Um cacau brasileiro que é requisitado por chocolateiros da Bélgica, Holanda e França e que conquistou o renomado chef francês Alain Ducasse, que tem mais de 40 restaurantes e centros de chocolates finos pelo mundo.
Essa amêndoa vem das plantações do baiano João Tavares, que comanda a Fazenda Leolinda, no município de Uruçuca, sul da Bahia, uma das principais regiões produtoras de cacau do país.
O sucesso é resultado de um trabalho de 20 anos de melhoramento genético de sementes e de técnicas de produção, que vem sendo feito por ele e por outros agricultores brasileiros (veja abaixo o que é um cacau fino e como o Brasil produz).
Este é um mercado de nicho. Somente quatro produtores brasileiros exportam o cacau fino, que chega a custar o dobro de um comum, conhecido no mercado como bulk, diz Neyde Alice Pereira, da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura.
A amêndoa especial representa apenas 5% das cinco milhões de toneladas colhidas no mundo.
No Brasil, as marcas de chocolate especial ganharam força a partir de 2017, caracterizadas, principalmente, pelo “bean to bar” (da amêndoa à barra), sistemas em que as empresas compram a amêndoa seca e fermentada direto de produtores para transformar em barras.
Outro modelo no país é o “tree to bar” (da árvore à barra), em que as próprias fazendas que plantam e colhem o cacau fabricam o chocolate. Além disso, marcas maiores também têm criado suas linhas especiais dentro dos seus portfólios.
Cacau brasileiro premiado
Cacau produzido na Fazenda Leolinda, de João Tavares, é matéria-prima de chocolate premiado da Nugali — Foto: Leolinda e Nugali
Tavares se tornou o primeiro brasileiro a ganhar, em 2010, o Prêmio Cacau de Excelência, em Paris, um dos principais reconhecimentos do setor. Desde então, são três medalhas na conta, que puxaram a fila de mais duas premiações de produtores do Espírito Santo e Pará.
E cacau que ganha medalha produz chocolate premiado: as amêndoas da Fazenda Leolinda compõem a barra Serra do Conduru, da marca brasileira catarinense Nugali, que já ganhou três prêmios internacionais.
Fazenda Leolinda, do produtor João Tavares, produz cacau premiado. — Foto: Arquivo pessoal
Histórias como a de Tavares pareciam impensáveis até os anos 2000, quando os chocolateiros mais exigentes do mundo torciam o nariz para a amêndoa nacional.
“Alguns diziam até que o nosso cacau tinha um sabor de fumaça”, lembra Neyde, do Ceplac.
“Isso porque, para secar a amêndoa em uma época chuvosa, por exemplo, é preciso usar um secador artificial. Muitos eram à lenha, então qualquer furo na tubulação já absorvia o cheiro”.
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Hoje, produtores brasileiros de cacau fino já possuem equipamentos de qualidade e o esforço para divulgar esse novo de produção tem mudado o status da amêndoa nacional, a ponto de o Brasil ter sido reconhecido pela Organização Internacional do Cacau (ICCO, na sigla em inglês) como um país exportador de 100% de cacau fino, em 2019.
Bahia e Pará são os principais estados produtores de cacau do país — Foto: Arte/g1
Qual é o sabor de um cacau fino
No paladar, o cacau precisa carregar suas características originais: sabores florais, frutados e amadeirados. E tem amêndoa que pode até ter outras notas, como de caramelo, cravo, canela e até pimenta, diz Neyde, da Ceplac.
Chocolate fino é feito com mais cacau, manteiga de cacau e menos açúcar — Foto: Tetiana Bykovets / Unplash
Esse requinte todo jamais será encontrado naquele chocolate basicão cheio de açúcar, leite e gordura hidrogenada. Esses aditivos servem para disfarçar os defeitos de um cacau ruim, que são a adstringência, amargor e acidez elevados.
“O chocolate especial é feito com mais cacau, manteiga de cacau e menor quantidade de açúcar”, diz Neyde. Os menos puristas podem adicionar a leticina como emulsificante para dar brilho, mas a ideia é que a barra seja o menos processada possível e mais saudável.
