Com recessões e pandemia, PIB do Brasil tem pior década em 120 anos | Economia


A dimensão exata do tombo da economia em 2020 será conhecida nesta quarta-feira (3) com a divulgação dos dados oficiais do Produto Interno Bruto (PIB) – mas já se sabe que o desempenho do Brasil na década foi o pior já registrado em 120 anos.

Considerando a expectativa de tombo da ordem de 4% no ano passado, o Brasil fechou o período entre 2011 e 2020 com um crescimento médio anual de apenas 0,3%, segundo cálculos do economista Claudio Considera, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Até então, a pior década econômica tinha sido a observada nos anos 1980, período chamado de “década perdida”, quando o PIB brasileiro avançou em média 1,6% ao ano no período.

Segundo o pesquisador, a taxa média de crescimento de apenas 0,3% ao ano pode ser interpretada como uma “estagnação”.

“Para igualar com a década de 80, o PIB teria que crescer 10% em 2020. Mesmo se crescesse em 2020 o que estava projetado pelo mercado [cerca de 2%, antes da decretação da pandemia], o PIB médio entre 2011 e 2020 cresceria 0,9%. Ou seja, essa década foi um desastre em qualquer situação, muito pior do que a dos anos 80”, explica o economista.

Nova década perdida — Foto: Economia G1

O levantamento do Ibre utiliza como base a série histórica do PIB apurada pelo Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea) e pelo IBGE, e as projeções do Monitor do PIB da FGV, que tenta antecipar o resultado oficial do desempenho da economia brasileira.

PIB de 2020 deve ter sido o pior em 30 anos

Os números oficiais de 2020 do PIB, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país, serão divulgados pelo IBGE a partir das 9h.

Pela projeção do Monitor do PIB da FGV, a retração da economia em 2020 foi de 4%. Pela leitura do Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) do Banco Central, que é considerado uma “prévia” do PIB, o tombo foi de 4,05%.

Confirmada as expectativas, será a maior contração anual desde o início da série histórica do IBGE, que começou em 1996, superando o tombo de 3,5% registrado em 2015, o maior até então. Considerando a série anterior, iniciada em 1948, o resultado de 2020 deve ser o pior em 30 anos. Os maiores tombos já registrados no país anteriormente foram os de 1981 e 1990 – em ambos os anos, houve uma retração de 4,3% do PIB.

“Na média da década, não vai alterar muito a taxa se o resultado do PIB de 2020 for alguns décimos a mais de 4% ou menos alguns décimos”, afirma Considera.

Evolução do PIB na década — Foto: Economia G1

Pandemia chegou antes do país eliminar perdas da crise de 2015-2016

A nova década perdida é explicada pelo choque trazido pelo coronavírus, mas também pela crise dos anos 2015 e 2016, durante os governos de Dilma Roussef e Michel Temer. Foram 11 trimestres seguidos de recessão no meio da década e, depois, uma recessão histórica no 1º semestre de 2020.

Considera destaca que o Brasil ainda tentava se reerguer das perdas de uma das recessões mais profundas que o país já passou quando a pandemia chegou, interrompendo uma sequência de 3 anos de uma recuperação que já vinha em ritmo lento.

“A recuperação vinha lenta, estávamos crescendo pouco, em torno de 1,5% ao ano. Daí veio a pandemia, que jogou a economia no buraco de vez”, afirma Considera. “A década foi muito instável, teve alguns números positivos e vários números negativos. Foi uma década de estagnação”.

A fraqueza da década e o desempenho da economia abaixo do observado na década de 80 já estava no radar dos economistas desde 2019 mas, até a chegada da pandemia, não se imaginava um resultado no período entre 2011 e 2020 tão próximo da estagnação.

De acordo com o levantamento da FGV, no acumulado entre 2011 e 2019, o crescimento médio do PIB estava em 0,7%.

De qualquer forma, o resultado da década ainda foi um pouco menos drástico do que o imaginado até meados do ano passado, quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a estimar um tombo de até 9,1% no PIB brasileiro. Se esse cenário se confirmasse, o Brasil poderia ter fechado a década com uma retração média anual de 0,3% entre 2011 e 2020, como mostrou o G1 em reportagem em junho do ano passado.

Prévia do PIB indica retração de 4,05% em 2020
Prévia do PIB indica retração de 4,05% em 2020

Prévia do PIB indica retração de 4,05% em 2020

Diferenças com a crise dos anos 1980

Depois do período de crescimento dos anos 70, que a ditadura militar chamava de milagre econômico, o Brasil enfrentou nos anos 80 o que passou a ser chamado de “década perdida”.

Naquele período, a economia brasileira enfrentou uma combinação perversa. No cenário internacional, houve uma piora das condições financeiras. Ao mesmo tempo, internamente, o país enfrentou um quadro de baixo crescimento, de descontrole da dívida externa e disparada da inflação. Em 1987, o governo brasileiro chegou a declarar moratória e suspendeu o pagamento de credores internacionais.

Se por um lado a dívida externa deixou de ser uma preocupação, o Brasil voltou a enfrentar na última década um quadro de descontrole fiscal, agravado pela queda dos investimentos públicos e privados, e pelo aumento do desemprego.

O rombo nas contas do governo foi recorde em 2020, somando R$ 743 bilhões. Esse déficit ajudou a aumentar ainda mais a dívida pública, que saltou de 74,3% para 89,3% do PIB, patamar recorde e considerado elevado para um país emergente. Já a taxa média de desemprego em 2020 foi de 13,5%, a maior já registrada pelo IBGE.

“Acho que o desemprego é o maior problema dessa década. E a taxa de desemprego esconde de certa forma o desiludido, o desalentado, aquele que para de procurar emprego e não é contado como desempregado. Você tem um número absurdo de pessoas dependendo de atividades informais”, afirma Considera.

Taxa de desemprego bate novo recorde em 2020
Taxa de desemprego bate novo recorde em 2020

Taxa de desemprego bate novo recorde em 2020

A média das projeções do mercado para o crescimento do PIB em 2021 tem sido revisada para baixo e está em 3,29%, segundo a última pesquisa Focus do Banco Central, bem abaixo da expectativa para o crescimento global no ano, estimada em 5,5% pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Parte do mercado não descarta inclusive o risco de uma nova recessão técnica no 1º semestre de 2021 em meio às incertezas sobre o controle da pandemia e as preocupações com o chamado risco fiscal.

“Vai ter algum crescimento em 2021, mas é fácil crescer em cima de uma base depauperada como a de 2020. Não vejo que vamos voltar a crescer de forma substancial nos próximos anos”, afirma Considera.

O pesquisador avalia que o potencial de crescimento da economia brasileira continua baixo diante da elevada incerteza política, queda da renda das famílias, pouco espaço fiscal para investimento público e nível de ociosidade ainda alto das empresas.

“A economia já vinha patinando. Estávamos crescendo com base no consumo de serviços, já não se tinha investimentos… A incerteza política é muito grande, ninguém sabe o que vai acontecer”, avalia Considera.



Fonte: G1