Descalça sobre a pilha de roupas, a motorista de aplicativo Adriana Vidal, de 48 anos, “garimpa” calças jeans, jaquetas e bermudas. Na última terça-feira (26), o seu dia de folga, ela saiu cedo de Santo André, no ABC Paulista, e foi a primeira a chegar à loja que vende roupas por quilo, no centro de São Paulo. Quase duas horas depois, tinha sete peças escolhidas.
“Pretendia gastar R$ 25 (o preço do quilo de roupa da coleção antiga), mas acho que vou gastar mais”, disse. Ela optou pela coleção atual, cujo quilo sai por R$ 50. Desembolsou R$ 128 por 2,56 quilos de roupa. “Sempre foi mais econômico o quilo, na verdade eu não tinha achado antes um local que vendia assim.”
Frequentadora de shoppings e brechós, Adriana parou de ir às compras quando começou a pandemia. Com a reabertura dos comércios e os preços nas alturas, decidiu experimentar a compra de roupa por quilo, que segue o modelo da venda de comida por peso em restaurantes. O popular “quilinho” é uma invenção genuinamente brasileira de meados dos anos 1980, quando a inflação também corria solta.
Antes restrita à confecção infantil e a artigos de cama, mesa e banho, a venda de roupa por peso tem avançado no varejo e para itens de vestuário do dia a dia dos brasileiros, como calças jeans, moletons, jaquetas e camisetas, por exemplo. Esse tipo de comércio tem atraído consumidores pressionados pela falta de dinheiro no bolso.
Eles estão em busca de peças para uso próprio a um custo baixo, em meio à disparada da inflação. Em 12 meses até abril, as roupas ficaram, em média, quase 16% mais caras no varejo e superaram a alta geral dos preços de 12% no mesmo período, segundo o IPCA-15, a prévia da inflação.
Uma calça jeans, por exemplo, não sai por menos de R$ 100 no varejo tradicional. Mas, na venda por peso, é possível comprar duas calças por R$ 25, o preço do quilo de coleções passadas. Se for uma coleção atual, uma calça jeans sai por cerca de R$ 50. No caso da calça de moletom, o custo na venda por quilo pode representar 25% do preço de etiqueta da peça numa loja comum.
Impulso
“No começo da pandemia, iniciamos a venda por quilo no varejo de estoques nossos que estavam parados”, contou Adriana Silva, gerente do Grupo Hamuche, que há mais de 50 anos atua no setor de confecção, fabricando jeans e artigos de cama, mesa e banho. Como essa forma de venda teve muita procura, a empresa começou a fechar parcerias com confecções que tinham saldos em estoque.
Inicialmente destinada a desovar sobras de coleções antigas e atuais, a venda de roupas por quilo virou um novo negócio do grupo. Nos últimos seis meses, 20 confecções se tornaram parceiras, o que garantiu a regularidade do negócio. “Sem os parceiros, não haveria reposição de peças, e temos mais confecções interessadas.”
A venda por quilo é feita só com hora marcada e para um número fixo, de 30 a 50 pessoas por dia. Ocorre em um salão que ocupa um andar do prédio onde funciona o escritório da empresa, na Rua 25 de Março.
Já o Saldão MAG, que vende roupas de malha e moletom por quilo numa loja de 2,3 mil metros quadrados localizada na avenida Sapopemba, na zona leste da capital, adota estratégia diferente. A loja funciona de quinta-feira a domingo e com produtos voltados para quatro datas específicas: Dia das Mães, inverno, Dia da Criança e Natal. Só o evento de inverno acontece em dez finais de semanas seguidos.
No ramo de confecção há mais de 40 anos, Gilberto Gilber, sócio da empresa, conta que teve fábrica de roupas e fornecia para os grandes magazines. Começou o saldão de roupa por quilo há 14 anos como um negócio para vender as próprias sobras. Com o fechamento da fábrica em 2014, transformou a venda a varejo por quilo no negócio principal, buscando mercadorias de vários fornecedores. “Eu compro oportunidades.”
Ele não revela os volumes vendidos, mas uma pista do movimento é a fila que se forma para entrar na loja, que tem lotação máxima de 300 clientes (antes da pandemia, sem as restrições, o limite era de 800).
“Fui o primeiro a vender roupa por quilo em São Paulo”, frisou Gilber, que recebe clientes de fora da cidade, do Nordeste e do interior. São pessoas de todas as faixas de renda. A empresa não investe em publicidade tradicional e aposta na propaganda boca a boca para alavancar o negócio. O desempenho está tão favorável que a companhia estuda a abertura de uma segunda loja, a menos de 1.000 metros da atual.
Crise
Juliana Oishi, dona da Kilinho Balangandã, loja que vende roupa por quilo para crianças, na zona norte da capital, disse que notou a chegada de uma nova clientela por causa da crise. “Aumentou bastante gente vindo de outros estados comprar roupa por quilo, tanto para uso próprio quanto para revenda.”
Hoje com dois filhos adolescentes, Juliana abriu a loja de roupa por quilo quando eles eram pequenos. E a ideia nasceu da constatação pessoal dos gastos elevados que tinha para vestir as crianças. “Comprar roupa de criança é caro, a relação [de peças] por quilo acaba sendo mais barata.”
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, disse que o modelo de venda de roupa por quilo não é novo. “Existe em algumas regiões do país com mais intensidade, e nas capitais é menos frequente.”
Mas ele observa que, em momentos nos quais a capacidade de consumo da população está mais deprimida, como o atual, esse modelo de negócio ganha destaque para tentar atrair o consumidor, sobretudo quando a compra por impulso perde força. “Afinal, quilo, peça, dúzia, a conta é uma só: quanto está saindo cada peça de roupa”, afirmou Pimentel. E é exatamente essa conta que o consumidor tem de fazer antes de bater o martelo.
A Hering, gigante da confecção, informou que tem ações pontuais de venda de itens por quilo em algumas lojas “Espaço Hering” (outlet). Mas a empresa não quis dar detalhes sobre essa forma de venda.
Fonte: R7