De onde vem o que eu como: bambu vira farinha e seu broto entra em receita de sorvete e pão de queijo | Agro a indústria-riqueza do Brasil


O bambu é uma planta da família das gramíneas com 1.642 espécies espalhadas pelo mundo, das quais cerca de 20% estão no Brasil: 258 são nativas e cerca de 80 foram trazidas ao país, afirma o presidente da associação de produtores (​Aprobambu), Guilherme Korte.

A planta tem, aproximadamente, 10 mil usos, sendo matéria-prima na produção de papel, celulose, móveis e artesanatos, além de gerar energia por meio de sua queima.

Seu carvão pode ser usado em cosméticos e em cremes dentais por ter efeito clareador e, com tratamento correto, serve como estrutura e acabamento na construção de casas.

A gramínea tem a mesma resistência da madeira com a vantagem de não precisar ser replantada. “O bambu rebrota, diferentemente do eucalipto”, diz o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Acre, Eufran Amaral.

A planta também tem vocação para a culinária. Na Índia e na China, por exemplo, é comum o consumo da farinha de bambu, que ainda não é fabricada no Brasil, conta a pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Juliana Cortez Barbosa.

Países do Oriente também utilizam o broto do bambu, que, apesar de ser pouco conhecido no Brasil, já virou até receita de pão de queijo por aqui (veja mais abaixo na reportagem).

Estima-se que o Brasil tenha cerca de 9,2 milhões de hectares de florestas com bambu nativo e plantado, dos quais metade está no Acre (4,5 milhões de hectares), segundo um cruzamento de dados da Embrapa.

A maior floresta do mundo com a presença de bambu fica na fronteira entre o Brasil, Bolívia e Peru (18 milhões de hectares). Nesta área, a gramínea está misturada com outros tipos de plantas, explica o analista da Embrapa, Bruno Imbroisi.

Já a maior floresta do mundo onde só há a presença do bambu está na China, em uma área de 6 mil hectares.

De acordo com a Aprobambu, as principais plantações para uso econômico no Brasil estão:

  • Pernambuco: 22 mil hectares para a produção de papel e celulose;
  • Maranhão: 15 mil hectares para a geração de energia à indústria, principalmente cervejarias, cerâmicas e produção de polpa de papel;
  • Bahia: empresa Penha Papéis tem 3,5 mil hectares voltados para a geração de vapor em caldeiras;
  • Mato Grosso: a FS Bioenergia possui 5 mil hectares para gerar vapor na produção de etanol de milho.

Korte afirma que não há dados sobre o quanto o setor gira na economia. “Isso é difícil porque o próprio fazendeiro que produz o bambu, consome o bambu. Não existe a emissão de nota fiscal. (…) E se a gente olha para quem trabalha com artesanato, por exemplo, muitos são informais”.

Porém, este levantamento tem sido feito pela BambuBR, uma associação que reúne empresas, pesquisadores e produtores. Eles estão colhendo informações neste link.

Bambu pode ser usado de 10 mil maneiras diferentes. — Foto: Arte / G1.

Broto de bambu precisa ser colhido até 3 dias depois de sair da terra para usar na alimentação — Foto: Instituto Jatobás e BambuBR

O broto de bambu é a primeira estrutura da planta que sai da terra. “Assim que o broto sai, nós temos 2 ou 3 dias para colher, senão ele cresce e fica duro“, explica Juliana Cortez, que também é presidente da BambuBR.

Depois de colhido, o broto é descascado e precisa passar por um processo de cozimento antes de ir para o consumo humano. Esse processo serve para eliminar os glicosídeos cianogênios, que são tóxicos.

Depois de pronto, o broto fica parecido com um palmito, “só que crocante”, diz Juliana, ressaltando que o alimento é rico em fibras e em proteínas.

Broto de bambu: segundo Juliana Cortez, o alimento é semelhante a um palmito, só que crocante — Foto: Arquivo pessoal/Juliana Cortez

Depois do cozimento, a lista de possibilidades de preparo com o broto é muito variada, pois ele é uma “base neutra que absorve todos os sabores”, explica a pesquisadora.

O broto de bambu pode ser usado para fazer a base de um sorvete, por exemplo. “Você bate ele no liquidificador e depois com o creme de leite, leite condensado”, diz. À esta massa, outros sabores podem ser acrescentados.

Em um dos cursos promovidos pela Unesp, foi desenvolvido até um sorvete de morango com coentro que, apesar de não ser uma combinação muito convencional, Juliana diz ter gostado do sabor.

Sorvete de morango com coentro à base de broto de bambu — Foto: Arquivo pessoal/Juliana Cortez

Pão de queijo com broto de bambu desenvolvido pela culinarista Iraci Araújo — Foto: Arquivo pessoal/Iraci Araújo

A culinarista Iraci Araújo, da cidade de Pardinho, interior de São Paulo, conhece bem a versatilidade do bambu na cozinha.

Com a planta, ela já preparou diversos quitutes, como empadas doces e salgadas, patê, molho para salada, cuscuz, torta salgada e até pão de queijo, onde o broto é usado para preparar a massa e dar mais consistência ao salgado, segundo Iraci.

Veja no vídeo abaixo a receita do pão de queijo:

“Procuro aproveitar tudo que a natureza nos dá para nos alimentarmos. Na culinária nada se perde, tudo se transforma”, diz Iraci, contando que a sua mãe já preparava broto de bambu em sua infância.

