Com melhora da arrecadação e às vésperas da eleição, União e Estados começam a reajustar salários de servidores | Economia


Entre os analistas, qualquer tipo de aumento salarial é visto com cautela, diante do quadro histórico de fragilidade das contas públicas do país – já são sete anos seguidos no vermelho – e da falta de reformas estruturais que garantam a sustentabilidade fiscal no médio e longo prazos.

E a preocupação tem fundamento: o gasto com pessoal é a principal despesa de estados e municípios. Na União, fica atrás somente dos recursos destinados para a Previdência e benefícios assistenciais.

Em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que avaliava conceder reajustes para todos os servidores com a aprovação da PEC dos Precatórios. No fim do mês, o Orçamento aprovado pelo Congresso para 2022 autorizou, por exemplo, R$ 1,7 bilhão para a carreira de policiais.

Agora, outras categorias também pressionam por reajustes, como é o caso dos auditores da Receita Federal, que anunciaram uma paralisação perto da virada do ano. A categoria também aprovou a entrega de cargos, como forma de pressionar o governo federal.

Aumenta debandada de funcionários da Receita Federal contra corte de 51% de verbas para 2022

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Na última entrevista do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou os pedidos de reajustes que vêm sendo feitos por servidores de Estados e municípios. Durante a entrevista, Guedes tentou se desvencilhar da autoria do pedido de reajuste aos policiais. Disse que o “pedido político” veio do presidente Jair Bolsonaro e que é contra os aumentos salariais.

Reajuste generalizado nos estados

Diversos estados já anunciaram que vão conceder aumentos para servidores.

Em São Paulo, o governador João Doria anunciou um novo plano de carreira para professores, com aumento de salário de até 73%. Já o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, teve um reajuste de 46% na sua remuneração, que passou de R$ 24 mil para R$ 35 mil. O novo valor passa a ser também o teto salarial dos servidores municipais, gerando um efeito cascata.

Aumento de salários na Prefeitura de São Paulo

Aumento de salários na Prefeitura de São Paulo

Já no Rio Grande do Norte, a assembleia aprovou um aumento salarial de 15% para 35 mil servidores do estado.

Na Bahia, foi aprovado um reajuste linear de 4% para todo o funcionalismo público, além de reestruturações de carreiras. Pelo projeto de lei, os servidores estaduais terão ganhos salariais de até 22%.

No Mato Grosso do Sul, por sua vez, 81 mil servidores terão reajuste de 10% a partir de janeiro.

Número positivos, mas pontuais

Ao longo de 2021, os números da arrecadação revelaram dados bem melhores do que o esperado.

Na União, entre janeiro e novembro, a arrecadação chegou a R$ 1,7 trilhão, o que representou uma alta de 27,6% na comparação com o mesmo período do ano passado.

Nos estados, a soma foi de R$ 617,4 bilhões nos dez primeiros meses do ano, um crescimento de 24,2%, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI).

“Apesar de a gente estar observando uma melhora significativa dos indicadores dos resultados dos entes subnacionais, essa melhora não é necessariamente estrutural”, afirma Vilma Pinto, diretora da IFI.

Com o caixa da União e, sobretudo, dos estados reforçado, o Ministério da Economia estima que o país pode colher o primeiro superávit primário desde 2013. No entanto, a meta de um déficit de R$ 177,49 bilhões para 2022 para o setor público – definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – deixa evidente que a melhora é apenas pontual e que as contas vão voltar ao vermelho neste ano.

Por que a arrecadação melhorou?

São cinco as principais razões que explicam a melhora do caixa neste ano:

  • Inflação. Em 2021, a alta dos preços foi bem maior do que o previsto pelas analistas. O aumento de preços dos produtos faz com que o setor público arrecade mais;
  • Preços das commodities. A retomada da economia global puxou a cotação das commodities em todo o mundo, o que melhorou, por exemplo, a arrecadação de royalties e participação especial do petróleo de diversos estados e também da União;
  • Retomada da economia. Depois do tombo de 4,1% em 2020, a atividade econômica se recuperou em 2021, em meio ao avanço da vacinação e à reabertura do comércio e dos serviços. O mercado financeiro projeto uma alta de 4,5% do PIB em 2021, mas de apenas 0,36% em 2022. Ou seja, a recuperação vai perder força, o que deve impactar a arrecadação.
  • Salários congelados. O caixa dos estados também foi reforçado pelo fato de o salário dos servidores ter ficado congelado até o fim de 2021, como contrapartida ao socorro da União para mitigar os estragos econômicos provocados pela pandemia de coronavírus.
  • Dívida com a União. Por causa da crise sanitária, os estados ainda tiveram a dívida suspensa com o governo federal.