O que define a qualidade no campo
O segredo para alcançar as qualidades sensoriais do cacau fino passa por muitos detalhes, mas o produtor baiano João Tavares destaca dois fatores que, para ele, são essenciais: a carga genética do fruto e o beneficiamento, que é todo o processo de pós-colheita.
O cacau tem três variedades de amêndoas: forasteiro, criollo e trinitário, mas apenas as duas últimas são consideradas finas pela Organização Internacional do Cacau. Isso porque, em termos gerais, são amêndoas mais suaves.
Imagem de um novo cruzamento que João Tavares vem fazendo em sua propriedade. — Foto: Arquivo pessoal
No Brasil, só existe trinitário e forasteiro, que, por sua vez, é conhecido pelo seu sabor mais intenso e amargo e é a matéria-prima de quase todo o cacau comum comercializado. “O forasteiro Parazinho, por exemplo, enche a sua boca com o gosto de cacau”, afirma Neyde.
A variedade criollo é a mais rara no mundo, cultivada em poucos países como Venezuela e Equador, mas que é muito suscetível a pragas e doenças, conta o produtor Orlantildes Pereira, que é presidente da Cooperativa dos Cacauicultores do Sul da Bahia (Coopercabruca).
Por essa fragilidade, o plantio do criollo vem caindo nos últimos anos, dando cada vez mais espaço ao forasteiro, que é o mais plantado no mundo e mais resistente a pragas.
Já o trinitário é resultado de um cruzamento natural entre as duas variedades que teria ocorrido no país caribenho Trindade e Tobago, juntando o melhor dos dois mundos: a resistência do forasteiro com o sabor suave, frutado e amendoado do criollo.
Apesar de o forasteiro não estar no rol das amêndoas consideradas finas, o Brasil vem quebrando paradigmas nesse sentido.
Isso porque João Tavares ganhou o Prêmio Cacau de Excelência com essa variedade, em 2021. Mais especificamente com o Catongo, que é um tipo de forasteiro mais suave e que tem notas de nozes e avelã.
João Tavares foi o primeiro produtor a ganhar o Prêmio Cacau de Excelência com uma variedade forasteiro chamada Catongo. — Foto: Arquivo pessoal
“Os outros premiados no Brasil sempre ganharam com trinitários. Isso mostra que esse conceito [de cacau fino] vai acabar mudando”, comenta Neyde.
“Com tecnologia e o apoio da Ceplac, nós estamos produzindo sementes de forasteiro bem trabalhadas que estão sendo aceitas no mercado externo como excelente para fazer chocolates finos”, diz Pereira.
Detalhes que fazem a diferença
Amêndoas na Fazenda Leolinda; não se mistura sementes em diferentes estágios de maturação, pois pode causar adstringência. — Foto: Arquivo pessoal
O sucesso dos produtores nacionais se deve ainda ao aprimoramento das técnicas usadas nas lavouras e no pós-colheita.
“Genética não é tudo. Você pode ter uma produção de trinitário ou criollo, mas, se você não preparar bem, não vai ter o chocolate fino“, diz Pereira, presidente da Cooperativa dos Cacauicultores do Sul da Bahia (Coopercabruca).
Os frutos, por exemplo, precisam ser colhidos maduros, nem antes e nem depois. “Se você juntar sementes em diferentes estágios de maturação, pode gerar muita adstringência no produto final”, diz Neyde.
Na propriedade de Tavares, além dos frutos serem colhidos maduros e sadios, assim que o cacau sai do pé, ele é aberto e levado o mais rápido para a fermentação, onde fica por quatro dias.
“Essa etapa é crucial na produção do cacau fino. Se fermentar demais, por exemplo, fica podre. Então é preciso ter todo um cuidado“, diz Tavares.
É na fermentação ainda que os sabores e aromas das amêndoas serão realçados e onde a cor do cacau é definida. Um forasteiro do tipo Parazinho, por exemplo, que tem as amêndoas mais escuras, se for fermentado demais pode ficar até preto, ilustra Neyde.
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Fonte: G1