
Dolores foi a pioneira do grupo na cidade do Rio de Janeiro. Quando ela percebeu que estava doente, em 2000, ainda não havia a irmandade no estado. Ela frequentava uma voltada para comedores compulsivos, mas sempre acabava falando sobre dinheiro.
“As pessoas começaram a ficar com muita pena de mim. Depois, passaram a se identificar. Então criamos um novo grupo só para quem sofria com dívidas.”
Dolores é um pseudônimo. Ela e outros participantes dos Devedores Anônimos contaram suas histórias ao g1.
Por dentro de uma reunião de devedores anônimos
Rita: ‘Devia a 10 cartões e tremia de abstinência’
Maria: ‘Comprava cinco sapatos iguais de uma vez’
Pedro: ‘Passei três meses sem dormir pensando nas dívidas’
Dolores trabalhava como diarista no fim dos anos 1990. Ela ganhava muito pouco e gastava muitas vezes mais que o salário com coisas para ela e a filha. Para se livrar do aluguel, comprou também um terreno.
“Achei que eu tivesse ficado rica, só pode. Tive que pegar empréstimo com três agiotas para a construção da casa. Depois, estava quase perdendo o terreno porque não tinha dinheiro pra pagar, a imobiliária já estava batendo na porta da minha casa pra colocar em leilão. Então peguei mais dinheiro de agiotas para recuperar o terreno”, conta.
“Eu não sabia fazer conta, né? Os agiotas me cobravam 30% ao mês, mas eu tinha entendido que ia ser 30% do total. Então, fui devendo cada vez mais e não consegui pagar, virou uma bola de neve. Foi quando fiquei desesperada.”
“Eu vivia com medo e sufocada, eles me ligavam três vezes por dia, descobriram onde eu trabalhava e iam atrás de mim toda semana. Eu dizia que ia conseguir pagar no dia seguinte, mesmo sabendo que não tinha de onde tirar.”
Dolores não tinha coragem de contar para as pessoas o que acontecia e, então, passou a se isolar. Sem dormir, prestes a perder a casa e ameaçada pelos agiotas, ela finalmente tomou coragem para conversar com pessoas do grupo de devedores. E foi lá que recebeu orientação para buscar a Justiça.
Com a ajuda de um advogado, cuja casa ela limpava, Dolores conseguiu refinanciar o terreno com prestações que coubessem em seu salário e recuperou a posse.
Já a relação com os agiotas foi resolvida por uma espécie de “milagre inexplicado”: “
Na época, a polícia começou a matar agiotas em série aqui no Rio. Um deles eu terminei de pagar. E os outros dois sumiram e não me perturbaram mais. Eu não sei se eles foram mortos ou fugiram do mapa, mas sei que tive paz.”
Esse foi só o momento mais crítico de Dolores, mas, ao longo desses mais de 20 anos, outras dívidas surgiram. Uma vez, ela “surtou”, entrou no supermercado e comprou tudo que podia colocar em cheques: televisão, móveis, todas as comidas caras que eu os filhos queriam e ela nunca podia comprar.
“E quem disse que eu consegui cobrir o cheque? Nada, levei cinco anos pagando juros em cima de juros, com nome sujo e sem poder comprar a prazo”, conta.
Como um dos passos do grupo, ela agora tem uma planilha e sabe exatamente quanto ganha e gasta. Foi também no grupo que ela encontrou incentivo para fazer um curso de cozinheira no Senac. Hoje, Dolores faz buffet para eventos.
“Na irmandade a gente costuma dizer que nossa evolução é só por hoje, mas essa recaída eu não vou ter mais não.”



Fonte: G1