“A dívida com a União terá de voltar a ser paga, e o boom de commodities é uma interrogação – pode durar alguns anos ou pode refluir”, afirma Marcos Mendes, professor do Insper e especialista em contas públicas. “Essa é uma situação temporária e nenhum dos principais fatores estruturais de desequilíbrio das finanças de estados e municípios foi efetivamente atacado.”

Problema fiscal estrutural

O nó das contas públicas se tornou um problema estrutural no Brasil.

A União e boa parte dos estados conseguiram avançar com uma reforma da Previdência nos últimos anos, mas mais medidas de ajustes são necessárias, afirmam os especialistas.

No topo da lista de medidas urgentes está a reforma administrativa, para reduzir o gasto com pessoal no governo federal e nos estados no longo prazo. E uma reforma tributária, para acabar com a guerra fiscal e a perda de receita.

“17 estados fizeram uma reforma da Previdência nos moldes da União. Não é suficiente, mas já é uma ajuda bastante significativa para equilibrar as contas”, afirma Mendes.

“E serão necessárias uma reforma administrativa e uma segunda rodada da previdenciária. A reforma aprovada em 2019 é muito benevolente com algumas carreiras que têm grande peso nas contas de estados e municípios, como professores e policiais”, acrescenta.

O roteiro que se vê agora, aliás, de aumentar o gasto pessoal em momentos de bonança de receita, já é conhecido.

No início da década, muitos governadores ampliaram o gasto com o funcionalismo no rastro do bom momento econômico vivido pelo Brasil. Quando a crise chegou, a receita caiu e estados passaram a atrasar salários – alguns tiveram de pedir socorro para a União.

“Ainda há problemas relacionados ao elevado nível de endividamento em diversos estados. Mesmo com essa aparente situação de melhora, ela não deve ser uma melhora estrutural. Eles permanecem”, avalia Vilma.

Em nota, o governo de São Paulo informou que a “Secretaria da Educação tem neste ano um orçamento de pessoal R$ 3 bilhões maior do que em 2021 para cobrir o impacto da proposta.”

A prefeitura de São Paulo afirmou que o reajuste salarial vai trazer um impacto de R$ 51 milhões e que não há correção do valor máximo de salário do funcionalismo desde 2012. A prefeitura argumenta que a mudança corrige os ganhos de categorias importantes, como os auditores fiscais, e que isso evita a perda de profissionais qualificados para a iniciativa privada.

O governo de Mato Grosso do Sul disse que o impacto da proposta na folha salarial do estado será de R$ 1,2 bilhão e garantiu que o reajuste segue a Lei de Responsabilidade Fiscal e ainda leva em conta a previsão de crescimento da economia em 2022.

O estado do Rio Grande do Norte afirmou que o reajuste não vai comprometer o equilíbrio fiscal do estado e que “impacto mensal líquido é de R$ 22 milhões por mês e será pago com o crescimento da receita corrente líquida projetada em no mínimo 6%, equivalente a R$ 70 milhões/mês.”

O governo da Bahia informou que o aumento para os servidores “representará um acréscimo na despesa de pessoal para o exercício de 2022 na ordem de R$ 1,8 bilhão” e que a gestão estadual tem realizado o pagamento dos salários em dia “graças à manutenção do equilíbrio fiscal e a uma política que articula o controle dos gastos com a modernização do fisco”.

A Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro disse que o novo plano de cargos e salários na Saúde está previsto no orçamento deste ano, “dentro do índice constitucional da Saúde”. O impacto fiscal, segundo a Secretaria de Estado de Saúde, será de cerca de R$ 150 milhões.



Fonte: G1