A culinarista desenvolveu todas essas receitas em 2019, por meio de uma ação do município de Pardinho junto à empresa Tudubambu, que, na ocasião, fez diversos experimentos do broto para comercialização.

Atualmente, a empresa está se reestruturando e não comercializa mais o broto, afirma a coordenadora do Instituto Jatobás, Madalena Carneiro.

O instituto, que desenvolve projetos sociais e sustentáveis com o bambu, fica localizado na Fazenda dos Bambus, em Pardinho, onde também está a Tudobambu.

A empresa deve começar a fabricar, em breve, quadros de bicicletas com a planta e estuda, junto com pesquisadores da Unesp, a fabricação de próteses com o bambu. Uma edição de 2020 de Globo Rural comentou sobre essa e outras iniciativas, veja a seguir:

Conheça a versatilidade do bambu

Conheça a versatilidade do bambu

A cadeia de broto de bambu para alimentação no Brasil é pequena e não há produção em larga escala.

Juliana, da Unesp, coordena um projeto de fabricação do broto para comercialização por pequenos produtores de Itapeva e conta que, além de São Paulo, conhece produção em Goiás, Rio Grande do Sul e que, no Acre, há projetos iniciais.

Farinha feita à base de bambu tem valor nutricional mais vantajoso do que farinhas convencionais — Foto: EPTV 1

Outro produto que a Unesp está desenvolvendo no Brasil é a farinha de bambu, que, além da China e Índia, é muito consumida também na Tailândia e Indonésia, por causa do seu teor rico em fibras.

Para fabricá-la, o bambu precisa ter, no máximo, 2 anos de vida. E, depois de colhido, é preciso tirar a parte mais dura e moer. “Ele fica bem fininho”, conta Juliana.

“Nós estamos adquirindo máquinas para fazer o processamento deste material e vamos testar várias espécies para estudar o valor nutricional”, diz.

Geração de renda no campo

A universidade paulista também atua em Ribeirão Branco (SP) capacitando os produtores da cidade na produção de cabos, que são vendidos para uma indústria fabricar pentes e escovas de dentes e cabelos, por exemplo.

Pentes de bambu que foram fabricados com os cabos produzidos por agricultores de Ribeirão Branco (SP) — Foto: Divulgação

Esses agricultores fazem parte da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Bairro dos Pacas e Região. E, além de capacitação, receberam máquinas para trabalhar. Os recursos do projeto vêm do Ministério da Ciência e Tecnologia.

“Muitas vezes, esses agricultores ficam sem trabalho porque a cultura em que eles trabalham é sazonal. Quem trabalha com tomate, por exemplo, fica 6 meses parado. Mas, com a produção de cabo para indústria, eles conseguem ter uma renda”, diz Juliana.

Agricultores de Ribeirão Branco (SP) na confecção de objetos de bambu — Foto: Arquivo pessoal

Diferentemente do processo de fabricação do broto e da farinha, o bambu para a produção de cabos precisa ser mais velho. “Neste caso, ele precisa ter mais de 3 anos de vida para ter uma boa resistência”, afirma a pesquisadora da Unesp.

“O bambu usado pelos agricultores é colhido em uma área de uma empresa madeireira, por meio de uma outra parceria nossa. Tudo é feito por meio parceria”, diz.

Ampliar as diversas cadeias de produção de bambu no Brasil depende de uma regulamentação do setor, para o pesquisador da Embrapa Acre, Eufran Amaral.

Em 2011, o governo federal lançou a Política Nacional do Bambu (Lei 12.484), mas, até hoje, não publicou nenhum decreto para regulamentá-la.

“Isso [a regulamentação] é necessário para desenvolver linhas de crédito para os produtores avançarem no plantio do bambu, para que a gente tenha mais recursos para pesquisas, para a produção de máquinas”, diz.

A falta de equipamentos, inclusive, é um forte gargalo do setor. “A maioria das máquinas que temos no Brasil é de origem asiática. Mas o bambu chinês tem menos fibra e é mais maleável. Então, hoje, nós temos que importar a máquina chinesa e adaptar”, diz Amaral, da Embrapa.

Floresta com bambu — Foto: Arquivo pessoal/Juliana Cortez

Alguns dos principais benefícios do bambu são o “sequestro” de carbono da atmosfera, proteção do solo e recuperação da fauna e flora.

“O bambu produz muita massa foliar, então as folhas que caem vão enriquecendo o solo, trazendo de volta os nutrientes”, afirma a pesquisadora da Unesp.

Segundo ela, o sistema radicular (raízes) do bambu tem cerca de 1 metro de profundidade. “Esse sistema de raízes não deixa a água escorrer e fazer erosão”, diz.

Amaral, da Embrapa, afirma ainda que uma floresta de bambu tem até 5 vezes mais de biomassa do que uma área de pastagem, por exemplo. Biomassa, neste caso, é toda a vida da planta: raiz, galhos, comos (popularmente conhecido como a vara do bambu).

“Com isso, você consegue incorporar mais matéria orgânica ao solo e ter mais biodiversidade da fauna e flora”, diz Amaral.

Segundo ele, a sombra do bambu atrai um maior número de mamíferos e, os seus galhos, mais passarinhos. Além disso, o pesquisador lembra que diversos tipos de abelhas vivem dentro dos comos de bambu.

Bambu pode ser usado na construção civil, artesanato e até em próteses

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Fonte: G1